sexta-feira, 29 de abril de 2022

Fernando Gabeira: Qual é a graça de Bolsonaro?

O Estado de S. Paulo

O problema do presidente não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A decisão de Bolsonaro de conceder uma graça presidencial a Daniel Silveira é um marco na sua trajetória. Remete ao 7 de setembro de 2021. Naquele momento, ele fez um discurso inflamado contra o STF, mas, logo em seguida, recuou. Bolsonaro deu um passo atrás para caminhar dois passos à frente num ano eleitoral. Agora, o próprio ex-presidente Michel Temer tentou dissuadi-lo, mas ele segue firme em sua lógica de confronto.

Foram muitos os argumentos jurídicos contra o ato de Bolsonaro. Mas o que parece interessar a ele, na verdade, são as consequências políticas. Avançou ou não no seu projeto de reeleição? É difícil de responder neste momento, mas aparentemente Bolsonaro reforçou sua base e se distanciou um pouco dos setores mais moderados, que, em última análise, são o fiel da balança de uma eleição polarizada. O problema de Bolsonaro não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No caso de Daniel Silveira, ele apenas partiu para o confronto, sem maiores cuidados. Não concedeu graça a um criminoso, como prevê a Constituição. Ele aboliu o crime, afirmando que Silveira apenas exerceu a liberdade de expressão. Em outras palavras, funcionou como uma instância jurídica de revisão, substituiu a Corte Suprema. Isso pode? Perguntam todos aos juízes, no mesmo tom em que locutores esportivos consultam comentaristas especializados depois de um lance confuso.

Da mesma forma, Bolsonaro usou um falso argumento para fundamentar sua decisão. Disse que havia uma comoção nacional por causa da pena a Silveira. Havia apenas um carnaval, muita gente cantando e apontando dois dedos para o alto.

Eliane Cantanhêde: No cravo e na ferradura

O Estado de S. Paulo

Até o Centrão tenta conter golpismo de Bolsonaro e maluquices dos bolsonaristas no Congresso

Ok, pode-se alegar que o ministro Alexandre de Moraes estica muito a corda, 8 anos e 9 meses por ameaças é um exagero e o Supremo tem enviado sinais desencontrados à sociedade. Mas daí o presidente da República consumir duas horas numa homenagem a um sujeito condenado e desqualificado como Daniel Silveira?

Pode-se lembrar que Jair Bolsonaro é fã de Pinochet, Stroessner e Brilhante Ustra e sua família já condecorou um miliciano depois morto pela polícia, mas desta vez a papagaiada foi no Planalto, que não é de Bolsonaro nem do governo, mas do Estado brasileiro, e teve lances absurdos: o presidente abraçado a Silveira, o condenado divertindo-se com o decreto que o indultou, 22 parlamentares discursando.

É um tapa na cara do Supremo e da Nação, sufocada pela crise econômica e a inflação galopante divulgada no mesmo dia. Os bolsonaristas estão ocupados em endeusar Daniel Silveira, o povo quer comer, morar, estudar, tratar da saúde, se locomover e trabalhar.

Vera Magalhães: O que farão as Forças Armadas?

O Globo

Jair Bolsonaro tratou de, em menos de uma semana, dar completa razão ao ministro Luís Roberto Barroso, que havia afirmado, em seminário no último fim de semana, que as Forças Armadas estão sendo orientadas a questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro.

Em duas oportunidades o presidente, de viva voz, instou as Forças Armadas a continuar a questionar a transparência da votação eletrônica, sempre “embasando” seu clamor em informações falsas.

Numa solenidade por si só já eivada de caráter golpista, em que Bolsonaro e apoiadores fizeram uma espécie de desagravo a Daniel Silveira, o presidente colocou explicitamente em dúvida a realização das eleições caso fatos “anormais” ocorram. Os únicos fatos anormais que ameaçam a realização do pleito são as investidas sistemáticas do presidente da República contra a Justiça Eleitoral.

Ele chegou ao disparate de dizer que a sala-cofre do Tribunal Superior Eleitoral, malandramente chamada por ele de “secreta”, para dar a ela ares de conspiração, seria um local onde algumas pessoas decidem quem vencerá a eleição!

