sábado, 28 de janeiro de 2023

Carlos Alberto Sardenberg - Os velhos erros

O Globo

É incrível que, neste Brasil, não se admita nem se tente corrigir uma visão de política econômica já testada e fracassada

Se ao menos fossem erros novos... Inevitável esse pensamento diante das propostas de política econômica que vão surgindo nas diversas esferas do governo Lula. Dirão: um erro é um erro, não importa se novo ou velho. Certo, na teoria. Na prática, não é bem assim. Um erro novo pode resultar de uma sincera tentativa de mudança. Não diminui o erro, mas diminui a culpa do autor. Pode ser admitido e corrigido. Mas é incrível que, neste Brasil, não se admita nem se tente corrigir uma visão de política econômica já testada e fracassada.

Por exemplo: agora estão falando em elevar a meta de inflação para facilitar... o combate à inflação! O argumento tem um disfarce. Sustenta que perseguir uma meta muito baixa exige taxa de juros muito elevada, o que atrapalha o crescimento. Não se define o que seja muito baixa ou alta, mas a ideia por trás é a mesma de quase 40 anos atrás, quando se fez, com o Cruzado, a primeira tentativa de criar uma moeda estável: tolerância com a inflação.

É verdade que alguma inflação sempre haverá, mesmo em países com histórico de estabilidade. Deflação, queda acentuada e persistente de preços, pode resultar em redução dos investimentos. Isso ocorre quando o empresário desiste de ampliar sua produção ou de lançar produtos porque teme não conseguir elevar seu preço para ter mais margem ou cobrir custos novos.

Mas isso tudo é diferente de tolerância com a alta persistente de preços. Nesse caso, entende-se que a inflação é um meio de crescimento. Até pode ser por algum momento, mas, se crescer significa aumento da renda e do emprego em ambiente estável, então a inflação é o mal a extirpar.

O Brasil tem muita experiência, negativa, nesse quesito. A inflação prejudica os mais pobres, ao reduzir o salário real. Na corrida entre preços e salários, os preços sempre tomam a dianteira. Queda do salário significa menos mercado e consumo e, pois, menos investimentos. Sim, é simples assim. Se inflação alta e crônica fosse meio de crescimento, o Brasil seria rico há muitos anos.

Em outras palavras, o que atrapalha a economia brasileira hoje não é o combate à inflação. É o gasto público muito elevado e pouco eficiente, financiado com dívida. Déficits frequentes e dívida em expansão geram inflação, combatida com elevação da taxa de juros pelo Banco Central. Mais exatamente, o problema atual é a total contradição entre a política fiscal, de expansão do gasto público (da demanda) e a política monetária, restritiva, com juros reais altos o suficiente para esfriar consumo e investimentos. Cada uma puxando para um lado, o resultado é menos crescimento e tempo maior para debelar a inflação. Isso significa juros mais altos por mais tempo.

O que está fora de lugar é a política fiscal. Em vez de admitir esse erro muito, muito antigo, o governo Lula cisma com o Banco Central, com sua independência e com suas metas de inflação. Quer reduzir as metas. E, quando o próprio governo anuncia que vai tolerar inflação mais elevada, é lógico que os preços sobem mais depressa.

Outro erro velho em via de ser cometido está no BNDES. Só nesta semana, o presidente Lula prometeu que o banco financiará obras na Argentina e noutros países amigos do Sul. Também disse aos governadores que o BNDES pode ajudar estados a compensar perdas de receita provocadas pela redução de impostos sobre a gasolina e energia. Mais: garantiu que o banco ampliará financiamentos às estatais e à indústria brasileira.

Pergunta-se: o BNDES pode perder dinheiro nisso, como já perdeu? A resposta: não perderá, pois os empréstimos têm garantia. De quem? Do Tesouro brasileiro, alimentado pelo contribuinte brasileiro.

Ora, seria mais correto gastar aqui mesmo o dinheiro do contribuinte. E não dar empréstimo baseado em ideologia, mas sim na análise do crédito do financiado. Simples assim.

Outro erro velho iminente? A condução da Petrobras.

E assim vamos. Para trás.

 

4 comentários:

  1. A independência é um fator importantíssimo, mas como um ditador qualquer,, só ele, somente ele, pode dar as cartas nesse seu regime peculiar de ego elevado a uma potência ilimitada. Isso impede de ser uma pessoa carismática. A humildade agrega enquanto o convencimento e o narcissismo afasta. Ele é a alma gêmea do FHC, extrema vaidade. Só cura com pessoas bem intencionadas o alertar, mas como o mundo está cheio de bajuladores, provavelmente não se curará nunca. Caso para um psiquiatra. Quanto mais velho mais intransigente, até chegar ao ponto do intolerável.

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  2. Crítica sempre haverá,ninguém consegue agradar a todos o tempo todo.

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  3. Carlos Alberto Sardenberg, gostaria de saber sua opinião sobre o seguinte: o Banco Central, como órgão público, deveria ter autonomia em relação tanto em relação ao governo quanto em relação ao mercado financeiro? Ou na sua opinião a autonomia do BC deveria ser apenas em relação ao governo? Você acha legítimo o comportamento do presidente do BC, reunindo-se a portas fechadas com agentes do mercado financeiro, enquanto defende a autonomia em relação ao governo?

    Veja esse depoimento de um especialista no assunto:
    https://youtu.be/hzGaLmMgR04

    Qual é a sua opinião?

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