terça-feira, 3 de maio de 2022

Opinião do dia – CNBB: Mensagem ao povo brasileiro

“A grave crise sanitária encontrou o nosso País envolto numa complexa e sistêmica crise ética, econômica, social e política, que já nos desafiava bem antes da pandemia, escancarando a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. A COVID-19, antes de ser responsável, acentuou todas essas crises, potencializando-as, especialmente na vida dos mais pobres e marginalizados.

O quadro atual é gravíssimo. O Brasil não vai bem! A fome e a insegurança alimentar são um escândalo para o País, segundo maior exportador de alimentos no mundo, já castigado pela alta taxa de desemprego e informalidade. Assistimos estarrecidos, mas não inertes, os criminosos descuidos com a Terra, nossa casa comum. Num sistema voraz de “exploração e degradação” notam-se a dilapidação dos ecossistemas, o desrespeito com os direitos dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a perseguição e criminalização de líderes socioambientais, a precarização das ações de combate aos crimes contra o meio ambiente e projetos parlamentares desastrosos contra a casa comum.

Tudo isso desemboca numa violência latente, explícita e crescente em nossa sociedade. A crueldade das guerras, que assistimos pelos meios de comunicação, pode nos deixar anestesiados e desapercebidos do clima de tensão e violência em que vivemos no campo e nas cidades. A liberação e o avanço da mineração em terras indígenas e em outros territórios, a flexibilização da posse e do porte de armas, a legalização do jogo de azar, o feminicídio e a repulsa aos pobres, não contribuem para a civilização do amor e ferem a fraternidade universal.

Diante deste cenário esperamos que os governantes promovam grandes e urgentes mudanças, em harmonia com os poderes da República, atendo-se aos princípios e aos valores da Constituição de 1988, já tão desfigurada por meio de Projetos de Emendas Constitucionais. Não se permita a perda de direitos dos trabalhadores e dos pobres, grande maioria da população brasileira. A lógica do confronto que ameaça o estado democrático de direito e suas instituições, transforma adversários em inimigos, desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios fundamentais a serem enfrentados.

*Mensagem ao povo brasileiro, 59ª. Assembleia Geral da CNBB, 25 a 29/4/2022

Merval Pereira: Máquina do tempo

O Globo

Nos anos 90, ficou famosa no Rio a história de um velho comunista que, para comemorar os 60 anos, soprou as velinhas colocadas sobre confeitos em forma da foice e do martelo e, em vez do tradicional “Parabéns para você”, foi saudado pelos amigos com o hino da Internacional Socialista. Já àquela altura, com a queda do Muro de Berlim, era um ato simbólico extemporâneo de antigos membros do Partidão, um saudosismo inofensivo, quase juvenil.

O que dizer de Geraldo Alckmim, outrora acusado de ser do Opus Dei, ouvindo (não acredito que conhecesse a letra para cantá-la) a Internacional Socialista todo empertigado, numa reunião do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao lado do ex-presidente Lula? Se nos anos 90 já era apenas um retrato na parede da memória, o que será agora?

Tão surpreendente quanto anacrônico, o ato é uma amostra fiel do que vem sendo a campanha de Lula, que diz que criará uma moeda latino-americana para não depender mais do dólar. Fatos como esse do hino socialista, ou da crítica aos policiais, que o obrigou a desculpar-se de público, ajudam Bolsonaro a espalhar o medo entre eleitores de centro-direita que, desapontados com ele, pensam em votar em Lula. O medo, já ensina o sociólogo Manuel Castells, é um grande impulsionador nas escolhas eleitorais.

Carlos Andreazza: Negocia-se com o golpismo

O Globo

Acompanhei com perplexidade, minha perplexidade derivando da simples observação do mundo real combinada a algo de memória, o noticiário segundo o qual o Senado se mobilizaria para resistir ao galope autocrático de Bolsonaro e defender — a partir da ode ao sistema eleitoral — o Supremo.

Uau!

Haveria mesmo uma consciência institucional do Senado como última fronteira parlamentar antes do golpe — consciência até aqui expressa em notas de jornal e em tuítes do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.

