sábado, 7 de janeiro de 2023

Carlos Alberto Sardenberg - Puxando capivara

O Globo

Seria interessante saber se o governo Lula pretende manter os esforços para recuperar dinheiro da corrupção

A Advocacia-Geral da União, agora comandada por Jorge Messias, defende os interesses do governo perante a Justiça. Órgão importante, já que o governo é alvo de frequentes demandas e, não raro, autor de processos. Mas é muito duvidoso que seja função da AGU fazer “o enfrentamento” de fake news e desmascarar “mentiras” a respeito de políticas públicas. A AGU pode, sim, ir à Justiça para acusar autores do que imagina ser fake news ou mentira. Mas quem decide o que é e o que não é só pode ser o Judiciário.

Muito estranho, portanto, que um dos primeiros atos envolvendo a AGU tenha sido a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, justamente com o objetivo de identificar e enfrentar fake news e mentiras a respeito do governo. A Procuradoria vai decidir e punir? Em causa própria?

Tem cheiro forte de censura.

Em vez disso, seria interessante saber o que AGU do governo Lula fará em relação aos processos do petrolão. Não, isso não acabou, embora o STF tenha anulado a Lava-Jato alegando vícios formais nos processos.

Acontece que a Petrobras é coautora, junto com AGU, Controladoria-Geral da União (CGU) — responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção — e Ministério Público Federal (MPF) em ações de improbidade administrativa. A estatal também é assistente de acusação em quase uma centena de ações penais relacionadas aos casos da Lava-Jato.

Ainda agora, por exemplo, em 19 de dezembro, o MPF, a CGU e a AGU comunicaram a conclusão de dois acordos de leniência, com duas multinacionais. Uma, a Keppel, pagará R$ 343,5 milhões à União. A companhia admitiu que um representante pagou propinas para obter contratos da Petrobras entre 2001 e 2014.

Repararam nas datas? Pega dois anos de governo FH, os oito de Lula e quatro de Dilma. Aliás, a Keppel já havia devolvido quase R$ 900 milhões em acordos anteriores.

Outra multinacional, a UOP, topou pagar R$ 456,3 milhões à Petrobras, por conta de reparação de danos e devolução de lucros obtidos ilegalmente. Também pagará multa de R$ 180 milhões.

A força-tarefa do MPF, da AGU e da CGU continua funcionando. A Petrobras, com esses dois últimos acordos, já recuperou cerca de R$ 7,5 bilhões. O compliance da Petrobras tem sido muito ativo nessa tarefa. O que fará sobre isso o futuro presidente da empresa, o petista Jean Paul Prates?

A CGU, agora comandada por Vinícius de Carvalho, anunciou medidas imediatas para tentar derrubar os diversos sigilos de cem anos impostos por Bolsonaro em vários temas que não são caso de segurança nacional. Trata-se de uma providência correta: puxar a capivara do governo Bolsonaro.

Mas há outras capivaras a levantar. E seria interessante saber se o governo Lula pretende manter os esforços para recuperar dinheiro da corrupção.

Até aqui, os corruptos têm devolvido dinheiro. Surgiu uma outra ideia agora: que as empreiteiras devolvam o que roubaram fazendo novas obras. Considerando que elas roubaram fazendo obras, fica esquisito. Pode não ser, mas parece levar o criminoso a um outro local de crime.

São temas embaraçosos, claro, mas estes, sim, têm de ser enfrentados.

E por falar em capivaras ministeriais. Tem o caso da ministra do Turismo e suas ligações com milicianos. Mas tem mais: o ministro da Integração, Waldez Góes, foi condenado pelo STJ, ainda em 2019, a seis anos e nove meses, em regime aberto. Acusação: desvio de dinheiro de consignados. Está recorrendo e entrou com habeas corpus no STF, onde o processo está parado com pedido de vista desde abril do ano passado.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tem uma condenação recente por nepotismo no Tribunal de Justiça de São Paulo. É segunda instância, tem recurso, como no caso de Góes.

Mas seria conveniente nomear para cargos públicos pessoas que têm condenação por mau uso de recursos públicos? Ambos alegam inocência. Então, que tal esperar o fim do processo para depois nomear?

Se bem que se a gente começar a procurar mais capivaras...

 

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