segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Bruno Carazza - Quando saberemos o que realmente aconteceu?

Valor Econômico

O difícil equilíbrio entre apurar os fatos e tocar o governo

Se havia até uma minuta para decretar Estado de Defesa e, assim, tomar posse do Tribunal Superior Eleitoral para “o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial”, não resta mais dúvidas de que Bolsonaro e seus asseclas tinham um plano para dar um golpe de Estado e não entregar o poder em primeiro de janeiro.

A pergunta que não quer calar é: por que ele não foi executado? Em outras palavras: quem ou o que fez Bolsonaro recuar e fugir para Miami?

Lancei essas perguntas no meu Twitter e recebi quase duas centenas de respostas.

Importantes acadêmicos argumentaram que as instituições funcionaram mais uma vez, apontando que um Judiciário atuante (Roberto Jefferson diria: “Xandão!”) aumentou consideravelmente os custos para que segmentos relevantes das Forças Armadas, do empresariado e da classe política embarcassem na aventura do golpe. O próprio Bolsonaro teria mudado de ideia diante da possibilidade de acabar preso.

Nesta linha de raciocínio, muitos indicaram que a multa milionária aplicada por Alexandre Moraes ao PL, de Valdemar da Costa Neto, por ter contestado o resultado das urnas teria feito as lideranças do Centrão - inclusive Arthur Lira, presidente da Câmara - repensarem e eliminarem as condições políticas para o golpe.

Outros, porém, atribuíram um papel decisivo à cúpula das Forças Armadas, que teria se recusado a intervir e a ratificar os planos bolsonaristas. Nessa linha de raciocínio, os generais mais radicais teriam ficado em minoria frente à avaliação dos mais moderados (os “melancias”, segundo os grupos extremistas) de que qualquer envolvimento do Exército, Marinha e Aeronáutica seria arriscado demais.

Há ainda aqueles que destacaram a falta de apoio relevante do grande empresariado brasileiro, temeroso de sanções econômicas externas que poderiam ser aplicadas ao país caso mergulhássemos num regime autoritário.

Aqueles mais afeitos a uma conspiração internacional defendem que Bolsonaro foi dissuadido de suas intenções golpistas porque não obteve apoio dos Estados Unidos (“se Trump ainda fosse presidente a história seria outra”) ou da Rússia - uma vez que Putin estaria muito ocupado com a sua própria guerra na Ucrânia.

Muitos acreditam que o golpe só não aconteceu porque os tumultos provocados por bolsonaristas em frente à sede da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula (12/12) e o fracasso na tentativa de atentado no aeroporto de Brasília na véspera do Natal não geraram o caos que seria a desculpa para Bolsonaro agir.

Independentemente de qual seja o fator dominante nesse mosaico de explicações, fico imaginando como se deu o processo de decisão de Bolsonaro nas últimas semanas de 2022. Quem foram seus confidentes que lhe recomendaram abortar a operação e fugir? Quais personagens (familiares, militares, políticos, empresários?) tiveram a coragem de colocar o guizo no gato e anunciar o inevitável ao ex-capitão? Em que momento chegaram para Bolsonaro e aconselharam: “presidente, deu ruim, é melhor fugir”?

Historiadores se debruçam sobre o contexto, as razões e a reconstituição dos momentos que precederam acontecimentos como o suicídio de Getúlio Vargas ou a renúncia de Jânio Quadros.

No caso dos planos subversivos de Jair Bolsonaro, porém, a invasão das sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio Planalto em 8 de janeiro não podem esperar o trabalho dos historiadores.

A tentativa de golpe exige apuração imediata de responsabilidades de todos os políticos, militares, empresários, servidores públicos e demais participantes da trama.

Nos próximos meses, uma poderosa engrenagem de investigações, inquéritos e julgamentos, no âmbito do STF e do Congresso, será necessária para apurar o envolvimento de todos na aventura extremistas desses bolsonaristas.

O governo Lula vê-se a partir de agora na difícil de equilibrar seus esforços entre as apurações dos acontecimentos (via Polícia Federal e Ministério da Justiça), punir os servidores e militares envolvidos e tocar a agenda do governo.

Como se vê em episódios recentes de nossa história, crises tendem a paralisar a ação do governo e a agenda legislativa no Congresso, como se vê pela evolução dos decretos exarados e leis aprovadas retratado no gráfico.

A diferença agora é que o momento fortalece Lula, ao contrário do que aconteceu com ele próprio no mensalão ou nas crises enfrentadas por Dilma.

Na última quinta-feira o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou medidas para combater o déficit público. É uma sinalização de que, por mais que as investigações do atentado sejam urgentes, o governo não pode se deixar paralisar.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

3 comentários:

  1. Excelente coluna, e mostra a difícil arte de equilibrar as tantas investigações com decisões sobre segurança e o futuro econômico. Tudo pra ontem... Eis a herança BENDITA que jornalistas bolsonaristas argumentavam que o GENOCIDA deixaria pro Lula...

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  2. Santiago Andrade e a pergunta que não pode calar, o que foi feito de seus assassinos?

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