Bernardo Mello Franco: Justiça acuada, candidato livre

O Globo

Os ataques de Jair Bolsonaro à Justiça Eleitoral já produziram um efeito prático. Obrigado a se defender em tempo integral, o TSE perdeu o fôlego para coibir a campanha antecipada.

O capitão será o quarto presidente brasileiro a concorrer à reeleição. Nenhum antecessor teve sua liberdade para usar a máquina em causa própria.

Bolsonaro transformou a Presidência num palanque permanente. O Planalto virou comitê de campanha. As viagens oficiais se tornaram pretexto para a realização de comícios itinerantes.

Na quarta-feira, o palácio sediou mais uma pajelança eleitoral. O capitão encheu o salão nobre de deputados governistas. O ato se arrastou por duas horas, com transmissão ao vivo na TV Brasil.

Ao todo, 22 parlamentares se revezaram no microfone. Nos discursos, exaltaram a personalidade do chefe e fizeram referências explícitas à eleição.

Flávia Oliveira: A marionete presidencial

O Globo

O Brasil é uma ilha tomada de crises para onde se olhe; e o Planalto, um palácio tornado palanque eleitoral. Por duas vezes em menos de um mês, a sede do Executivo federal foi palco de afronta ao Poder Judiciário, com o presidente da República recebendo, defendendo e homenageando um deputado condenado, por 10 votos a 1, no Supremo Tribunal Federal, por atacar a ordem democrática e ameaçar ministros da Corte.

Jair Bolsonaro fez de Daniel Silveira a marionete que manobra para tensionar as relações entre os Poderes, fragilizar a democracia, aglutinar a base aliada mais radicalizada e distrair o país da vida real, que só piora. O ilusionismo político tem funcionado. Desde que veio à tona o escândalo da influência no Ministério da Educação de pastores evangélicos sem cargos nem mandato, o ambiente institucional se deteriorou, num bem-vindo — para o presidente candidato à reeleição — desvio de debate público.

Enquanto o Brasil se ocupa do conceito desvirtuado de liberdade de expressão — como direito absoluto de ofender desafetos e de enfraquecer uma democracia cansada de guerra — ou discute a constitucionalidade do perdão presidencial a uma sentença que nem transitou em julgado, a economia afunda, a vulnerabilidade social se agrava, a floresta arde, os povos indígenas são dizimados. O Ministério do Trabalho informou ontem que, no mês passado, o país conseguiu gerar 136.189 empregos com carteira assinada, o pior saldo do ano até aqui, inferior às 153.431 vagas formais de março de 2021, quando, vacinação incipiente, explodia o número de mortos pela segunda onda da Covid-19.

César Felício: O golpe, de novo

Valor Econômico

A falta de diálogo entre os atores políticos alimenta o flerte do Executivo com o golpismo

Um antigo observador da cena política, com livre trânsito em diversas esferas dos três Poderes, faz o alerta: se todos que têm responsabilidade com a manutenção das regras democráticas não voltarem a conversar, as condições estarão dadas no Brasil para um golpe ainda este ano. O tema, que havia sido retirado de pauta depois do recuo do presidente Jair Bolsonaro no feriado da independência, já voltou à agenda de assombrações no feriado de Tiradentes, graças a dois episódios: o indulto presidencial ao deputado Daniel Silveira e a desavença entre o ministro Luís Roberto Barroso e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

Barroso entrou nessa por acidente. A fala em si do ministro do Supremo Tribunal Federal em um evento acadêmico no exterior foi muito criticada, mas está longe de ser caluniosa às Forças Armadas como o general indicou. Foi, isso sim, um ataque, quase uma denúncia ao presidente Jair Bolsonaro, ainda que sem jamais mencioná-lo. O ministro fez uma indagação retórica, ao se referir ao voto eletrônico: “As Forças Armadas estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo?” Mais adiante, ressalvou: “Nestes 33 anos de democracia, se teve uma instituição de onde não veio notícia ruim, e que teve um comportamento exemplar, foram as Forças Armadas.”

