O Globo
Quase unanimidade no posicionamento dos
governadores pode significar, na prática, uma nova relação entre a União e os
estados
Os acontecimentos deste domingo resultaram
num tiro de canhão nos pés de seus autores. Mas a figura de linguagem não basta
para compreender desdobramentos. O primeiro efeito dos atos e cenas ocorridas
no domingo consiste em que o fenômeno passa a ser chamado por seu nome
real: terrorismo.
Não que faltassem elementos para isso — do
que chamar quem pretende explodir um caminhão de combustível ao lado de um
aeroporto? Mas as cenas de barbárie parecem ser ainda mais convincentes da
gravidade desses atos e do perigo desses “manifestantes” toscos e
radicalizados.
Os ataques não foram ao PT ou
ao presidente Lula —
menos ainda ao tal “comunismo imaginário” dessa gente delirante. Mas aos Três
Poderes e às instituições democráticas. A barbárie teve o condão de unir o país
em pelo menos quatro aspectos.
Foram atacadas as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e isso gera mais solidariedade e coesão do que 1 milhão de reuniões. Há quanto tempo os Três Poderes não atuam em consonância e sintonia no Brasil? Essa pode ser, de fato, uma grande mudança qualitativa, com desdobramentos para muito além do 8 de janeiro.
Em segundo lugar, institutos que monitoram
redes sociais constataram uma maioria acachapante contrária ao terror daquelas
cenas. As redes não explicam tudo. Pesquisas aprofundarão a intuição de que
tanto eleitores do presidente Lula quanto do ex-presidente Bolsonaro, agora, se
entendem em pelo menos um ponto: a desaprovação à estupidez do terror. O
absurdo pode reunir pessoas e famílias que havia muito não se entendiam?
O fato é que isolou radicais e até mesmo
setores desgarrados das hierarquias nas polícias e nas Forças Armadas. É
preciso tempo para afirmar, mas, no dia seguinte aos fatos, as praças diante
dos quartéis foram desocupadas e, nos estados, as polícias se mostram mais
diligentes do que antes. Confirmada essa dinâmica, será igualmente um efeito
muito importante.
Nesse aspecto, a quase unanimidade no
posicionamento dos governadores pode significar, na prática, uma nova relação
entre a União e os estados. Mesmo os governantes aliados ao bolsonarismo —
talvez, agora, ex-aliados — manifestaram-se, isolando-o ao lado do
ex-presidente. Há tempos não havia maior diálogo entre governadores e o
presidente da República.
O quarto ponto importantíssimo foi a rápida
reação dos vários países do mundo. Sobretudo, os principais, política,
econômica e militarmente falando. Não foi a primeira vez. Mesmo antes das
eleições, manifestações do tipo inibiram sonhos tresloucados de aventuras ainda
mais perniciosas à democracia do Brasil e do mundo. Reafirmação do tipo nunca é
demais.
O prejuízo material foi enorme, e o
imaterial ainda maior: como avaliar o valor de objetos e obras de arte
destruídos? Como avaliar o constrangimento diante do mundo e a vergonha alheia
que se sentiu diante da bizarrice de cenas exibidas com descaramento nas redes
sociais?
Todavia, os desdobramentos mencionados
trazem perspectivas otimistas de reafirmação democrática.
A ação do ministro Alexandre de
Moraes, sempre contestada, se fortalece: a busca por responsáveis,
incentivadores e financiadores dos atos antidemocráticos ganha impulso. A
pressão sobre a Procuradoria-Geral da República aumenta e exigirá
posicionamento muito além da ambiguidade.
Nos escombros da destruição dos Três Poderes
talvez se encontrem elementos para superação do que há de velho, macabro e
pernicioso que se arrasta e atrasa a vida do país. Oxalá que assim seja.
*Carlos Melo, cientista político, é
professor senior fellow do Insper
É o verdadeiro sono em berço esplendoroso, estourado o teto de gastos, não precisa reconstruir nada no Palácio, é só mudar a sede da Presidência da República do mesmo modo que milhares de famílias são despejadas todos os dias Brasil a fora em nome da inadimplência social.
ResponderExcluirEu nunca ''contestei'' nenhuma ação de Alexandre de Moraes.
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