terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Carlos Andreazza – Festas

O Globo

É hora de descer a rampa dos símbolos e pisar o chão em que as gentes descreem dos princípios da representação e da justiça

Emocionados do Brasil, a festa acabou. Bonita festa, belo também o terno do presidente — perfeita a barra da calça. Apreciei. Venceu a alfaiataria. Antes, a democracia. É hora de cuidar da República. De descer a rampa dos símbolos e pisar o chão em que as gentes descreem dos princípios da representação e da justiça.

A democracia não teria vencido — assim vai aos livros — sem Alexandre de Moraes. Não é isso? O juiz onipresente, gestor de inquéritos que redefiniram o conceito de elasticidade, para quem a própria Corte constitucional formalizou a onipotência, garantiu a liberdade entre nós. Amém. Estando a missão cumprida, e não havendo mais Jair Bolsonaro, voltará o gênio à lâmpada? A democracia já venceu, o Sete-Peles fugiu à Disney. Não acabará essa festa?

A festa acabou para alguns, apesar de a pipoca (alô, Salvador!) também ser farra. A frente democrática ocupa as bordas. O governo é do PT. Qual a surpresa? O partido ganhou. Era o único que poderia vencer, razão por que atraiu os inviáveis/derrotados. O miolo é dele, o filé. Distribuiu-se o restante; o restante com verba cabendo aos que têm votos no Congresso.

Lula é presidente. Mais uma vez. Conhece a lida. Domina a rotina. Sabe que — diria Elio Gaspari — terá de armar a tendinha diariamente, faça chuva ou sol, e comerciar as berinjelas, havendo sempre troco na banca.

Como só Fernando Haddad fala em cortar algum gasto, aquilo que governo pode controlar, e como já foi o ministro da Fazenda atropelado para que a desoneração de impostos federais sobre combustíveis permaneça, o troco tende a ficar mais caro. Mantega não está, mas a sua mão indutora do crescimento veio. Mercadante veio.

Veio também Davi Alcolumbre. E seria então o caso de advertir o presidente, desde já me desculpando pela ousadia: se serão inevitáveis os pepinos, sempre se lhes pode mitigar a inflação dos atravessadores. Ocorre que ele sabe. Lula vem, conforme discursou, para reafirmar o valor da atividade política. Vem, contra a criminalização da política, com Daniela do Waguinho. Terá superado, ora em defesa do “pleno direito de expressão, manifestação e organização”, a passagem em que pregava a extirpação de um partido político.

Era o DEM, hoje União Brasil — de Daniela. E de Alcolumbre, o resiliente, a quem se entregou, na fachada de Waldez Góes, o Ministério da Integração Nacional, desmembramento do Desenvolvimento Regional que manterá boa parte da superfície sobre a qual os dinheiros do orçamento secreto preferem se esparramar. O orçamento secreto continua — expliquei de que forma na semana passada. Difícil crer que Elmar Nascimento, do União e de Lira, não continue governando a Codevasf. A ver os preços da berinjela e do trator.

A festa não acabou.

Para o observador desapaixonado, uma rave. Que teria por início a aprovação da PEC da Transição, com bilhões para muito além dos necessários ao custeio do Bolsa Família e à cobertura do rombo que a irresponsabilidade eleitoreira de Bolsonaro legou.

Lula, falando ao Congresso, foi exato ao dizer que “nunca os recursos do Estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder”. Referia-se, em termos duros, ao pacote conhecido como PEC Kamikaze, a maior ameaça à integridade, ao equilíbrio do processo eleitoral brasileiro — e o fazia diante de alguns de seus maiores artífices, entre os quais Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Aprovada também pelo PT, a PEC Kamikaze abriu as porteiras para que passasse a da Transição. Ambas produto do que o novo presidente chamou, com razão, de “desastre orçamentário”. E houve mesmo o momento em que, ao lado de Lira e Pacheco, agradeceu à Câmara e ao Senado por terem apoiado a gambiarra orçamentária — a elevação do pé-direito do teto de gastos — que só se tornou incontornável porque a sociedade entre governo Bolsonaro e os senhores do Congresso, ao institucionalizar o orçamento secreto, decretara que o Orçamento da União só poderia existir como fraude.

Seria cômico, não fosse miserável.

Lula, no Parlamento, ao bater firme na mentira do Orçamento, ao acusar o desaparecimento de recursos para saúde e educação, criticava o Congresso — especificamente Lira e Pacheco. Ninguém, contudo, poderia passar recibo, uma vez que o orçamento secreto, com aval de Lula, continua.

A sociedade se reinventa. E a festa continua. Continua o estadista Pacheco, um dos garantidores, segundo Alexandre de Moraes, de nossa solidez democrática, decerto sem se lembrar — enquanto o novo presidente apontava para a “atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista e insensível à vida” — de que, fosse somente por ele, a CPI da Covid no Senado nunca teria sido instalada.

O colunista também precisa de festa, daí por que tomará duas semanas para farrear. Volto em 24 de janeiro.

 

2 comentários:

  1. Anônimo3/1/23 11:11

    O colunista caprichou em sua última coluna antes das férias! Muitas verdades, algumas bem duras! Gostei! Depois das festas, há um governo que tem que começar a trabalhar de verdade! Pra tentar começar a resolver VELHOS problemas e TODOS OS CRIADOS pelo trágico e criminoso DESgoverno do GENOCIDA!

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  2. Boas festas;quer dizer,boas férias.

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