E de repente me lembrei de o jurista Pacheco costurando para, em desprezo a um comando constitucional óbvio, não instaurar a CPI, direito da minoria, que investigaria a barbárie em que consistiu a atividade do governo durante a peste.

Já teremos nos esquecido?

Do senador Randolfe Rodrigues, li que a Câmara estaria capturada pelo bolsonarismo. O juízo é correto. A Câmara aderiu — capturar não será o verbo correto — desde que a sociedade entre Planalto e o consórcio comandado por Arthur Lira fundou bases na gestão obscura e arbitrária do Orçamento.

A questão — motivo da minha perplexidade — é o Senado como espaço de resistência. Nada contra palavras em resposta aos arreganhos golpistas de Bolsonaro. Tudo a favor de um olhar direto às práticas. A realidade, com sua gritante objetividade, está aí.

Míriam Leitão: Lula precisará falar de economia

O Globo

O país vive uma baita crise econômica, criada pelo atual governo, por má gestão dos choques externos e por seus erros, e o ex-presidente Lula, que está na frente das pesquisas há meses, não tem falado sobre economia. Como ele pensa em conduzir o país para fora da crise? Desta vez a herança maldita de fato é maldita. No governo, o PT errou e acertou. Portanto, a dúvida sobre os caminhos ficará. Lula, nessa questão, e em outras, escolheu a estratégia de falar apenas para os seus fiéis eleitores. Esses votos são dele. O que é preciso, explicou um dos seus ex-ministros, é não assustar os que têm propensão de votar nele neste momento.

Na economia, quando assumiu em 2003, Lula superou a disparada do dólar que havia ocorrido por dois motivos, a crise de confiança em relação à política econômica que seguiria e o baixo nível de reservas cambiais. Na lista dos seus acertos, houve uma forte acumulação de reservas. Fez isso porque aproveitou o boom das commodities que ocorreu no início do seu governo, mas poderia ter malbaratado essa oportunidade, como fez por exemplo a Argentina. As reservas cambiais ajudaram o Brasil a passar melhor por todas as crises que se seguiram. Foi a vacina usada por todos os governos, inclusive este. Na semana passada, o Banco Central estava vendendo dólares para evitar o estresse que surgiu por mais um confronto institucional criado por Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde: Catequização via internet

O Estado de S. Paulo

Contaminação de militares contra STF, urnas eletrônicas e vacinas de crianças é via redes sociais

Os militares não são um monobloco, assim como evangélicos, agricultores, sindicalistas, médicos, etc. também não, mas, se eles reagiram no início do governo contra atos golpistas que levavam bolsonaristas às portas do Planalto e o próprio presidente às do QG do Exército, a percepção é de que balançam com os ataques de Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao Supremo. Mal comparando, eles também não se deixaram ludibriar com a campanha contra as vacinas de covid para adultos, mas cederam nas de crianças.

Nos dois casos, é efeito das redes sociais e de grupos, ou bolhas, de famílias, vizinhos, escolas, igrejas e também de militares, da ativa e da reserva, que disseram não quando provocados contra vacinas e a favor de atos golpistas (para os quais o presidente até arrastou o então ministro da Defesa em helicóptero das Forças Armadas). Depois, porém, vêm baixando a guarda e sendo capturados por teses delirantes.

Joel Pinheiro da Fonseca: A terceira via não existe

Folha de S. Paulo

Todos os esforços de tirar a ideia do chão foram, até agora, um fracasso completo

Duas lições das manifestações de domingo: Lula, apesar da liderança nas pesquisas, tem uma dificuldade muito grande em mobilizar eleitores. Bolsonaro, apesar de ver seus atos diminuírem, ainda é, com folga, o político que mais consegue trazer eleitores para a rua. Se isso é prenúncio de uma aproximação dos dois líderes nas pesquisas nos próximos meses, ou se Lula manterá a liderança confortável, o futuro dirá.

Independente de se achar um desses superior ao outro, é bem compreensível que alguém não se sinta representado nessa dicotomia.

