O Globo
Inquéritos das fake news e das milícias
digitais foram necessários
O inquérito das fake news e o inquérito das
milícias digitais conduzidos pelo ministro Alexandre de
Moraes foram barreiras contra o avanço do golpismo. Sem eles,
os bloqueios de estradas, a insubordinação policial e os atentados terroristas
talvez tivessem escalado, numa sucessão que poderia levar a uma ruptura
institucional. Foram necessários. Foram fundamentais. Porém, além de terem sido
instaurados de maneira heterodoxa, concentraram muitos poderes extraordinários
nas mãos de uma só pessoa, e esses poderes necessitam de supervisão e
escrutínio.
Na última terça-feira, no site Metrópoles, o jornalista Rodrigo Rangel revelou que no dia 12 de dezembro o ministro Alexandre de Moraes autorizou uma ampla quebra de sigilo telefônico e de dados atingindo não apenas oito investigados (cujos nomes não foram revelados pela reportagem), mas também todos aqueles que se comunicaram com eles.
A medida se estenderia de maneira
indeterminada a qualquer pessoa que se comunicou com os investigados, incluindo
parentes, amigos, jornalistas, advogados, psicólogos, médicos e contatos
profissionais. Pode atingir centenas de pessoas não envolvidas com os atos
antidemocráticos.
A quebra de sigilo abarca não apenas
metadados de quem falou com quem em determinado dia, mas também o conteúdo de
mensagens instantâneas e de e-mails e a localização geográfica indicada pelas torres
de celular. No tocante ao registro de ligações telefônicas, a medida alcança
até 2017, quando foi gestado o bolsonarismo.
Se a reportagem traduziu adequadamente os
termos da quebra de sigilo, a medida parece abusiva e viola a privacidade de
centenas de pessoas que não têm relação com as mobilizações golpistas. É
bastante grave, mesmo levando em consideração o momento brasileiro, que
autoriza medidas mais fortes.
A reportagem diz que pelo menos dois
investigados são políticos com mandato. Por meio da autorização indeterminada,
em cascata, a quebra de sigilo permitiria rapidamente chegar ao centro da
organização das mobilizações antidemocráticas e esclarecer de uma vez por todas
se os antigos ocupantes do Palácio do Planalto estavam envolvidos no seu planejamento.
A partir do cruzamento dos dados das torres de celular, a medida permitiria
determinar se algumas dessas pessoas participaram de encontros presenciais e se
algum dos encontros foi em endereço oficial do governo. Seria esclarecedor.
Porém a medida atingirá gente demais com
quebras de sigilo amplas. Tudo isso poderia ser feito em etapas, de maneira
criteriosa e cuidadosa, para não impactar a privacidade de pessoas não
relacionadas aos fatos. Isso para não falar do que pode ser feito com o que vier
a se descobrir acidentalmente, já que a medida certamente abarcará gente
poderosa e influente.
O que vivemos nestes anos de governo
Bolsonaro é coisa muito extraordinária, que, em princípio, autoriza precedentes
como o poder extraordinário conferido a Moraes. As condições de instauração dos
inquéritos — de ofício, a partir de entendimentos estendidos, resultando na não
separação dos papéis de vítima, juiz, promotor e investigador — são muito
contestadas, mas parecem justificadas, dadas as circunstâncias políticas que
envolviam a Procuradoria-Geral da República e a Polícia
Federal. Foram, afinal de contas, instrumentos de autodefesa da
democracia.
Mas, assim como foi necessária certa
inventividade institucional para instaurar os inquéritos que contiveram o
golpismo, precisamos estabelecer mecanismos de supervisão e escrutínio para que
esses poderes muito amplos e excepcionais permaneçam dentro de certos limites.
Para defender a Constituição rasga-se a Constituição e o devido processo legal. Esse país está muito doente mesmo! Pra dizer o mínimo...
ResponderExcluirDemocracia acima de qualquer ditadura !
ExcluirHavia um presidente da república, ministros militares e poderosos ou influentes ex-militares orquestrando uma tentativa de golpe, ou ao menos ameaçando intervir na democracia e criticando as eleições e as urnas eletrônicas, e havia um não desprezível apoio empresarial (principalmente agrícola e industrial) e popular a tais movimentos políticos. NÃO ERA POUCA COISA! A doença e as aberrações eram gravíssimas...
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