terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Míriam Leitão - No dia seguinte, a Federação se uniu

O Globo

A República, a Federação e os Poderes ficaram juntos em uma cena eloquente. O risco é que a punição fique na massa de vândalos e alguns cúmplices

O ambiente ontem era de ressaca cívica. Havia tristeza, mas ao mesmo tempo os sinais de união nacional foram fortes. Governadores reunidos com os chefes de poderes foi um momento que falou por si. A República, os Poderes e a Federação estavam juntos. A cena era eloquente. Ao mesmo tempo, há sombras demais em torno dos episódios que levaram ao atentado à democracia no domingo e há o risco de que as punições fiquem apenas na massa de vândalos e alguns dos seus cúmplices.

Uma das autoridades do Judiciário que eu ouvi explicou que os caminhos à frente ainda estão muito abertos. “Um atentado sem precedentes exigirá uma resposta sem precedentes.” Mas qual? “Há clamores de todos os tipos: desde os mais extremados, como a extinção das PMs, até as mais moderadas, como o exercício civil efetivo através do Ministério da Defesa.”

Foi bonito ver os governadores falarem em apoio à ministra Rosa Weber, ao presidente Lula e aos presidentes do Legislativo. O fato de o governador Tarcísio, de São Paulo, ter sido um dos chefes do executivo a falar foi importante dentro do movimento de isolar o radicalismo golpista. “Os bolsonaristas e quem apoiou a barbárie abriram as portas para uma reação que tem o potencial de reduzir a direita radical”, me disse essa autoridade do Judiciário.

Mas existem sombras. As Forças Armadas se comportaram muito mal durante todo esse episódio, apesar de terem sido enaltecidas ontem pelo ministro Flávio Dino por terem resistido “ao canto demoníaco do golpismo”. Eles ficaram em silêncio, no meio de uma sonora sucessão de manifestações de repúdio ao vandalismo, eles abrigaram golpistas nas suas portas e os protegeram. Falharam as Forças Armadas como instituição e erraram vários líderes militares. Errou o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que ontem na reunião garantiu que durante os últimos dois anos enfrentou os atos golpistas. Não é verdade. O governador Ibaneis Rocha está afastado e mil e quinhentas pessoas estão presas, mas evidentemente a cadeia de responsáveis é muito maior e termina no ex-presidente Jair Bolsonaro.

A violência foi tão grande na véspera que o país tentava ontem processar tantas e tão graves violações. O ex-ministro Sepúlveda Pertence, que ocupou por duas décadas uma cadeira no Supremo, disse que estava “aterrado”. E que esse sentimento “piora pelo meu passado na PGR”. Seis ex-procuradores gerais, entre eles Pertence, pediram investigação dos autores, dos financiadores e dos mandantes que “por ação ou omissão estimularam a execução dessas condutas”.

A armadilha na qual a democracia se encontra neste momento é que o grande mandante das condutas todos sabem quem é. É Jair Bolsonaro. Mas qualquer pessoa com quem se fala no mundo jurídico, do ministro da Justiça, aos ministros do Supremo, ou até alguns ex-integrantes do Judiciário, repete a mesma coisa: Bolsonaro é politicamente responsável, mas juridicamente é preciso apurar.

No mundo jurídico é necessária a formação de provas concretas. O problema é que durante quatro anos, na frente de todas essas testemunhas, os mais de 200 milhões de brasileiros, Bolsonaro estimulou seus seguidores a duvidar da democracia, a acreditar que os ministros do Supremo ou do TSE eram seus inimigos, que os governadores, os políticos, as personalidades que discordassem dele faziam parte de uma grande conspiração contra o seu governo. Bolsonaro fez seus seguidores acreditarem que eles eram os únicos patriotas, e que o regime militar, com ele no comando, era a solução. Ele inspirou e estimulou o golpismo que no domingo desabou em ataques aos poderes da República e ao seu patrimônio material e imaterial.

O projeto de Bolsonaro sempre foi provocar uma grande perturbação da ordem pública que seria o pretexto para uma decretação de Garantia da Lei da Ordem (GLO), na qual os militares sairiam dos quartéis para instalar um novo governo autoritário. Essa era a ideia. O risco é o governo se dispersar em milhares de prisões, investigações e processos de vândalos, sem chegar ao veio principal que alimentou o golpismo brasileiro usando a cadeira de presidente da República.

Temos que ver as sombras. Elas são perigosas e ainda estão entre nós. Mas ontem foi dia de varrer a sujeira dos destroços, contabilizar as perdas, contar as facadas em Di Cavalcanti e no corpo da democracia. A melhor notícia foi ver a federação em torno dos poderes da República.

 

4 comentários:

  1. Excelente análise! Parabéns à jornalista e ao blog que nos divulga o trabalho dela!

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  2. Qual é
    o poder que se esconde atrás de um tosco,
    sem caráter,
    com passado horroroso?
    Por que?

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  3. Míriam Leitão sempre correta em suas análises.

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  4. Quero ver é quando puxarem a ponta do fio da meada (linha de responsabilidade) que liga diretamente os bolsoterroristas ao anão-general comandante das ações bolsonaristas, em golpe que começou a ser planejado pelo então ajudante de ordens do comandante de exército defenestrado em 1977.

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