Afinal, o governo Bolsonaro é um desastre completo —na educação, no meio-ambiente, na diplomacia, na saúde pública; some-se a isso o fato de inundar o país com fake news e discussões espúrias sobre maluquices ideológicas, além de atentar diretamente contra a democracia em suas falas.

Luiz Carlos Azedo: Quando a liberdade de expressão é um subterfúgio

Correio Braziliense

Há limites para esse direito, em especial quando é utilizado para violar garantias estabelecidas pela Constituição. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas

O pensamento liberal no Brasil muitas vezes é traduzido com segundas intenções. Por exemplo, na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o direito à propriedade privada não foi adotado para favorecer o florescimento de uma economia capitalista como as que se desenvolviam na Europa e nos Estados Unidos, mas para proteger o regime escravocrata.

O dogma liberal era invocado sempre que se falava de abolição, pois os escravos eram considerados propriedade inalienável. Ou seja, um fundamento das revoluções burguesas serviu a três gerações de escravocratas, até 1888. Hoje, o racismo estrutural, a causa de muitas das nossas desigualdades, é um mal invisível, que ninguém confessa, como a inveja.

De igual maneira, a nossa legislação trabalhista surgiu durante a Carta Magna de 1937, a constituição fascista do Estado Novo. Nem todos os seus dispositivos estavam a serviço do regime autoritário, mas toda a parte que envolvia os direitos coletivos, como greves, sindicatos, convenção coletiva e mesmo a Justiça do Trabalho, serviam ao corporativismo estatal inspirado na Carta del Lavoro, fascista. Entretanto, o engessamento da legislação trabalhista e sindical não impediu o posterior desenvolvimento dos direitos dos trabalhadores nem o avanço nas relações sociais.

Andrea Jubé: Lula testa quadros do PT para a Fazenda

Valor Econômico

Alexandre Padilha e Jaques Wagner são vozes de Lula sobre economia

Sem alarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a dar sinais de reedição do método adotado em 2002, quando venceu a eleição presidencial, para escolher quem será o responsável, em seu eventual futuro governo, pela condução da política fiscal.

Naquele ano, o ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Palocci foi acumulando missões, ampliando a interlocução com empresários e com o mercado financeiro, na função de coordenador do programa de governo.

Ainda assim, causou espécie quando veio a público a nomeação de um médico para o Ministério da Fazenda. Para o desempenho da função, Palocci cercou-se de quadros ortodoxos e abalizados como Marcos Lisboa e Joaquim Levy.

Duas décadas depois, após afirmar a uma dezena de interlocutores que pretende nomear um político para o Ministério da Fazenda - caso saia vitorioso do pleito em outubro -, Lula voltou a colocar em prática o velho método, destacando quadros orgânicos do PT para a interlocução com empresários e com o mercado financeiro.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Machado de Assis e o Brasil de Bolsonaro**

Valor Econômico

Não é prudente apostar, como o faz Bolsonaro, na idiotice geral

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”. Com essa dedicatória aos vermes, o saudoso Machado de Assis abriu sua obra magna, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Digo saudoso Machado, assim como poderia deplorar a ausência de João Guimarães Rosa palmilhando as Veredas de seu Grande Sertão ou de José Lins do Rego apagando o fogo do Engenho onde vivia o menino.

Voltemos às memórias de Brás Cubas. Ele jurou “que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma”.

Na morte brasileira perpetrada pelo Capitão, esvai-se a consciência, avança a imobilidade social e moral, o corpo tem a mobilidade das plantas e das pedras imersas no lodo e os que desgovernam o país são coisa nenhuma.

Helena Chagas: Discurso golpista afasta o centro e isola Bolsonaro

Jair Bolsonaro compareceu ao esvaziado ato anti-STF de Brasília e mandou um vídeo ao de São Paulo, mas é nítido que baixou o tom. Não discursou no DF e ficou no leto-lero para agradar aos paulistanos. Por que? Porque foi avisado por coordenadores políticos da campanha de reeleição que, pelos primeiros levantamentos, o discurso golpista contra o Supremo e as ameaças à eleição não angariaram um só voto a favor de sua reeleição.

