quarta-feira, 25 de maio de 2022

Vera Magalhães: O futuro não é mais como era antigamente

O Globo

Um dos livros que mais me impactaram nos últimos tempos, pela forma cirúrgica com que aponta como o contrato social firmado pelo mundo democrático depois das duas guerras mundiais não é mais válido para os desafios do presente e de um futuro que chega a galope todos os dias, foi escrito pela economista Minouche Shafik, diretora da London School of Economics. No Brasil, ganhou o título “Cuidar uns dos outros —Um novo contrato social”.

Tive a oportunidade de entrevistar a autora a respeito dos temas que ela reuniu para demonstrar como os arranjos institucionais, econômicos, educacionais, de proteção social e ambientais, entre outros, ficaram rapidamente obsoletos diante de uma realidade que já vinha em rápida mudança graças a fatores como tecnologia, avanço da emergência climática e novo perfil demográfico dos países, e como isso foi potencializado de forma dramática pela pandemia de Covid-19.

Ela mostra com dados por que é inadiável que o mundo democrático rediscuta o atual contrato social, sob pena de, muito rapidamente, mais nações se verem diante do apelo sedutor de líderes com discurso de radicalização populista e tendência autocrática, que seduzem crescentes contingentes de eleitores ao propor soluções falsamente simples para problemas complexos.

O que fez com que o livro continuasse martelando na minha cabeça, meses depois da leitura e da entrevista, é a inquietante constatação de que nem um único dos temas que Shafik aborda está sequer sendo esboçado na campanha presidencial brasileira.

Bernardo Mello Franco: A matança no palanque

O Globo

No início do mês, a Polícia Civil foi ao Jacarezinho e destruiu um monumento que lembrava os 28 mortos da operação mais letal da história do Rio. Dias depois, o governador Cláudio Castro visitou a favela e festejou o ato de truculência. Declarou que o memorial, erguido por ativistas de direitos humanos, fazia “apologia ao crime”.

Castro era vice de Wilson Witzel, um governador que fazia apologia da matança policial. O ex-juiz se elegeu na onda bolsonarista de 2018. A pretexto de combater o tráfico, lançou a doutrina do “tiro na cabecinha”.

O atual governador não se fantasia de Rambo, mas também confunde política de segurança com incentivo ao bangue-bangue. Seu chefe de polícia, Allan Turnowski, disse que gostaria de ocupar as favelas com tanques de guerra. O discurso tinha fins eleitoreiros: o delegado acaba de deixar o cargo para se candidatar a deputado pelo partido de Castro e Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo: Dragão da inflação contra mito guerreiro

Correio Braziliense

A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para medidas que visam segurar os preços, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente na cesta básica de alimentos

Com perdão para o trocadilho — Glauber Rocha que nos perdoe —, o presidente Jair Bolsonaro está convencido de que seu maior adversário nas eleições é a inflação. Os números corroboram esse temor, pois a alta dos preços, principalmente dos combustíveis e dos alimentos, pode levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vitória no primeiro turno. O que se discute no governo é a adoção de medidas de contingenciamento dos preços, seja pelo congelamento puro e simples, seja pela via de incentivos fiscais. A nova mudança na direção da Petrobras tem esse objetivo.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é considerado uma prévia da inflação oficial do país, está em 0,59% em maio, após ter registrado taxa de 1,73% em abril, somando 12,20% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, Bolsonaro resolveu demonizar a Petrobras, que seria o grande dragão da inflação. Vestiu a armadura de mito guerreiro e defenestrou mais um presidente da empresa, o terceiro. José Mauro Ferreira Coelho durou 40 dias do cargo, sendo demitido por telefone pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Saschida. Para o seu lugar, Bolsonaro indicou Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

Marcelo Godoy: A austeridade dos bolsonaristas

O Estado de S. Paulo.

‘Projeto de Nação’ dos generais contou com a estrutura dos ministérios para ser elaborado

O País se deu conta nesta semana de que o projeto dos militares que apoiam o governo de Jair Bolsonaro prevê a manutenção do poder até 2035. Até lá, eles terão avançado na tarefa de remodelar o Estado, vencendo uma nova guerra. Na falta do Movimento Comunista Internacional, identificam o “globalismo” como a doutrina inimiga que pretende subjugar a Pátria.

São os banqueiros internacionais, a alta finança, que ocupa o lugar que um dia foi dos bolcheviques, criando uma situação interessante. O discurso contra a plutocracia, tão em moda entre os radicais da direita dos anos 1920, orgulha-se em dividir a mesa com Elon Musk, mas é refratário ao dinheiro de George Soros.

