quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto* - Data vênia: o 2 de outubro não será o dia da melhor decisão

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
(...)

Outros que contem
Passo por passo
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
Meu tempo é quando

(Extratos de “Poética I” – Vinicius de Moraes)

Quando o presidente da República, candidato à reeleição, disse, ontem, pela primeira vez, 19 dias antes do pleito, que vencerá a eleição em primeiro turno, a afirmação sinalizou, mais que uma profecia, ou bravata, dita na contramão das pesquisas, que a sua candidatura, afinal, somou-se à do seu principal desafiante numa campanha pelo chamado “voto útil”. Agora tudo indica que o relativo sossego de Simone Tebet como alvo chegou ao fim. Cientes de que ela conquista muitas intenções de voto que, sem ela, iriam para o atual presidente, os capitães da campanha pela reeleição deverão mover sua artilharia para secar a candidatura do MDB/PSDB/Cidadania. Para Simone, um teste de fogo e um belo desafio.

No mesmo dia, pela boca do desafiante principal, que há mais de um ano lidera as pesquisas de intenção de voto, saiu a mesma voz de comando oficial. No caso do líder, sua voz agora apenas formaliza algo que até as pedras já anunciavam, pois sua campanha pelo voto útil começou há várias semanas, por muitas centenas, talvez milhares, de vozes informais espalhadas por redes de militância, mirando eleitores que intencionam votar em Ciro Gomes. Convergem nesse apelo apoiadores em vários setores da sociedade, assim como políticos de outros partidos que se juntaram à frente de esquerda liderada pelo PT.

A pressão, e/ou a convicção, por uma decisão final em primeiro turno tem reunido muito mais gente, além do comitê (ou QG, no jargão bélico da moda) da principal candidatura da oposição. Espalhou-se como fogo no breu pelas redes sociais mobilizadas, penetrou em ambientes onde se faz análises acadêmicas ou jornalísticas e é acolhida com simpatia e mesmo engajamento, por linhas editoriais da grande imprensa (à exceção do “Estadão”), em especial pela mídia televisiva da Globo e da CNN.  

Merval Pereira - Procuram-se votos

O Globo

Campanha de Lula pelo voto útil no primeiro turno mostra incongruência do petista

O ex-presidente Lula está demonstrando, mais uma vez, que é uma metamorfose ambulante. Muda de opinião dependendo de a situação ser favorável a ele ou não. Agora se empenha em pedir o voto útil em seu nome já no primeiro turno da eleição e garante que sempre disputou eleição para vencer direto, o que nunca conseguiu, desde 1989, primeira vez em que concorreu à Presidência.

Mas sua visão sobre voto útil já foi diferente. Em 2020, na disputa pela Prefeitura de São Paulo, o PT se recusou a apoiar Guilherme Boulos, do PSOL, contra o então prefeito Bruno Covas. O candidato petista, Jilmar Tatto, ficou nos 6% dos votos e, mesmo assim, não abriu mão da disputa. Não tinha a menor chance de vencer, como aparentemente não têm hoje Ciro Gomes e Simone Tebet, mas se recusou a retirar seu nome em favor do candidato de esquerda mais bem colocado. Acabou vencendo o então prefeito tucano. O que demonstra que não havia voto suficiente na esquerda para vencer a eleição, no primeiro ou no segundo turno.

Lula justificou-se dizendo que o primeiro turno é para votar no candidato preferido, no segundo faz-se o acordo. Hoje, o PT faz pressão para que eleitores de Ciro e Tebet votem em Lula no primeiro turno, com base em várias presunções: eles não têm chance de vencer; votar neles seria ajudar Bolsonaro a ir para o segundo turno; não votar em Lula é ser bolsonarista.

Conrado Hübner Mendes* - É voto de sobrevivência, não é voto útil

Folha de S. Paulo

Numa eleição incomparável, dar a Bolsonaro chance do segundo turno põe tudo em risco

Política democrática é política do sonho e da frustração. Muita frustração. Impõe escolhas não-ideais e subótimas, mas entrega o que regimes não democráticos sonegam: canais para reivindicação de direitos e controle do poder. Abre portas para reclamar por liberdade e dignidade. Por desenvolvimento econômico e social. Distribui o direito de disputar o passado, o presente e o futuro a partir de regras compartilhadas.

Envolve paixão, mas também requer responsabilidade. Requer disposição de eleitores e candidatos para perderem sem melar o jogo. Requer atenção para reconhecer quando a possibilidade de jogar está em risco evidente, e maturidade para minimizar esse risco.

violação estrutural e contumaz de regras eleitorais sempre foi o modo bolsonarista de competir. Não é apenas traço de caráter, mas projeto orquestrado de mudança regressiva de regime político, também chamado de autocratização. Um projeto tão claro nunca esteve em curso nos 30 anos anteriores.

Míriam Leitão - Bolsonarismo e a violência

O Globo

É um erro tratar como eventos isolados o que é sistêmico. Bolsonaro tem a violência como projeto político e as mulheres e a imprensa são alvos

Nada tem acontecido por acaso. O novo ataque que a jornalista Vera Magalhães sofreu é parte de um contexto muito maior e que põe o próprio país em perigo. O agressor, o deputado do Republicanos Douglas Garcia, usou a mesma expressão jogada contra Vera por Bolsonaro. O presidente da República tem a violência como projeto. Por isso fez o incessante trabalho de ampliar o acesso às armas, vociferar contra pessoas que ele escolhe como alvo e jamais desautorizar ato truculento de seus seguidores. Bolsonaro escolheu a imprensa como um dos alvos, e dentro dela mira pessoas, porque assim é o método. Ao individualizar, ele autoriza o ataque e canaliza a raiva que ele alimenta com fins políticos.

O Repórteres sem Fronteira divulgou relatório do primeiro mês de campanha. Nele ocorreram 2,8 milhões de postagens com ofensas ou agressões a jornalistas, 88% deles contra mulheres. O chavismo fez isso também na Venezuela. Hugo Chávez apontava os jornalistas que ele definia como inimigos. No fim, foram fechados vários jornais e emissoras. O governante autoritário quer eliminar a imprensa e para isso começa intimidando alguns jornalistas.

Bruno Boghossian - A bifurcação do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Aliados de Bolsonaro se dividem diante de ofensa a Vera Magalhães, mas bifurcação leva ao mesmo destino

O bolsonarismo amanheceu partido. "Tarcísio acabou de destruir sua candidatura", sentenciou um fervoroso seguidor do presidente numa publicação nas redes. "Mais um traidor para a lista?", questionou outro apoiador. "O Tarcísio vai negociar tudo. Vai negociar a tua família", afirmou o ex-ministro Abraham Weintraub.

Na disputa pelo governo paulista, Tarcísio de Freitas exibe com gosto as credenciais do ex-chefe Jair Bolsonaro, mas se tornou alvo de eleitores fiéis do presidente. O motivo: Tarcísio decidiu rifar publicamente o deputado estadual bolsonarista que ofendeu a jornalista Vera Magalhães após o debate da última terça-feira (13) entre candidatos ao Palácio dos Bandeirantes.

Vinicius Torres Freire - Uma campanha eleitoral mais podre

Folha de S. Paulo

Discussão sobre eleição é dominada por medo e torpezas do bolsonarismo

Uma das notícias mais comuns desta campanha eleitoral é a violência. Há alguns assassinatos, pancadarias e ataques como esses liderados por Jair Bolsonaro (PL) contra a jornalista Vera Magalhães.

No mais, qual o "debate"? Ganhar eleitores evangélicos; a tentativa do bolsonarismo de apagar décadas de imundícies contra mulheres e a humanidade; a campanha das cartas democráticas, que amorteceu a ofensiva golpista; o efeito do Auxílio Brasil na votação.

Sim, há realidades que determinam resultados, como o voto de classe e fome, a influência dos novos poderes sociais e políticos, uma nova divisão regional do voto, a propensão dos mais velhos e muito jovens a votar em Lula da Silva (PT). Mas o que é tema de conversa?

Maria Hermínia Tavares* - Não à tutela militar das urnas

Folha de S. Paulo

O avanço da farda sobre as urnas significa que a necessária separação entre Forças Armadas e política partidária começa a ruir

Pôr em dúvida o mecanismo eleitoral para desqualificar seus resultados é um dos mais batidos recursos a que apela a extrema direita populista. Netanyahu, em Israel; Fujimori, no Peru; além do notório Trump, usaram e abusaram nas campanhas das quais sairiam derrotados, como talvez temessem.

Bolsonaro, portanto, não inova ao disseminar —dia sim, o outro também— denúncias vazias sobre a votação eletrônica. A sua contribuição original para a corrosão da democracia é outra: a forma como vem tentando envolver as Forças Armadas na contestação antecipada de sua provável derrota.

Já em 8 de agosto de 2021, no mesmo dia em que o Congresso abateu a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que tornava obrigatório o voto impresso, o ex-capitão fez os blindados da Marinha desfilarem na Esplanada dos Ministérios. Agora há pouco, tratou de confundir a parada militar e as exibições da Força Aérea pelos 200 anos de Independência com a mobilização por sua reeleição. Nos dois episódios, o que ele quis foi sugerir que os militares endossam suas investidas —por enquanto retóricas— contra as instituições democráticas.

Eugênio Bucci* - O macho fascista

O Estado de S. Paulo

Liberdade - Nada apavora mais o macho fascista que uma cidadã que pense por si e não se dobre

Itália, 1938. “O homem fascista é pai, marido e soldado.” Esse slogan publicitário circula como propaganda oficial de Mussolini. A frase estampa pôsteres e outros materiais do regime.

Um desses pequenos cartazes pode ser visto numa cena do filme Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare), de Ettore Scola. A produção de Carlo Ponti, lançada em 1977, narra o encontro improvável de um radialista (Marcello Mastroianni) e de uma dona de casa (Sophia Loren) que, no domingo de 8 de maio de 1938, ficam sozinhos num prédio de apartamentos em Roma. Naquele dia, Hitler e alguns de seus ministros visitam a cidade. Todas as outras pessoas que moram no edifício, vestidas com suas melhores roupas, foram aplaudir o Führer e o Duce, que discursam diante do Monumento Nacional a Victor Manuel II. O radialista não se sente parte dos festejos, uma vez que, além de intelectual, é gay (não é pai, nem marido, nem soldado). A dona de casa tem que lavar roupas e, aos poucos, percebe que o fascismo só lhe reserva um papel subalterno. Ela deseja desejar outra vida.

Brasil, 2022. Aqui não existe fascismo propriamente dito, mas traços do fascismo estão em toda parte. A misoginia autoritária é um desses traços. Falocentrismo armado. O ódio aos intelectuais é outra peculiaridade da mesma doutrina, assim como a repressão às artes, o desprezo pelas universidades e os ataques incessantes contra a imprensa.

Sergio Amaral* - A demolição da política externa brasileira

O Estado de S. Paulo

O que o Brasil ganhou com a série de desfeitas e equívocos gratuitos de seu governo, inclusive em relação aos mais importantes parceiros do País?

O Itamaraty é uma das instituições mais respeitadas do serviço público brasileiro. Seus funcionários são, via de regra, competentes. O concurso de ingresso é rigoroso, a formação e o aperfeiçoamento dos diplomatas estendem-se ao longo de toda uma carreira. Seu compromisso com o País é inquestionável.