Bolsonaro continua encarcerado em sua bolha, e foi para agradá-la que marcou certa presença cautelosa nos atos.  Mas sabe que precisa avançar ao centro para ter alguma chance de chegar mais perto de Lula na eleição, e a narrativa golpista de colocar as Forças Armadas para contar votos só conseguiu assustar esses setores. Foi lembrado que, na última investida antidemocrática, no 7 de setembro, amargou o crescimento de sua rejeição nas pesquisas por quatro meses.

Mirtes Cordeiro*:1° de Maio, Dia do Trabalho… ou do Trabalhador

Em 02.05.2022

Considerado o Dia do Trabalhador por sua luta por maiores direitos, o Primeiro de Maio é comemorado no mundo inteiro, tendo surgido com a intensificação da revolução industrial, quando o trabalho nas fábricas era realizado em condições precárias, pois o objetivo era maior obtenção de lucros, sacrificando a vida dos que vendiam sua mão de obra, os trabalhadores.

Naquela época, no século XIX, a jornada de trabalho era de 12 a 16 horas, sendo comum que os trabalhadores fossem colocados sob condições de trabalho degradantes, sem direito ao dia de descanso. Em 1886 aconteceram grandes mobilizações em Chicago (EUA), quando houve grande repressão, inclusive com a morte dos líderes do movimento anarco-sindicalista, também conhecidos como Mártires de Chicago.

Chicago era a cidade mais industrializada dos Estados Unidos e abrigava um grande contingente de imigrantes europeus, familiarizados com as ideias anarquistas e socialistas.

A data Primeiro de Maio, no entanto, só se tornou feriado em 1919, inicialmente na França, após a jornada de oito horas diárias ter sido ratificada por lei, enquanto no Brasil o feriado passou a ser considerado em 1924.

As manifestações de trabalhadores no Brasil, segundo alguns historiadores, tiveram início na década de 1910, culminando com uma grande greve em 1917.

No entanto, a luta dos trabalhadores foi utilizada pelo governo Vargas para implantar e ampliar o seu projeto ditatorial no chamado Estado Novo e, “nesse sentido, as manifestações do Primeiro de Maio eram utilizadas pelo governo como propaganda de suas “benesses” e como eventos para ressaltar os valores cívicos e o patriotismo”. (Mundo Educação)

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A verdadeira herança maldita

O Estado de S. Paulo

Bondades eleitoreiras e incontáveis erros acumulados em quatro anos formam o legado desastroso de Bolsonaro para o próximo governo

Uma conta de pelo menos R$ 82,3 bilhões será passada a quem assumir a Presidência da República em 1.º de janeiro. Esse é o custo, por enquanto, das bondades eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Sua campanha de reeleição, extremamente cara, tem sido e continuará, nos próximos anos, sendo financiada com recursos públicos. A soma inclui R$ 41 bilhões da parcela complementar do Auxílio Brasil, R$ 12 bilhões do reajuste dos servidores, R$ 1,9 bilhão do auxílio-gás e R$ 27,4 bilhões de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se a apuração confirmar as atuais pesquisas de intenção de voto, o sucessor de Bolsonaro terá vários motivos para falar de uma herança maldita.

Essa herança resultará, em grande parte, de medidas improvisadas, como têm sido, com frequência, as iniciativas presidenciais no atual mandato, iniciado em 2019. Nunca houve, nesse período, um plano de governo, com metas, programas e projetos articulados. Nem a saúde fiscal, uma bandeira sustentada com razoável constância pela equipe econômica, tem sido levada em conta, normalmente, nas decisões do presidente. Mesmo com alguma resistência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou geralmente acatando as pretensões de seu chefe.

Algumas decisões, como o pagamento do auxílio-gás às famílias pobres, são defensáveis, mas nunca foram integradas em programas de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Nem poderiam ter sido, porque programas desse tipo nunca foram formulados. Tributos foram cortados, ocasionalmente, para conter aumentos de preços ou para beneficiar o sistema produtivo. Mas foram sempre soluções tiradas de algum bolso de colete. Até hoje, nada permite, por exemplo, vincular a redução do IPI a uma política de recuperação e de modernização do enfraquecido setor industrial.