sábado, 28 de janeiro de 2023

Bolívar Lamounier* - O antes e o depois na história econômica

O Estado de S. Paulo.

O desfecho é igual. A democracia de joelhos ante um Estado agigantado. Economia fechada para proteger um empresariado débil

Certas pessoas acreditam que uma coisa boa é sempre seguida por outra coisa boa, e uma ruim, por outra ruim. Sei que são pessoas raras, pois tal enunciado é uma tolice sem tamanho.

Uma vez que o nosso interesse é a história econômica, podemos afirmar sem medo de errar que nessa área as coisas decididamente não se passam dessa forma. É mais plausível a hipótese de uma eterna contenda entre o primeiro e o segundo cenário, ou entre o diagnóstico e a solução, se preferem. Vezes sem conta, um ataque, um dilúvio ou algum outro evento inesperado destrói o bom começo e leva a um mau desfecho. Se o contrário fosse mais comum, lógico seria vivermos num mundo muito melhor do que este que conhecemos.

Comecemos com um exemplo que todos conhecemos. O leitor por certo se lembra de que, nos primeiros tempos do Brasil Colônia, o nordeste brasileiro controlava o mercado mundial de açúcar. Era praticamente um monopólio. O ponto-chave do primeiro cenário foi a invasão de Pernambuco pelos holandeses no fim do século 16, motivada por questões europeias com as quais não precisamos nos ocupar neste momento. Em 1640, o Brasil (os baianos, para sermos exatos) conseguiu expulsar os holandeses, um feito glorioso, dada a notória superioridade dos holandeses. Estes, porém, com sua enorme vantagem técnica, militar e econômica, rumaram para a América Central e, lá, num abrir e fechar de olhos, acabaram com o monopólio canavieiro nordestino. Desse segundo cenário o Nordeste nunca mais se recuperou.

Consideremos outro país de Terceiro Mundo, horizonte que nos é familiar: a Indonésia, que em poucas décadas será um dos mais populosos do planeta. A Indonésia tem milhares de ilhas. Com o barateamento do transporte aéreo, hoje ela quase poderia viver do turismo. Setenta anos atrás, quando um golpe derrubou o presidente Sukarno, isso seria impossível. Hoje, em tese, seria fácil, mas o país ainda se caracteriza por um nível endêmico de violência, atividade que torna farsesca a política e afugenta o turismo. Desde o golpe de 1965, que custou a vida de 1 milhão de pessoas, sua organização política é uma democracia intermitente, para não dizer diáfana. Quem de fato manda são os militares.

Mas, claro, o exemplo perfeito do argumento que estou tentando expor é a Argentina.

Que é um país abundantemente dotado de recursos naturais, todos sabemos. Desde o desenvolvimento da técnica de refrigeração de carne nos porões de navios, por volta de 1870, ela se tornou um dos países mais ricos do mundo, com uma renda anual por habitante igual à de vários países da Europa. Mas não só isso. Antes mesmo do enriquecimento, sua primeira etapa, a do diagnóstico, teve governos notáveis, como o do presidente Domingo Sarmiento (18681874) e o de Júlio Argentino Roca (1880-1886), que implantaram um sistema educacional de primeira linha. Difícil encontrar outro exemplo tão auspicioso da fase do diagnóstico. O problema, como lhes adiantei, é que depois da primeira fase vem a segunda fase, na qual o “x” do problema é a organização política. Em 1930, o general José Félix Uriburu, admirador confesso de Benito Mussolini, derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen, fato que me força a recordar ao caro leitor que a segunda etapa pode facilmente se tornar um desastre. Decorridos 15 anos de loucura após loucura, Juan Domingo Perón dá seu próprio golpe e fica no poder durante cinco anos, até ser exilado na Espanha. Um capítulo que não poderia faltar foi o da industrialização à marcha forçada, financiada à base da inflação, de impostos escorchantes e do endividamento. Daí em diante, a segunda só faz piorar; violências sem fim, mortos, desaparecidos, e o país embarcando em sua viagem de volta até o subdesenvolvimento. Fosse argentino, Luís de Camões não perderia a chance de declamar outra vez seu célebre verso: uma “apagada e vil tristeza”.

E aqui chego ao Brasil pós-independência e a São Paulo. No início, havia certa semelhança com o Nordeste, dado sermos ainda um país escravocrata e termos implantado a cafeicultura, rapidamente atingindo outro quase monopólio mundial. Com o tempo, passamos ao trabalho assalariado. A elite empresarial, que Celso Furtado descreve como arguta, dinâmica e cosmopolita, compunha um primeiro cenário promissor. Mas ela não parece ter dado a devida atenção a um detalhe. O monopólio do café era tão fácil de quebrar quanto o do açúcar. Tudo correu às maravilhas até os cafeicultores se verem na contingência de bater às portas do governo. No Convênio de Taubaté (1906), abriram mão de sua antiga altivez política em troca de subsídios (a chamada “socialização das perdas”).

O desfecho é igual em todos os casos. A democracia de joelhos ante um Estado agigantado. Economia fechada, para proteger um empresariado débil. A Argentina pelo menos criou um sistema educacional sério. Nós queremos industrializar o País na marra, impulsionado por um Estado miraculoso, mas estamos a anos-luz da base científica e tecnológica de que necessitamos. Temos, sim, mais de 2 mil faculdades de Direito.

*Cientista Político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

 

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