domingo, 1 de janeiro de 2023

Bernardo Mello Franco – Desafios de volta

O Globo

Presidente enfrentará extrema direita organizada e Congresso mais hostil; ministério indica disposição de devolver país ao século XXI

Quando subir a rampa do Planalto pela terceira vez, na tarde deste domingo, Lula concluirá mais um capítulo de uma biografia marcada pelo improvável. Mas a volta ao poder, depois de 580 dias na cadeia, será apenas o ponto de partida para novos desafios.

O petista já reconheceu que herdará um país mais pobre e mais dividido do que em 2003. Aliados acrescentam que o período de lua de mel, que costuma facilitar o início de todo governo, deve durar menos que o habitual.

Além de enfrentar uma extrema direita organizada, Lula terá que lidar com um Congresso mais hostil — além de contrariado com o fim do orçamento secreto. Nesse cenário, a aposta na distribuição de ministérios pode não surtir os mesmos efeitos do passado.

Políticos próximos ao presidente alertam que a luta pela governabilidade não será travada só na Câmara e no Senado. Lula precisará cuidar da popularidade e cultivar o clima de frente ampla que impulsionou sua vitória no segundo turno. Para isso, a promessa de “união e reconstrução” não poderá se limitar a um slogan publicitário.

A montagem do novo governo indicou a disposição de devolver o país ao século XXI. O Ministério da Cultura, demonizado e extinto pelo bolsonarismo, voltará a existir. As pastas da Educação e da Saúde deixarão de servir como playground para extremistas. No Meio Ambiente, Marina Silva reassumirá uma cadeira usurpada por inimigos da floresta.

As escolhas da ativista Anielle Franco, da líder indígena Sonia Guajajara e do professor Sílvio Almeida sinalizam preocupação com a diversidade e o pensamento crítico, duas mercadorias desvalorizadas pela gestão que terminou ontem.

As últimas nomeações de Lula foram menos animadoras. A pretexto de garantir o apoio do União Brasil, o petista entregou o Ministério da Integração a Waldez Góes, que já foi condenado por peculato e está pendurado numa liminar do Supremo. A pasta das Comunicações acabou com um certo Juscelino Filho, da mesma sigla. Um deputado tão desconhecido que chegou a ser barrado por seguranças em seu próprio anúncio.

Com o tempo, outras contradições deverão emergir. Lula terá que administrar conflitos entre Marina e o ruralista Carlos Fávaro, agraciado com o Ministério da Agricultura. Escolhidos para a Fazenda e o Planejamento, Fernando Haddad e Simone Tebet também tendem a disputar espaço e protagonismo.

Ao anunciar que não concorrerá à reeleição em 2026, o petista montou outra armadilha para si próprio: será um presidente cercado por presidenciáveis. Só na área econômica, a lista inclui Haddad, Tebet e o vice Geraldo Alckmin. “Mas só quem não conhece o Lula acredita que ele não vai ser candidato de novo”, ironiza um dirigente do PT.

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Fuga para Orlando

Ao requisitar um avião da FAB e abandonar o país a dois dias do fim do mandato, Jair Bolsonaro cometeu o último de muitos atos de indignidade na Presidência. Que aproveite as férias na terra do Pateta antes de voltar para acertar contas com a Justiça.

 

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