Valor Econômico
Intentona de Brasília fortalece o
presidente temporariamente, mas condução da economia e da política podem
desestabilizá-lo
“Tudo que foi feito vai por água abaixo pela
ação de um grupo de radicais. O governo lulopetista havia cometido vários erros
na primeira semana, mas a ação desses vândalos acaba por ajudar o governo”.
Conforme os repórteres Gabriela Biló e Ricardo della Coletta, da “Folha de S.
Paulo” registraram, essa mensagem foi mandada por WhatsApp pelo ex-ministro da
Saúde Marcelo Queiroga, em um grupo chamado “Ministros Bolsonaro”, e flagrada
na tela do celular do ex-ministro da Casa Civil e senador Ciro Nogueira
(PP-PI), na manhã da terça-feira, dia 10.
A mensagem de Queiroga retrata fielmente uma realidade atestada por observadores da cena política que não são nem bolsonaristas, nem “lulopetistas”, para usar a expressão do antigo auxiliar de Bolsonaro. O levante terrorista do domingo, do ponto de vista político, foi um desastre total para o bolsonarismo e deu de bandeja para Lula uma oportunidade de driblar uma semana ruim, que antevia semanas piores pela frente.
O desastre foi total porque o episódio, por
óbvio, estabelece de início uma disjuntiva: Ou Lula, ou o caos. E boa parte da
oposição sincera à esquerda não quer o caos, anseia pela ordem. Tanto é assim
que os próprios governadores bolsonaristas acorreram a Brasília para a reunião
convocada pelos presidentes dos três Poderes, no dia seguinte à destruição. As
primeiras pesquisas de opinião divulgadas indicam uma rejeição absoluta da
população ao que aconteceu (93%, de acordo com o Datafolha), e uma aprovação do
desempenho do presidente (51,1%, segundo a consultoria Atlas).
“Este episódio botou toda a gente ao redor
do Lula. Fizeram a ele um tremendo favor. Lula teve como reafirmar uma
hegemonia da qual ele na realidade não dispõe”, disse por exemplo o ex-ministro
da Previdência e ex-deputado Roberto Brant, hoje presidente de um instituto de
políticas públicas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Bolsonaro saiu das eleições à frente de uma
mancha antipetista muito consistente, que vem desde muito antes da
extrema-direita arrebatar esta frente. Esta mancha é majoritária no interior de
São Paulo, na região Sul, no Centro-Oeste e em partes da região Norte desde
2006, lembra Brant. Tende a não se sentir mais representada por Bolsonaro. “Não
sai da boca dele desde as eleições nenhuma palavra de liderança”, observa
Brant.
O ex-presidente, já há muitas semanas, se
manifesta por mensagens cifradas para açular uma base a não propriamente a
derrubar o governo, mas a não deixá-lo governar e fomentar algo entre o
queremismo e o sebastianismo, com muita força no metaverso e em narrativas da
realidade alternativa. A ‘fake news’ do momento, por exemplo, é que a desordem
da capital federal foi obra de uma infiltração da esquerda para justificar uma
onda repressiva, uma espécie de Plano Cohen com sinal trocado.
Quem é capaz de acreditar nessa, é capaz de
acreditar em qualquer coisa. Mas a maioria da oposição está aturdida, sem ação
no momento.
Lula fez uma aliança da esquerda com o
centrão. Com MDB, PSD e União Brasil a proposta é de uma associação plena. Com
PSDB e assemelhados, de oposição cordial. Com os bolsonaristas PP, PL e
Republicanos a aposta é no pragmatismo e na falta de convicções ideológicas de
suas lideranças.
É um consórcio que resolve a vida de Lula
com o Congresso, mas para por aí. Uma coisa é o mundo oficial de Brasília,
outra diferente é o que se passa nos corações e mentes de boa parte da
sociedade, inclusive nos pilares do antipetismo: agronegócio, evangélicos,
profissionais liberais, empresários, militares. O espaço criado no governo para
figuras como Simone Tebet e Geraldo Alckmin nem arranha a superfície desse
contingente.
Lula ganhou uma batalha, mas a guerra
segue. Ele não deveria enumerar seus inimigos em público, porque são muitos.
Não se esgotam em Bolsonaro e seu entorno.
As declarações do presidente na manhã desta
quinta-feira, em café da manhã com jornalistas, mostram que a desconfiança de
Lula em relação ao que se passa dentro das casernas é tão grande que o faz
temer pela própria vida. Ou que outra leitura se pode fazer da frase: “Como vou
ter uma pessoa na porta da minha sala que pode me dar um tiro?”
A pergunta que se faz agora é quanto tempo
dura esta trégua obtida com a capacidade de Bolsonaro em se sabotar. Na opinião
do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), em fim de mandato, quem responderá essa
pergunta é a economia.
Um conjunto de propostas que esteja em
desacordo com as expectativas e os interesses desse contingente que por força
das circunstâncias está em processo acelerado de afastamento em relação a
Bolsonaro pode fechar o que Brant chamou de “janela do consentimento”. E
nuclear a oposição em outra liderança que não a do bolsonarismo ou mesmo
despertar uma ofensiva que não saia do plano institucional, mas que não passe
pelo jogo eleitoral.
Há ainda outra frente dessa guerra. No
momento a cúpula do Judiciário tem representado uma garantia para Lula. Seguirá
sendo assim? O 8 de janeiro aumentou o protagonismo do STF no jogo político. O
presidente no momento depende de uma variável que não controla e nem tem como
controlar.
Ramos trabalha com a hipótese de que o
presidente tem clareza do quadro e do jogo de forças em sua volta para bancar
certas propostas ou não. E de que tem algum tempo para agir, mas não muito.
Pode até ser, mas não é o governo vinha
esboçando até o 8 de janeiro. Nos primeiros sete dias, houve muita energia
despendida em justificar polêmicas escolhas para a composição do ministério e
uma certa incerteza sobre qual o rumo macroeconômico.
Modular discurso também não parece ser uma
preocupação de Lula. Nesta quinta-feira o presidente mais uma vez optou por
bater boca com o mercado, ao afirmar que “é preciso parar de utilizar a palavra
‘gasto’”. “O governo vai cuidar das pessoas mais necessitadas e ponto.” Há que
se ver quais serão as consequências desta estratégia nas variáveis da economia
provenientes das apostas que o mercado faz. E o histórico da América Latina
aponta para uma correlação entre turbulências na economia e na política.
Só Jesus na causa.
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