O plano dos generais Eduardo Villas Bôas e Hamilton Mourão defende a austeridade pública. Quer cobrar o atendimento no SUS de quem ganha mais de três salários mínimos. Pretende impor mensalidades aos alunos das universidades federais enquanto os cadetes das Forças Armadas e das polícias recebem soldo nas suas escolas porque o estudo ali é visto como serviço.

Paul Krugman*: Os perigos da sordidez plutocrática

O Estado de S. Paulo.

Bilionários da tecnologia têm se voltado contra os democratas por interesses econômicos e egos frágeis

Os sultões do Vale do Silício passam por uma irritação política, em que alguns bilionários têm se voltado contra os democratas. Não apenas Elon Musk. Outros nomes proeminentes, incluindo Jeff Bezos, atacaram Joe Biden, e nós sabemos que Larry Ellison, da Oracle, participou de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham sobre reverter a eleição de 2020.

O momento dessa mudança para a direita linha-dura por parte de alguns aristocratas da tecnologia é marcante em face do que está ocorrendo na política. É difícil imaginar o tipo de bolha em que Musk vive para ele apontar o Partido Democrata como “o partido da divisão e do ódio”, no momento em que Tucker Carlson, que não é político, mas é uma das figuras mais influentes do Partido Republicano, dedica programa após programa à “teoria da substituição”, alegação de que a elite progressista traz imigrantes para os EUA para substituir eleitores brancos. Pesquisas mostram que metade dos republicanos concorda com essa teoria.

Alvaro Gribel: A Petrobras sob nova intervenção

O Globo

O nome de Caio Paes de Andrade para a presidência da Petrobras representa a mais forte tentativa de intervenção na companhia desde a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais, de junho de 2016. A indicação tem um propósito claro: mudar a política de preços dos combustíveis para segurar a inflação e beneficiar o presidente Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição.

 No mercado, há cálculos de que o projeto do ICMS, que tramita no Congresso, somado a um congelamento do diesel e da gasolina, poderia diminuir em até dois pontos percentuais o IPCA deste ano. Paes de Andrade não tem currículo para o posto, mas o governo aposta em uma brecha na Lei para que ele assuma o cargo.

Fontes da Petrobras contaram à coluna que, mesmo com a mudança no Ministério de Minas e Energia, havia a expectativa de que José Mauro Coelho pudesse continuar à frente da empresa. Para evitar uma nova mudança brusca na gestão da maior companhia do país, eles acreditavam em algum tipo de “acomodação” do executivo no cargo e lembravam evento na última semana, no Jardim Botânico, no Rio, em que Bolsonaro esteve presente mas não fez ataques à diretoria.

Vinicius Torres Freire: Conta da eleição de Bolsonaro aumenta

Folha de S. Paulo

Conta vai aparecer em algum lugar, como no descrédito financeiro do país

Câmara dos Deputados está para aprovar um subsídio federal para o consumo de combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte. Isto é, quer fazer o governo federal bancar parte do custo do consumo desses bens e serviços.

Como? Obrigando o governo federal bancar parte das perdas que estados e municípios terão com a redução do ICMS sobre esses bens e serviços (segundo projeto que tramita na Câmara).

E daí?

A inflação não está altíssima? Sim.

O governo federal tem dinheiro para bancar esse subsídio? Não. Caso não corte outras despesas (o que não vai fazer), será obrigado a tomar mais empréstimos para bancar essa conta, essa perda de receita dos estados. Isto é, vai fazer mais dívida, ao custo de mais de juros de mais de 13% ao ano.

A conta vai aparecer em algum lugar, na dívida e no descrédito financeiro do país. Assim como vai aparecer, mais cedo ou mais tarde, nas finanças de estados e municípios.

Bruno Boghossian: O dia depois da eleição

Folha de S. Paulo

Fórmula para evitar reajustes agora pode tornar mega-aumento inevitável após a campanha

Jair Bolsonaro percebeu que esbravejar no cercadinho do Palácio da Alvorada não resolveria seu problema. Depois de trocar o comando da Petrobras pela terceira vez, o presidente começou a discutir com auxiliares uma fórmula para segurar os preços dos combustíveis. A ideia é evitar reajustes por 100 dias, mas alguns aliados trabalham para que um aumento só ocorra depois da eleição.

