sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

César Felício - Lula ganha tempo, mas não muito

Valor Econômico

Intentona de Brasília fortalece o presidente temporariamente, mas condução da economia e da política podem desestabilizá-lo

 “Tudo que foi feito vai por água abaixo pela ação de um grupo de radicais. O governo lulopetista havia cometido vários erros na primeira semana, mas a ação desses vândalos acaba por ajudar o governo”. Conforme os repórteres Gabriela Biló e Ricardo della Coletta, da “Folha de S. Paulo” registraram, essa mensagem foi mandada por WhatsApp pelo ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, em um grupo chamado “Ministros Bolsonaro”, e flagrada na tela do celular do ex-ministro da Casa Civil e senador Ciro Nogueira (PP-PI), na manhã da terça-feira, dia 10.

A mensagem de Queiroga retrata fielmente uma realidade atestada por observadores da cena política que não são nem bolsonaristas, nem “lulopetistas”, para usar a expressão do antigo auxiliar de Bolsonaro. O levante terrorista do domingo, do ponto de vista político, foi um desastre total para o bolsonarismo e deu de bandeja para Lula uma oportunidade de driblar uma semana ruim, que antevia semanas piores pela frente.

O desastre foi total porque o episódio, por óbvio, estabelece de início uma disjuntiva: Ou Lula, ou o caos. E boa parte da oposição sincera à esquerda não quer o caos, anseia pela ordem. Tanto é assim que os próprios governadores bolsonaristas acorreram a Brasília para a reunião convocada pelos presidentes dos três Poderes, no dia seguinte à destruição. As primeiras pesquisas de opinião divulgadas indicam uma rejeição absoluta da população ao que aconteceu (93%, de acordo com o Datafolha), e uma aprovação do desempenho do presidente (51,1%, segundo a consultoria Atlas).

“Este episódio botou toda a gente ao redor do Lula. Fizeram a ele um tremendo favor. Lula teve como reafirmar uma hegemonia da qual ele na realidade não dispõe”, disse por exemplo o ex-ministro da Previdência e ex-deputado Roberto Brant, hoje presidente de um instituto de políticas públicas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Bolsonaro saiu das eleições à frente de uma mancha antipetista muito consistente, que vem desde muito antes da extrema-direita arrebatar esta frente. Esta mancha é majoritária no interior de São Paulo, na região Sul, no Centro-Oeste e em partes da região Norte desde 2006, lembra Brant. Tende a não se sentir mais representada por Bolsonaro. “Não sai da boca dele desde as eleições nenhuma palavra de liderança”, observa Brant.

O ex-presidente, já há muitas semanas, se manifesta por mensagens cifradas para açular uma base a não propriamente a derrubar o governo, mas a não deixá-lo governar e fomentar algo entre o queremismo e o sebastianismo, com muita força no metaverso e em narrativas da realidade alternativa. A ‘fake news’ do momento, por exemplo, é que a desordem da capital federal foi obra de uma infiltração da esquerda para justificar uma onda repressiva, uma espécie de Plano Cohen com sinal trocado.

Quem é capaz de acreditar nessa, é capaz de acreditar em qualquer coisa. Mas a maioria da oposição está aturdida, sem ação no momento.

Lula fez uma aliança da esquerda com o centrão. Com MDB, PSD e União Brasil a proposta é de uma associação plena. Com PSDB e assemelhados, de oposição cordial. Com os bolsonaristas PP, PL e Republicanos a aposta é no pragmatismo e na falta de convicções ideológicas de suas lideranças.

É um consórcio que resolve a vida de Lula com o Congresso, mas para por aí. Uma coisa é o mundo oficial de Brasília, outra diferente é o que se passa nos corações e mentes de boa parte da sociedade, inclusive nos pilares do antipetismo: agronegócio, evangélicos, profissionais liberais, empresários, militares. O espaço criado no governo para figuras como Simone Tebet e Geraldo Alckmin nem arranha a superfície desse contingente.

Lula ganhou uma batalha, mas a guerra segue. Ele não deveria enumerar seus inimigos em público, porque são muitos. Não se esgotam em Bolsonaro e seu entorno.

As declarações do presidente na manhã desta quinta-feira, em café da manhã com jornalistas, mostram que a desconfiança de Lula em relação ao que se passa dentro das casernas é tão grande que o faz temer pela própria vida. Ou que outra leitura se pode fazer da frase: “Como vou ter uma pessoa na porta da minha sala que pode me dar um tiro?”

A pergunta que se faz agora é quanto tempo dura esta trégua obtida com a capacidade de Bolsonaro em se sabotar. Na opinião do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), em fim de mandato, quem responderá essa pergunta é a economia.

Um conjunto de propostas que esteja em desacordo com as expectativas e os interesses desse contingente que por força das circunstâncias está em processo acelerado de afastamento em relação a Bolsonaro pode fechar o que Brant chamou de “janela do consentimento”. E nuclear a oposição em outra liderança que não a do bolsonarismo ou mesmo despertar uma ofensiva que não saia do plano institucional, mas que não passe pelo jogo eleitoral.

Há ainda outra frente dessa guerra. No momento a cúpula do Judiciário tem representado uma garantia para Lula. Seguirá sendo assim? O 8 de janeiro aumentou o protagonismo do STF no jogo político. O presidente no momento depende de uma variável que não controla e nem tem como controlar.

Ramos trabalha com a hipótese de que o presidente tem clareza do quadro e do jogo de forças em sua volta para bancar certas propostas ou não. E de que tem algum tempo para agir, mas não muito.

Pode até ser, mas não é o governo vinha esboçando até o 8 de janeiro. Nos primeiros sete dias, houve muita energia despendida em justificar polêmicas escolhas para a composição do ministério e uma certa incerteza sobre qual o rumo macroeconômico.

Modular discurso também não parece ser uma preocupação de Lula. Nesta quinta-feira o presidente mais uma vez optou por bater boca com o mercado, ao afirmar que “é preciso parar de utilizar a palavra ‘gasto’”. “O governo vai cuidar das pessoas mais necessitadas e ponto.” Há que se ver quais serão as consequências desta estratégia nas variáveis da economia provenientes das apostas que o mercado faz. E o histórico da América Latina aponta para uma correlação entre turbulências na economia e na política.

 

Um comentário: