Agarrada ao cobertor liguei na Globo
admirando feliz o desenrolar de um dia histórico. Confesso certa ansiedade e um
pouco de medo de algo inusitado acontecer vindo das mentes terroristas que
semearam ódio no Brasil em nossos tempos. Mas tudo transcorria num clima de
paz, de alegria e emoção.
Cheiro de povo, cheiro de esperança, cheiro
de solidariedade.
Entrelaçava em minha mente e as vezes se
confundiam as imagens do Rei Pelé quando dedicou seu milésimo gol às crianças e
seu grito universal LOVE e as imagens da multidão na Praça dos Três Poderes e o
ritual da posse de Lula. Agarrada ao zap, trocava mensagens sobre os discursos
históricos que com certeza vou reler e ler para minha prole sempre como marco
de um novo tempo, especialmente, um tempo de paz e prosperidade para todos.
Analisei o discurso do Rodrigo Pacheco,
conciliador, fazendo jus à tradicional vocação mineira.
Cada palavra de Lula no Congresso e o
animado apoio dos presentes me levavam em cada instante a conjugar o verbo
ESPERANÇAR.
Um vídeo-tape assumiu minha mente teimosa
em defender a democracia e os valores socialistas que me acompanham pela vida
inteira. Aquele tapete humano vermelho aquecia minha alma e não resisti e ouvi
a música ”Meu Coração é Vermelho” na linda voz de Fafá de Belém.
O mar de gente na Esplanada nos faz acreditar na profética frase de Carlos Drummond de Andrade: “Há um cheiro de mudança no ar”, frase que se tornou um mantra na minha juventude quando consagramos do Oiapoque ao Chuí o MDB em 1974 para o Congresso Nacional.
Sementes de democracia e cidadania às vezes
pisadas, às vezes em solo infértil, renascem com a força de uma fênix, no
primeiro dia de um ano entrante e desabrocham rapidamente exalando seu perfume
em flores e frutos. A democracia conjugada com cidadania como bem definiu Lula,
INEBRIA e AQUECE!
Já vivi 7 décadas, o couro vai ficando duro
e a capacidade de chorar cada vez menor. A razão cada vez mais atropela a
emoção e, plagiando o eterno Neruda em “Confesso que Vivi”, confesso que
chorei!
Chorei com a subida da rampa, hoje
destacada na primeira página do The New York Times. Demagogia? Não! Realismo
Fantástico? Talvez. Com certeza grande simbologia de respeito à diversidade e a
expressão heterogênea e simples do povo brasileiro. Eu me senti também subindo
a rampa do Palácio do Planalto por onde muito transitei nos idos de 1990.
Todos nós temos uma
individualidade-inteiridade com vários fragmentos. Há um pedaço em mim que é
como uma criança de 10 anos que renasce e às vezes sonha, brinca, canta e se
encanta como o garoto Francisco.
A catadora de lixo me emocionou e me fez
lembrar os lixos diários de que tenho que desvencilhar e sobretudo os lixos
humanos dos quais tenho aprendido a me distanciar.
Olhando o deficiente, vi todas minhas
deficiências físicas e intelectuais.
O Cacique Raoni mostrou minhas raízes e
origem. Meu avô paterno Juca era um perfeito índio.
A cozinheira me fez exaltar meus dons
culinários e o apreço pelo meu fogão de lenha.
O operário metalúrgico me lembrou o meu
“eu-operária da burocracia”, nas décadas a fio como servidora pública.
O professor reavivou minhas memórias do
magistério e o vigilante atento me resgatou o espírito desperto.
Janja com sua beleza e esplendor espelha o
quanto de juventude ainda consigo preservar, especialmente na alma. Até a
cachorrinha Resistência me fez pensar no complexo de “vira lata” que Nelson
Rodrigues falou e acomete os brasileiros que se refugiam na Flórida.
Eu também subi a rampa e milhões de
brasileiros subiram junto, portanto somos todos responsáveis por contribuir
para o sucesso do Projeto
de União e Reconstrução Nacional que se inicia, inclusive
com proposições críticas e ajudando a pisar no freio de arrumação quando
necessário, tanto nas hostes do governo quanto da sociedade.
*Denise Paiva - Pós-graduada em Serviço Social – Assessorias: Ministério da Saúde e Ação Social de Moçambique (1978-1980) - P.M.Juiz de Fora em três mandatos – Gabinete da P.M.São Paulo na Gestão Luísa Erundina (1990-1992) - de 1992 a 2005 junto à Presidência da República e Ministério da Justiça em Brasília – Atualmente é Pesquisadora e Consultora.
Um pedaço de mim apreciou muito o texto, o outro esteve voando pelas lembranças trazidas pela autora! Muito bonito e tocante! Parabéns à autora e ao blog que divulga o trabalho dela!
ResponderExcluirMeu lado povo se sentiu representado,só faltou meu lado gay,rs.
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