segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Alex Ribeiro - Qual será a meta de inflação de Haddad?

Valor Econômico

Dúvida já está provocando seus primeiros efeitos nas expectativas de inflação e na curva de juros futuros

O mercado financeiro e o próprio Banco Central vivem sob a incerteza sobre qual será a meta de inflação de longo prazo defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essa dúvida já está provocando seus primeiros efeitos nas expectativas de inflação e na curva de juros futuros.

Até agora, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação até 2025. Será uma escadinha: foi 3,5% no ano passado, cairá para 3,25% em neste ano e será de 3% no próximo. Assim, finalmente a meta, que vem sendo reduzida desde 2019, chegará ao objetivo de longo prazo.

A meta de inflação de 2025 também já está oficialmente definida pelo CMN, em 3%. Em junho próximo, o conselho vai definir a meta que será válida em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.

Até agora, a equipe econômica do novo governo não disse explicitamente a meta que será adotada. No meio da incerteza, o mercado está colocando no preço um pouquinho da chance de ser adotada uma meta maior.

Ainda está viva na memória de muitos a resistência do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega em reduzir o objetivo. Naquele período, a meta central ficou parada em 4,5%, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima e para baixo.

Em 2007, o governo Lula chegou a discutir uma redução da meta de inflação para 4,25%, mas Mantega não deixou. Muitos consideram, até hoje, que foi uma oportunidade perdida. A inflação de 2006 ficou em 3,16%, abaixo da meta, graças ao esforço do Banco Central com a taxa de juros e uma dose de sorte, com choques de oferta que contiveram a alta de preços. O mercado financeiro dava como certa a redução da meta, e as expectativas de inflação cairiam abaixo de 4,5%.

Depois que Mantega bloqueou a redução da meta, o mercado se ajustou. As expectativas de inflação subiram e, junto com elas, o juro nominal. Na prática, o governo Lula colheu juros reais estáveis, mais uma inflação maior. Houve mau humor nos mercados. Esse foi um dos primeiros sinais de que a ala desenvolvimentista do governo havia se tornado poderosa.

Agora, a situação é semelhante. A expectativa de inflação para 2026 está subindo. Chegou a 3,2%, pelo dado mais recente. Uma parte disso é o risco fiscal, que está levando à desancoragem das expectativas de inflação. Mas uma parte também reflete, aparentemente, a leitura de alguns analistas de que a meta de inflação poderá subir.

Essa incerteza também contamina um pouco as projeções de inflação para anos anteriores a 2026. A mediana das expectativas para 2025 está em tendência de alta, chegando a 3,3%. As projeções dos especialistas para 2024, que passa a ser o principal alvo da política monetária, também está sob pressão. O cálculo é que, se o governo petista fixar uma meta de inflação mais alta para 2026, faz um pouco menos de sentido buscar a ferro e fogo a meta estabelecida para 2025.

A questão é como o Banco Central vai reagir a essa deterioração das expectativas. Em termos práticos, o ano de 2026 está fora do radar mais imediato da política monetária. A rigor, o ano de 2025 também está bem distante. Mas, nesse último caso, o Banco Central já teria a obrigação de cuidar da meta, que já foi oficialmente definida pelo CMN.

Assim, no fim das contas, o esperado é que o Banco Central reaja a qualquer deterioração nas expectativas, seja ela motivada pelas incertezas fiscais, seja pela indefinição da meta de longo prazo. Ou seja, a falta de uma posição clara sobre as metas joga contra o desejo de baixar o juro.

O descuido com o objetivo de longo prazo para a inflação não é uma exclusividade do atual governo. A equipe do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, nunca fez uma sinalização de longo prazo sobre a meta desejada. Ela foi sendo definida ano a ano e, dessa forma, havia um prêmio tanto nas expectativas de inflação quanto nos juros nominais de longo prazo.

No governo Michel Temer, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi hábil em definir a meta a cada ano, mas sempre deixar sinalizado o desejo de convergir o objetivo para os usualmente adotados por economias emergentes. Meirelles, que foi presidente do Banco Central, era mais letrado sobre a importância do controle das expectativas. Com isso, na prática, colheu juros mais baixos.

A meta definida pelo Banco Central, em 3%, é igual à de países emergentes com a economia bem arrumada, como o Chile. É um percentual um pouco mais alto do que o normalmente adotado em economias avançadas, de 2%. Alguns economistas defendem que esses países adotem metas maiores, mas essa discussão não tem nada a ver com o Brasil. O argumento é que, neste período em que economistas estão chamando de Estagnação Secular, a taxa neutra de juros é muito baixa. Portanto, no caso de uma recessão, haveria pouco espaço para reduzir os juros nominais. No Brasil, com os juros nominais em 13,75% ao ano e taxa neutra de pelo menos 4% ao ano reais, numa visão muito otimista, não falta espaço para baixar os juros.

Muitos economistas heterodoxos defendem uma meta de inflação mais alta. É um pouco o raciocínio de Mantega: com uma meta muito ambiciosa, o BC fica sob pressão para cumpri-la, levando a juros maiores e a menos crescimento. No fundo, é uma descrença no universo das expectativas.

Mas há uma corrente de economistas ortodoxos, que inclui o ex-diretor do BC Sergio Werlang e o professor Aloisio Araújo, do Impa e da FGV, que acha que o Brasil deveria ter uma meta de inflação mais alta, em virtude de nossa fragilidade fiscal. Araújo, junto com outros autores, publicou textos acadêmicos que apoiam a visão.

A questão é se vale a pena reabrir a discussão agora, quando a meta chegou a 3%. Haddad já vem mantendo uma pressão verbal para o BC baixar os juros. Ninguém acha que o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, vá ceder. Mas o governo Lula começa em fevereiro a nomear os seus membros para o BC, e em fins de 2024 fará o presidente. No governo Dilma, a meta era 4,5%, mas o mercado achava que o BC buscava 6,5%. O mercado vai colocando cada vez mais na curva de juros o risco de uma volta do inflacionismo.

 

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