O Globo
Passada a festa das posses, novo governo
precisará de foco e senso de urgência; extrema direita perdeu eleição, mas
continuará à espreita
Espantar o tempo feio. Sair do fundo do
poço. Desconjurar a ignorância. Desmantelar a força bruta. Os versos de “Que
tal um samba?” embalam a nova turnê de Chico Buarque, que chegou ao Rio na
quinta-feira. A letra também pode servir de roteiro para a tarefa de
reconstrução do país.
A primeira semana do governo Lula lembrou o fim de um longo sequestro. Os discursos refletiam o alívio com a derrocada de um projeto obscurantista. “Encerra-se neste momento a era de um presidente que se disse orgulhoso de defender a tortura”, proclamou o professor Silvio Almeida ao assumir o Ministério dos Direitos Humanos.
Escolhido para resgatar uma pasta capturada
pelo fundamentalismo religioso, ele se desculpou por dizer o óbvio: o Estado
não pode ser usado para promover o autoritarismo, a violência e o preconceito.
Trabalhadores, mulheres, pretos, indígenas, homossexuais, deficientes e
sem-teto existem e merecem atenção do poder público.
O obscurantismo também ameaçou a
sobrevivência de rios e florestas. “O que vimos nos anos que se passaram foi um
completo desrespeito pelo patrimônio socioambiental brasileiro”, afirmou Marina
Silva ao reassumir o Ministério do Meio Ambiente. Ela lembrou o incentivo
oficial ao desmatamento, o abandono das terras indígenas, a perseguição a
servidores que tentavam cumprir sua missão. “O Brasil, que antes era um
expoente ator na esfera global, passou a ser visto como um pária”, resumiu.
A necessidade de recuperar a imagem do país
deu o tom da posse de Mauro Vieira nas Relações Exteriores. “Estivemos alijados
do cenário internacional por força de uma visão ideológica limitante”, disse o
chanceler. Foi uma forma diplomática de criticar o extremismo que se apossou da
política externa no governo Bolsonaro.
No mesmo salão em que o olavista Ernesto
Araújo rezou uma Ave Maria em tupi e comparou o capitão a Jesus Cristo, o novo
chanceler indicou que o Itamaraty voltará aos trilhos da racionalidade.
Prometeu normalizar as relações com países vizinhos, apostar no
multilateralismo, reposicionar o Brasil no combate à emergência climática.
Nomeada para o Ministério da Saúde, Nísia
Trindade abriu seu discurso com um apelo para que todos se vacinem. Seria
trivial se o país não tivesse convivido com um presidente que negava a ciência
e sabotava medidas sanitárias em plena pandemia.
Para além das palavras, a ex-presidente da
Fundação Oswaldo Cruz anunciou medidas práticas. Vai revogar todas as portarias
e notas técnicas que ofendem a ciência, os direitos humanos e os direitos
sexuais reprodutivos. Para conter a euforia dos otimistas, ela lembrou que vêm
aí “tempos difíceis de reconstrução”. “Sabemos que nosso país tem pressa, que
nossa sociedade tem pressa”, reforçou.
Passada a festa das posses, o novo governo
precisará de foco e senso de urgência. Os desafios são complexos, e a
tolerância com erros será pequena, como mostram as críticas à nomeação de uma
ministra ligada a milicianos. A extrema direita perdeu a eleição, mas
continuará à espreita. Hora de juntar os cacos e ir à luta, como ensina o samba
de Chico.
O Boçal deu uma pensão de marechal para o torturador Lambuzado Ustra. O novo governo tem que desfazer isso.
ResponderExcluirA extrema-direita continua com tudo.
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