José de Souza Martins*: Dificuldades da terceira via

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O povo não se encontra na polarização e no dualismo, mas naqueles que já conhece e nos quais se reconhece

Não é a primeira vez que setores da sociedade brasileira se mobilizam para encontrar uma alternativa política, uma terceira via, em face de desencanto político, de crise e impasse. O movimento de agora não é o primeiro, embora seja peculiar. A chance da terceira via parece estar em aceitar nova garimpagem eleitoral nos rejeitos da política.

Seus partidários querem encontrar uma saída política que não seja saída nem política. Foi lá atrás o caso da tentação por Sergio Moro. Não levam em conta que o brasileiro é politicamente conservador, mesmo quando necessita e quer mudanças. Mas o conservadorismo popular é muito peculiar e não é propriamente de direita.

No Império, a estrutura política do Estado brasileiro tinha no Poder Moderador do imperador o mecanismo de terceira via para contornar os impasses do bipartidarismo de liberais e conservadores.

O mecanismo funcionava bem. Como, dentre outros, ressaltou Euclides da Cunha, os liberais inovavam e os conservadores decidiam como a inovação seria posta em prática. O que nos fez um país de história politicamente lenta. Os impasses de agora vêm desse defeito estrutural do Estado brasileiro, amplificado pelo regime republicano de uma república de inspiração militar e sem povo.

Hélio Schwartsman: Não é difícil decidir entre Lula e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

A menos que julgue que ambos são iguais nos vícios e nas virtudes, você consegue decidir contra quem precisa votar no pleito deste ano

Como a maioria dos humanos, Luiz Inácio Lula da Silva tem defeitos e qualidades. Ele foi presidente ao longo de dois mandatos e fez gestões que foram bem avaliadas pela maioria da população. Pegou uma conjuntura externa favorável e conseguiu fazer com que seus dividendos chegassem tanto a pobres como a ricos e à classe média. Pode parecer fácil, mas não é tão trivial. Em questões civilizacionais e temas de direitos humanos, sempre colocou-se do lado correto.

Talvez mais importante na conjuntura em que vivemos, Lula revelou ter algum compromisso com o sistema democrático. Embora tenha tido condições políticas de torcê-lo para beneficiar-se —ele poderia, por exemplo, ter levado o Congresso a aprovar o fim do limite constitucional às reeleições, como fizeram tantos líderes populistas mundo afora—, preferiu não fazê-lo. Também evitou impasses com outros Poderes. Não é pouco.

Alexa Salomão: Direita tem dever de casa para votar

Folha de S. Paulo

Vários eleitos se mostraram inadequados a cargos públicos

O governo Bolsonaro e seus aliados seriam os porta-vozes da direita brasileira, sufocada pela social-democracia de esquerda que se apoderou do Estado com o fim da ditadura militar. Justo. Pelo voto na urna, todas as correntes têm direito à representação, mas devem monitorar o eleito. Vejamos alguns.

No Rio de Janeiro, a direita fez do ex-PM Gabriel Monteiro o terceiro vereador mais votado, pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Agora, enfrenta um processo de cassação diante de uma série de denúncias, entre elas gravar intimidades com menores e postar nas redes sociais. Numa delas, faz sexo com uma jovem de 15 anos, em outra, acaricia uma criança de 10 anos. Monteiro declara ser alvo de calúnia e perseguição.

Vinicius Torres Freire: EUA e China vão pegar resfriado

Folha de S. Paulo

Chineses devem crescer menos e americanos precisam frear, o que vai afetar o Brasil

A economia americana encolheu no primeiro trimestre de 2022. Mas continua superaquecida, com investimento produtivo e consumo privado em alta forte.

Como é possível? Mais sobre isso mais adiante. Mais relevante é saber se será possível conter a inflação nos EUA sem uma desaceleração forte, que pode dar até em recessão a partir de 2023.

A economia chinesa cresceu mais do que o previsto no primeiro trimestre de 2022. Mas março e abril foram meses mais fracos. Há indícios de que o PIB chinês vai crescer menos do que se imaginava neste ano.

