O Estado de S. Paulo.
O desfecho é igual. A democracia de joelhos ante um Estado agigantado. Economia fechada para proteger um empresariado débil
Certas pessoas acreditam que uma coisa boa
é sempre seguida por outra coisa boa, e uma ruim, por outra ruim. Sei que são
pessoas raras, pois tal enunciado é uma tolice sem tamanho.
Uma vez que o nosso interesse é a história econômica, podemos afirmar sem medo de errar que nessa área as coisas decididamente não se passam dessa forma. É mais plausível a hipótese de uma eterna contenda entre o primeiro e o segundo cenário, ou entre o diagnóstico e a solução, se preferem. Vezes sem conta, um ataque, um dilúvio ou algum outro evento inesperado destrói o bom começo e leva a um mau desfecho. Se o contrário fosse mais comum, lógico seria vivermos num mundo muito melhor do que este que conhecemos.
Comecemos com um exemplo que todos
conhecemos. O leitor por certo se lembra de que, nos primeiros tempos do Brasil
Colônia, o nordeste brasileiro controlava o mercado mundial de açúcar. Era
praticamente um monopólio. O ponto-chave do primeiro cenário foi a invasão de
Pernambuco pelos holandeses no fim do século 16, motivada por questões
europeias com as quais não precisamos nos ocupar neste momento. Em 1640, o
Brasil (os baianos, para sermos exatos) conseguiu expulsar os holandeses, um
feito glorioso, dada a notória superioridade dos holandeses. Estes, porém, com
sua enorme vantagem técnica, militar e econômica, rumaram para a América
Central e, lá, num abrir e fechar de olhos, acabaram com o monopólio canavieiro
nordestino. Desse segundo cenário o Nordeste nunca mais se recuperou.
Consideremos outro país de Terceiro Mundo,
horizonte que nos é familiar: a Indonésia, que em poucas décadas será um dos
mais populosos do planeta. A Indonésia tem milhares de ilhas. Com o
barateamento do transporte aéreo, hoje ela quase poderia viver do turismo.
Setenta anos atrás, quando um golpe derrubou o presidente Sukarno, isso seria
impossível. Hoje, em tese, seria fácil, mas o país ainda se caracteriza por um
nível endêmico de violência, atividade que torna farsesca a política e afugenta
o turismo. Desde o golpe de 1965, que custou a vida de 1 milhão de pessoas, sua
organização política é uma democracia intermitente, para não dizer diáfana.
Quem de fato manda são os militares.
Mas, claro, o exemplo perfeito do argumento
que estou tentando expor é a Argentina.
Que é um país abundantemente dotado de
recursos naturais, todos sabemos. Desde o desenvolvimento da técnica de
refrigeração de carne nos porões de navios, por volta de 1870, ela se tornou um
dos países mais ricos do mundo, com uma renda anual por habitante igual à de
vários países da Europa. Mas não só isso. Antes mesmo do enriquecimento, sua
primeira etapa, a do diagnóstico, teve governos notáveis, como o do presidente
Domingo Sarmiento (18681874) e o de Júlio Argentino Roca (1880-1886), que
implantaram um sistema educacional de primeira linha. Difícil encontrar outro
exemplo tão auspicioso da fase do diagnóstico. O problema, como lhes adiantei,
é que depois da primeira fase vem a segunda fase, na qual o “x” do problema é a
organização política. Em 1930, o general José Félix Uriburu, admirador confesso
de Benito Mussolini, derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen, fato que me força
a recordar ao caro leitor que a segunda etapa pode facilmente se tornar um
desastre. Decorridos 15 anos de loucura após loucura, Juan Domingo Perón dá seu
próprio golpe e fica no poder durante cinco anos, até ser exilado na Espanha.
Um capítulo que não poderia faltar foi o da industrialização à marcha forçada,
financiada à base da inflação, de impostos escorchantes e do endividamento. Daí
em diante, a segunda só faz piorar; violências sem fim, mortos, desaparecidos,
e o país embarcando em sua viagem de volta até o subdesenvolvimento. Fosse
argentino, Luís de Camões não perderia a chance de declamar outra vez seu
célebre verso: uma “apagada e vil tristeza”.
E aqui chego ao Brasil pós-independência e
a São Paulo. No início, havia certa semelhança com o Nordeste, dado sermos
ainda um país escravocrata e termos implantado a cafeicultura, rapidamente
atingindo outro quase monopólio mundial. Com o tempo, passamos ao trabalho assalariado.
A elite empresarial, que Celso Furtado descreve como arguta, dinâmica e
cosmopolita, compunha um primeiro cenário promissor. Mas ela não parece ter
dado a devida atenção a um detalhe. O monopólio do café era tão fácil de
quebrar quanto o do açúcar. Tudo correu às maravilhas até os cafeicultores se
verem na contingência de bater às portas do governo. No Convênio de Taubaté
(1906), abriram mão de sua antiga altivez política em troca de subsídios (a
chamada “socialização das perdas”).
O desfecho é igual em todos os casos. A
democracia de joelhos ante um Estado agigantado. Economia fechada, para
proteger um empresariado débil. A Argentina pelo menos criou um sistema
educacional sério. Nós queremos industrializar o País na marra, impulsionado
por um Estado miraculoso, mas estamos a anos-luz da base científica e
tecnológica de que necessitamos. Temos, sim, mais de 2 mil faculdades de
Direito.
*Cientista Político, sócio-diretor da Augurium
Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Haja adevogados!
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