O represamento já existe na prática. Pela política atual, a Petrobras deve acompanhar os preços do mercado internacional, mas a pressão de Bolsonaro já fez com que a empresa segurasse por dois meses o valor cobrado pelo diesel. A gasolina está sem reajuste há 75 dias.

Hélio Schwartsman: Tudo pela Câmara é nova lógica dos partidos

Folha de S. Paulo

Com a desistência de Doria, vemos redução da competição eleitoral, o que é um retrocesso democrático

O tucano João Doria viu que, por sabotagens internas, não teria a menor condição de disputar a Presidência e desistiu de concorrer. Simone Tebet, do MDB, pode ser a próxima. A candidatura do pedetista Ciro Gomes parece mais sólida. Mas, se também ele pular fora, ficam grandes as chances de vermos a contenda entre Lula e Bolsonaro resolver-se em turno único.

Não é, porém, o segundo turno que eu gostaria de discutir hoje, mas a redução do apetite dos partidos por lançar postulantes ao cargo máximo. Até 2014, a sabedoria convencional sugeria que legendas que não estivessem numa coligação com chances reais de chegar ao poder deveriam, sim, lançar um cabeça de chapa. Os custos de fazê-lo não eram tão elevados e a propaganda eleitoral gratuita funcionava como uma vitrine para lançar/popularizar quadros e aumentar a visibilidade da sigla.

Tebet sofre pressão em prova de fogo para erguer terceira via

Senadora tenta tornar candidatura viável em meio a fragilidades suas e disputas partidárias

Joelmir Tavares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO -  Com a desistência do ex-governador João Doria (PSDB-SP), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) passa a concentrar por ora as expectativas da chamada terceira via, com os prós e contras que o afunilamento desse campo impõe à sua pré-candidatura, hoje na casa de 1% das intenções de voto.

O tucano, que pontuava em torno de 3% (empatado tecnicamente com ela), deixou a pista livre para a então rival no consórcio PSDB, MDB e Cidadania, que tenta fabricar uma alternativa competitiva a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Juntos, os dois detêm cerca de 70% nas pesquisas.

Aliados e auxiliares de Tebet enxergam na saída de Doria uma oportunidade ímpar para ela, com vantagens e riscos implícitos. A ordem é turbinar a pré-campanha a ponto de sustentá-la como opção viável e neutralizar a ala do PSDB que ainda quer lançar um nome como cabeça de chapa.

Ungida pela direção dos três partidos como a melhor opção na disputa com Doria, sobretudo pelo índice de rejeição menor, a senadora foi diplomática ao comentar nesta segunda-feira (23) o recuo do tucano (a quem se referiu como colega e amigo), sem deixar de explicitar seu otimismo.

No momento do anúncio, a presidenciável estava em Cuiabá, cumprindo parte da agenda de viagens traçada para aumentar sua exposição e apresentá-la aos eleitores. O desconhecimento é justamente um de seus principais pontos fracos, principalmente quando se dava a comparação com Doria.

Tebet batizou a jornada de incursões como Caminhada da Esperança e vem buscando responder a uma das demandas reveladas pela pesquisa que a trinca de partidos contratou para embasar a escolha do candidato com mais chances. A sondagem contribuiu para o descarte do tucano pelo grupo.

Obstáculos da via Tebet

Senadora recebe apoio do MDB, mas precisa crescer nas pesquisas e conter dissidências

Por Bianca Gomes e Gustavo Schmitt / O Globo

Embora ainda precise confirmar a consolidação da terceira via, crescer nas pesquisas e driblar eventuais traições dentro do próprio partido, a senadora Simone Tebet (MS) teve sua pré-candidatura à Presidência referendada na terça-feira por emedebistas dos principais estados do país.

Presidentes de pelo menos 22 dos 27 diretórios do partido manifestaram apoio à senadora, confirmando cenário favorável para homologação da pré-candidatura nas convenções do meio do ano. Além disso, Tebet teve seu nome aprovado ontem, por unanimidade, pelo Cidadania.

Com 1% das intenções de voto e sem nunca ter disputado uma eleição presidencial, Tebet aposta em uma coligação com o PSDB para ampliar o tempo de televisão e tentar ser mais conhecida nacionalmente nos próximos meses.

Apesar de ser a representante virtual da terceira via, há obstáculos para garantir o apoio dos tucanos, uma vez que uma ala do partido faz pressão interna por uma candidatura própria. Soma-se a isso o fato de que PSDB e MDB se enfrentam nas eleições aos governos em pelo menos dois estados: Paraíba e Distrito Federal.