PIB é assunto tedioso, sim. Mas o que acontece nos EUA e na China terá influência sobre o ritmo da economia e dos preços por aqui também, para começo de conversa.

Em um relatório do final da semana passada, os economistas do bancão Goldman Sachs discutiram o risco de o controle da inflação levar os EUA à recessão.

Quanto mais as expectativas de inflação ficarem descontroladas, maior o risco. Se a falta global de materiais para a indústria e a guerra continuarem a provocar aumentos de preços, maior o risco de "desancoragem" das expectativas.

Luiz Carlos Azedo: CB 61 + 1, quando os fatos mudam

Correio Braziliense

A exposição do Correio Braziliense cobre duas gerações, pelas quais passaram a renúncia de Jânio Quadros, o golpe militar que destituiu João Goulart em 1964, a implantação do regime militar e muito mais

A exposição comemorativa do Correio Braziliense sobre os 62 anos de Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, reúne as capas deste jornal desde a inauguração da nova capital do país, em 1960, quando circulamos pela primeira vez. É um mosaico da trajetória histórica das estruturas do poder central e suas ações, para os quais a cidade foi projetada e construída, graças à audácia de Juscelino Kubitschek e à genialidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

CB 61 1 mostra um ciclo completo da vida política, econômica e cultural do Brasil, a partir de seus protagonistas no planalto central, que se tornou o polo dinâmico do Centro-Oeste, mas também a evolução e o comportamento de uma sociedade inicialmente formada por peões e funcionários públicos, que, pouco a pouco, se tornou muito mais complexa, até se transformar na grande metrópole cosmopolita atual e um fator da integração territorial nacional. Duas gerações de candangos, compreendidos como os cidadãos naturais de Brasília, produziram uma espécie de síntese do nosso processo civilizatório, mais ou menos como imaginava o fundador da Universidade de Brasília (UnB), Darcy Ribeiro.

Os fatos políticos ao longo desses 62 anos foram todos devidamente registrados pelo Correio Braziliense, que acompanhou os bastidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, bem como a reação da sociedade às decisões dos poderosos, ao longo da história. As manchetes e fotografias publicadas nesse período são flagrantes da História do Brasil, revisitada a cada aniversário da cidade ou fato político relevante do presente, para os quais o fio da história nos permite melhor compreendê-los.

Reinaldo Azevedo: A ONU explica os desmandos da Lava Jato para o mundo

Folha de S. Paulo

Muitos, no Brasil, estão zangados com comitê, especialmente o Colunismo de Acusação

O Comitê de Direitos Humanos da ONU não poderia ter sido mais eloquente sobre as violações aos direitos de Luiz Inácio Lula da Silva praticados pelo Estado brasileiro por intermédio da Lava Jato, muito especialmente pelo então juiz Sergio Moro.

Também o PowerPoint de Deltan Dallagnol —que contou com a aprovação de Moro— aparece no texto como uma das agressões ao devido processo legal. O sempre excelente Jamil Chade antecipou a decisão no UOL e fez uma boa síntese do caso.

Para Lula, a decisão tem peso moral, não jurídico. E certamente será tratada, e com toda razão, na campanha eleitoral. Segundo o comitê, ao ser impedido de se candidatar, em 2018, o petista teve ainda solapados os seus direitos políticos.

Muitos, no Brasil, estão zangados com o comitê, especialmente o "Colunismo de Acusação", que atuou como uma espécie de anexo da força-tarefa, indiferente à evidência de que, numa democracia, a correção de qualquer mal, também o da corrupção, tem de se dar segundo regras.

Paulo Sérgio Pinheiro*: Nosso passado autoritário não é passado ainda

Folha de S. Paulo

Decisão de comitê da ONU sobre Lula expõe brechas perigosas na Justiça

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, que monitora o cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, acaba de reconhecer que o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) violou as garantias do devido processo legal e seus direitos políticos.

Foi constatado que o ex-presidente teve seus direitos violados pelo Estado brasileiro ao não ter acesso a um processo justo e não ter tido protegida sua presunção de inocência. Ao mesmo tempo, o comitê reconheceu que Lula teve seu direito à participação política igualmente violado durante o pleito de 2018, quando foi impedido de concorrer.