Não obstante, a política externa foi um dos desastres do governo de Jair Bolsonaro. De início, o presidente seguiu, em suas linhas básicas, a política externa de Donald Trump, que isolou os Estados Unidos do mundo e fez adversários em todas as partes, inclusive na Europa, onde os Estados Unidos sempre mantiveram alianças estreitas e amigos fiéis. Combateu a ordem mundial concebida e implantada por iniciativa dos Estados Unidos nas conferências de São Francisco e de Bretton Woods, logo após o término da Segunda Guerra Mundial.

As confusas e obscuras visões de mundo de Ernesto Araújo, o primeiro chanceler de Bolsonaro, inspiraram-se nas exóticas teses de Steve Bannon, o influente guru e “estrategista” de Trump, que chegou a criar um “movimento” nacional populista na Europa, com sede no mosteiro medieval de Trisulti, na Itália. Seu objetivo era o de abrigar uma escola para a formação dos cruzados do século 21. Ali eles seriam adestrados para defender os valores da cultura judaico-cristã contra as ameaças dos infiéis e do materialismo ateu. Os alunos do Instituto Rio Branco foram convocados para assistir a palestras nas quais ouviram, perplexos, uma doutrinação em defesa dos valores do cristianismo medieval. Não chegaram a realizar o seu treinamento em Trisulti, mas no auditório do Instituto Rio Branco, em Brasília.

William Waack - Lula precisa dizer

O Estado de S. Paulo

Não está claro se o líder nas pesquisas compreendeu as mudanças dos últimos 20 anos

Lula mantém nos debates e entrevistas uma referência central para dizer como governaria em 2023: o que ele pegou em 2003. Ocorre que o Brasil e o mundo mudaram muito e, para pior, do ponto de vista de um presidente da República. Vamos a algumas mudanças decisivas (a lista não é exaustiva).

A questão fiscal se agravou e virou um sério dilema representado pela quebra de um consenso social, que foi o de criar no Brasil um estado de bem-estar sem a capacidade de financiar crescentes gastos sociais. Lula estaria obrigado a combinar política monetária contracionista (para evitar inflação) com uma política fiscal expansionista (para fazer transferência de renda). Ainda não disse como.

No já ruim sistema de governo, o Legislativo avançou sobre o Executivo de maneira inédita e usurpou instrumentos de poder real. Emendas impositivas e do relator mudaram a característica da relação entre Planalto e Congresso, talvez de forma definitiva. O presidente, reconhece Lula, se tornou refém. Para governar, teria de alterar essa relação, mas não disse como.

Malu Gaspar - A guerra das pesquisas

O Globo

Projeções têm sido usadas como 'armas' para o discurso político na corrida pelo Palácio do Planalto

Tirando a onipresente preocupação com o futuro da nossa democracia, há traços bem marcantes por que esta campanha eleitoral será lembrada. É a primeira vez que dois políticos já testados na Presidência, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, disputam o mesmo pleito. Provavelmente por já conhecerem bem os dois personagens, os eleitores manifestam um grau de certeza sobre o voto dos mais altos já registrados, em torno de 80%.

Esse quadro ajuda a explicar outro fenômeno que está se provando tão marcante nesta eleição quanto foi a preponderância das redes sociais em 2018: o uso das pesquisas eleitorais como arma para o discurso político.

Numa disputa polarizada e há meses sem nenhum fato novo que mude substancialmente o cenário geral, estrategistas, analistas políticos e o público têm ido buscar nas pesquisas a fórmula para sair da inércia.

Maria Cristina Fernandes - A combustão bolsonarista

Valor Econômico

Praga do radicalismo, depois de ter sido alimentada pelo presidente, agora se volta contra as campanhas majoritárias do bolsonarismo

Quando duas pesquisas de metodologia reconhecida, como a do Ipec e da Quaest, discrepam para além da margem de erro sobre a distância entre os líderes da disputa presidencial, de 15 pontos para o primeiro e oito para o segundo, nenhuma biruta sinaliza melhor os rumos do que aquela das campanhas. A do bolsonarismo está desgovernada.