Os defensores de uma aliança entre emedebistas e tucanos alegam que a eventual chapa poderia destravar negociações entre as legendas nos estados do Rio Grande do Sul, onde o deputado Gabriel Souza (MDB) é apontado como possível vice de Eduardo Leite (PSDB) ou do atual governador Ranolfo Vieira Júnior; Pará, onde os tucanos querem indicar a vice da chapa do governador Helder Barbalho (MDB); e São Paulo, onde o emedebista Edson Aparecido é o mais cotado para ser vice do governador Rodrigo Garcia (PSDB), que concorre à reeleição.

Mesmo com a chancela formal da maior parte da cúpula emedebista, Tebet terá de fazer campanha ao lado de correligionários que vão pedir votos para Lula e Bolsonaro, os dois mais bem colocados nas pesquisas.

Graziella Testa*: Terceira via é ressentida e não consegue se diferenciar de Lula e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Candidaturas são resultado de personalismos e mágoas, não de demanda real do país

Na semana passada, Ciro Gomes (PDT) e Gregorio Duvivier protagonizaram um longo bate-boca, erroneamente chamado de debate, que bem exemplificou a principal característica dos candidatos que se apresentam como terceira via nas eleições de 2022: o ressentimento.

Apesar das aparentes diferenças, Sergio Moro (União Brasil) e Ciro Gomes, os nomes desse grupo mais bem-colocados em pesquisas de intenção de voto, têm em comum um grande desencanto com os projetos políticos que um dia abraçaram. Ciro foi, por três anos, ministro da Integração Nacional de Lula (PT), e Moro foi ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro (PL), a quem também apoiou eleitoralmente.

Aqui cabe fazer uma diferenciação importante: há o apoio ainda no primeiro turno das eleições e há o papel de composição da coalizão de governo. A distinção importa porque nosso sistema político tem incentivos contraditórios nas arenas eleitoral e legislativa.

Por um lado, o sistema eleitoral proporcional de lista aberta incentiva a competição entre candidatos da mesma legenda e, por consequência, o comportamento personalista. Por outro, toda a estrutura de distribuição de cargos e participação no processo decisório se dá pelo critério partidário.

A chamada terceira via é composta sobretudo por uma longa lista de ex-apoiadores de Bolsonaro. O projeto de candidatura à Presidência de quase todos eles ficou pelo caminho. Ministro da Saúde no início da pandemia, Luiz Henrique Mandetta (União Brasil) agora ensaia uma aproximação com outro ex-aliado de Bolsonaro, Luciano Bivar, para talvez disputar o Senado por seu estado, o Mato Grosso do Sul

Fundador do PSL, Bivar articulou a candidatura de Bolsonaro pelo partido em 2018. Com a saída de Bolsonaro do PSL e a posterior fusão do partido com o Democratas, formando o União Brasil, Bivar, presidente da nova sigla, ocupa o papel da viúva dona do cofre e também tenta uma candidatura pouco animada, visando colher um papel relevante no futuro governo eleito.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Além da Petrobras

Folha de S. Paulo

Com nova troca, Bolsonaro mostra que projeto eleitoral ignora lógica e escrúpulo

Jair Bolsonaro (PL) e seus adeptos lançaram nova ofensiva da campanha para conter —ou parecer que tenta conter— os preços dos combustíveis e da energia elétrica.

O governismo abriu mão de impostos, com aumento da dívida pública; quer impor cortes de tributos a estados e municípios, suspender no Congresso reajustes de energia elétrica e ensaia promover um tabelamento de preços ao menos temporário na Petrobras.

Não foi por outro motivo que o candidato a reocupar o Planalto demitiu o terceiro presidente da petroleira em menos de quatro anos, no cargo havia meros 40 dias. Bolsonaro cria instabilidade a fim de obrigar a direção da estatal a segurar a alta dos combustíveis. Os reajustes já têm sido espaçados.

O mandatário e sua trupe populista querem financiar a aquisição de alguns pontos nas pesquisas de voto por meio da apropriação de receitas de governos estaduais e municipais, da redução forçada do faturamento da Petrobras e da instabilidade do setor elétrico.

É incerto se a frente vai alcançar integralmente seus objetivos. Seja como for, terá conseguido ao menos difundir ainda mais a percepção de que estabilidade administrativa, contratos, estatutos, leis e normas de responsabilidade orçamentária correm risco no país sob a atual administração.