A decisão do comitê deve ser lida com cuidado por todos que atuam para proteger e promover a democracia e o Estado de Direito no Brasil. As violações sofridas pelo ex-presidente individualmente, desde sua caçada televisionada até sua prisão prolongada, tiveram impacto imediato e profundo na trajetória política e social do país.

Maria Cristina Fernandes: Reeleição de Macron o empurra de lado

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Votação de Le Pen e Mélenchon aponta para a necessidade de concessões à base do eleitorado sinalizadas no primeiro discurso de Macron reeleito

Quando Emmanuel Macron elegeu-se pela primeira vez, em 2017, os ditos centristas do Brasil ganharam um ídolo. Havia chegado ao poder, finalmente, aquele que, na terra que inventou o conceito, abominava tanto a direita quanto a esquerda. No ano seguinte, a ilusão tupiniquim produziu Jair Bolsonaro. Cinco anos depois, não há sinais claros de que os recados da reeleição de Macron foram claramente decifrados no Brasil.

Não é, de fato, desprezível a primeira reeleição de um presidente francês em 20 anos, especialmente por ter vencido as duas únicas eleições que disputou sendo um novato na política. Somadas as forças populistas, de direita e de esquerda, porém, o voluntarismo tecnocrático com o qual assumiu em 2017 levou uma lavada que o próprio presidente reeleito reconheceu no seu discurso de vitória, no Campo de Marte.

Nesse discurso, foi muito além de reconhecer uma votação que, em grande parte, se deveu menos às suas ideias do que à barreira que representou contra os extremismos. Ou ainda do reconhecimento do eleitorado de Marine Le Pen, que aumentou sua votação em relação a 2017 e deu a melhor performance eleitoral à extrema direita.

Nelson Motta: Em Portugal, a coragem da serenidade

O Globo

Comemorei, na Avenida da Liberdade, os 50 anos da Revolução dos Cravos, que, sem tiros e sem sangue, libertou o país de 40 anos de ditadura fascista

Com muita inveja cívica, comemorei na Avenida da Liberdade os 50 anos da Revolução dos Cravos, que libertou Portugal de 40 anos da ditadura fascista e obscurantista de Salazar, que censurou, prendeu, torturou, matou e aterrorizou com sua polícia secreta, parando o país no tempo do medo, do atraso e da pobreza.

É o feriado mais importante de Portugal, a data mais querida de sua História, que celebra uma revolução sem uma gota de sangue, marcada pela coragem, serenidade e autoridade moral do capitão Salgueiro Maia, adorado pela tropa, e uma nova geração de capitães cansados de matar pretos e morrer nas inúteis e injustas guerras coloniais na África, que planejam depor uma ditadura que calava, torturava e matava opositores. Salgueiro liderou uma coluna de blindados de Santarém a Lisboa e enfrentou, literalmente, de peito aberto os tanques do governo e um general boçal e violento.

Foi como uma cena de duelo de faroeste. Numa rua de Lisboa, uma pequena coluna de blindados e soldados rebeldes fica cara a cara com os tanques do governo, separados por 50 passos e um tempo tecido a tensão e medo. Salgueiro desce do blindado, põe seu fuzil no chão, e com um lenço branco na mão caminha lentamente em direção ao general que grita ameaças e palavrões, dá ordens de prisão e tiros para o alto.

Pedro Doria: O problema do Twitter

O Globo

Não sabemos o que acontecerá com o Twitter após Elon Musk sacramentar a compra e tomar posse. Ainda assim, quem navegou pela rede nestes dias viu muitas certezas. Uma turma da direita autoritária eufórica e quem se preocupa com a democracia enlutado. Jair Bolsonaro, o presidente da República, conquistou um salto de seguidores — 65 mil num único dia. Efeito Musk? Segundo o Bot Sentinel, não: 61 mil eram robôs. Que, aliás, Musk promete banir. Muita gente está, até, achando que este é um debate a respeito da liberdade de expressão e de seus limites. Mas não é.

Tanto mudou nos últimos séculos que um dos conceitos que se perderam foi a ideia original de liberdade de imprensa. Porque lá na Primeira Emenda da Constituição americana, em 1787, James Madison redigiu que o Congresso não poderia impor limites por lei aos exercícios das liberdades de expressão e de imprensa, tratando as duas coisas como distintas. Hoje compreendemos essa ideia como um direito particular a jornalistas. Não era nisso que Madison pensava, e relembrar seu conceito nos ajuda a pensar o Twitter.

João Luiz Rosa: Na internet, terra livre não é terra sem lei

Valor Econômico

Tensão com reguladores marca a história de ‘Big Techs’

A história das grandes empresas de tecnologia da informação é uma história de tensão permanente com as autoridades públicas e de relações de amor e ódio com os consumidores. Das dez maiores companhias do mundo em valor de mercado, sete são de TI, incluindo Apple, Microsoft, Alphabet (dona do Google) e Amazon. Essas companhias já ultrapassaram a barreira do trilhão de dólares nas bolsas e dominam o topo da lista, cuja única exceção é a Saudi Aramco, de petróleo.

Com tanto poder econômico concentrado, seria natural que governos e legisladores se preocupassem com a influência desmedida que essas companhias podem ter na sociedade. Mas não é só a abundância de recursos que preocupa. Órgãos antitruste já lidaram, anteriormente, com situações de abuso econômico, quando ficou comprovado que monopólios legais usaram sua posição privilegiada para tirar concorrentes do caminho ou obter benefícios indevidos. Basta lembrar do episódio histórico da AT&T.

George Gurgel*: A Paz como fundamento da democracia e da sustentabilidade

Os conflitos e as guerras regionais colocam em evidência a insustentabilidade da sociedade contemporânea.

Como estamos pensando e nos posicionando frente a esta complexa realidade?

O conflito militar envolvendo a Ucrânia e a Rússia é uma das pontas do iceberg que expressa as contradições do mundo em que vivemos, onde a cultura da guerra fria ainda sobrevive através principalmente dos EUA e dos seus aliados da OTAN, frente a uma realidade mundial multipolar que apresenta a China, a Rússia, o Japão e a própria União Europeia como atores relevantes do atual cenário internacional.

Desde fevereiro, o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia ocupa papel de destaque no noticiário internacional. Envolve diretamente os EUA, a OTAN, a União Europeia e, indiretamente, a China. São disputas geopolíticas, como aconteceu e acontece hoje em diversas regiões do planeta, inclusive durante o século XX no desencadeamento das duas guerras mundiais e no período da guerra fria.

Hoje, por exemplo, qual seria a razão de existir da própria OTAN?  Como sabemos, ela foi criada depois da segunda guerra mundial para impedir a expansão da ex-União Soviética, que não mais existe desde 1991. Como estão e vão se desenvolver as relações entre os EUA e a China e o papel da União Europeia e da Rússia neste contexto? 

São questões a serem colocadas para um melhor entendimento do atual cenário internacional e o papel dos distintos atores envolvidos.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Dificuldades crescentes no caminho da terceira via

Valor Econômico

O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo

Com a proximidade da data marcada (18 de maio) para a escolha de uma candidatura única de União Brasil, MDB e PSDB-Cidadania, a terceira via enfrenta dificuldades crescentes. Pelos personagens em ação e arranjos partidários existentes, a terceira via ainda não deixou de ser uma possibilidade estatística, dada a elevada rejeição dos dois principais candidatos à frente nas pesquisas, para se tornar uma possibilidade real.

O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo. A política dá reviravoltas surpreendentes, e não é impossível que erros sérios dos candidatos na dianteira ressuscitem esperanças de algum outro candidato competitivo na disputa. Hoje é difícil vislumbrar quem possa ser.

Os partidos brasileiros, com raras exceções, não têm programas sérios, e quando os têm, não acreditam neles ou não os seguem. São ajuntamentos em torno de caciques nacionais ou regionais, unidos por interesses. O PSDB, que polarizou com o PT a disputa pela Presidência ao longo de seis eleições, seria o candidato natural a agregar outras legendas em torno de si. A deterioração do cenário político deixou os tucanos sem muro e sem rumo.