O sinal derradeiro disso foi dado pela agressão do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) à jornalista Vera Magalhães. Foi a espontaneidade do gesto que o torna mais eloquente. Está claro que o parlamentar não foi instruído pela campanha bolsonarista, mas pela expectativa de alavancar sua reeleição.

E é por isso que a reeleição do presidente está em apuros. Se em 2018 ele foi capaz de tirar os radicais do armário para dar combustão a um sentimento difuso que se denominou de antipetismo, esses mesmos radicais hoje fugiram controle. Até podem alavancar candidaturas proporcionais, mas produzem estragos em candidaturas majoritárias. Se servem de combustível para algo hoje é ao antibolsonarismo que move a campanha de 2022.

Luiz Carlos Azedo - Voto útil não leva ninguém a votar puxado pelo nariz

Correio Braziliense

Quem está votando em Ciro ou Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição

Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.

A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

O apito de cachorro

O Estado de S. Paulo

Agressão de um deputado bolsonarista contra Vera Magalhães é consequência direta do ataque do presidente à jornalista, que ousou lhe fazer uma pergunta incômoda

O deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos-SP) acossou a jornalista Vera Magalhães durante o debate entre os candidatos ao governo de São Paulo promovido anteontem pela TV Cultura. Na ocasião, disse que Vera era “uma vergonha para o jornalismo” – a mesma frase usada pelo presidente Jair Bolsonaro ao agredir a mesma jornalista durante recente debate entre candidatos à Presidência. 

O episódio não serve somente para confirmar o padrão bolsonarista de desrespeito a mulheres, a jornalistas profissionais e à imprensa independente. Foi uma oportunidade para ver, na prática, como o discurso virulento de Bolsonaro se presta a atiçar seus camisas pardas a transformar palavras em ação. É a versão bolsonarista do “dog whistle”, expressão da política norte-americana que pode ser traduzida literalmente como “apito de cachorro” e que serve para definir frases do líder que são entendidas por seus seguidores como uma espécie de comando.

Assim, quando o presidente Bolsonaro ataca violentamente uma jornalista, o apito soa e essa jornalista se torna imediatamente alvo preferencial dos arruaceiros bolsonaristas. Portanto, o deputado que a agrediu não fez mais que emular seu adestrador. Esse truculento parlamentar não teria se sentido à vontade para intimidar uma jornalista, e ainda filmar sua agressão para torná-la pública como se fosse um grande feito, se seu líder, o presidente da República, já não o tivesse feito.

É por isso que aos bolsonaristas que pretendem se desvincular desse episódio, como é o caso de Tarcísio Gomes de Freitas, candidato a governador de São Paulo, não basta condenar o deputado Douglas Garcia. É preciso condenar o próprio presidente Bolsonaro, que soprou o apito. O candidato Tarcísio chamou o deputado de “idiota” e pediu desculpas à jornalista. Mas nada disse sobre a mesmíssima agressão que Bolsonaro cometeu contra Vera Magalhães.

Recorde-se que a jornalista Vera Magalhães se tornou foco dos fanáticos bolsonaristas porque fez uma pergunta que incomodou Bolsonaro durante um debate. Foi o que bastou para sua vida virar um inferno. Agressões contra jornalistas no exercício da profissão, quase sempre mulheres, tornaram-se norma desde que Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto.

Em vez de responder à pergunta – que dizia respeito à campanha de vacinação contra a covid-19 – ou até mesmo, se achasse que era o caso, contestar civilizadamente o modo como a questão foi formulada, Bolsonaro resolveu ofender Vera Magalhães em sua dignidade e profissionalismo. Eis o padrão de comportamento do presidente em relação à imprensa que não lhe presta vassalagem: um misto de agressividade e diversionismo. Diante de perguntas incômodas, Bolsonaro agride e desqualifica quem as formula, sem responder ao que foi perguntado.