terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Denise Paiva* - Eu também subi a rampa

Primeiro dia de 2023. Chovia muito na minha Lima Duarte na Zona da Mata Mineira onde Lula ganhou com 70% de votos. Chovia tanto que o Rio do Peixe inundou parte da Vila Cruzeiro e as estradas que ligam a cidade aos distritos ficaram intransitáveis. Junto com a chuva, aquele friozinho típico das verdes montanhas.

Agarrada ao cobertor liguei na Globo admirando feliz o desenrolar de um dia histórico. Confesso certa ansiedade e um pouco de medo de algo inusitado acontecer vindo das mentes terroristas que semearam ódio no Brasil em nossos tempos. Mas tudo transcorria num clima de paz, de alegria e emoção.

Cheiro de povo, cheiro de esperança, cheiro de solidariedade.

Entrelaçava em minha mente e as vezes se confundiam as imagens do Rei Pelé quando dedicou seu milésimo gol às crianças e seu grito universal LOVE e as imagens da multidão na Praça dos Três Poderes e o ritual da posse de Lula. Agarrada ao zap, trocava mensagens sobre os discursos históricos que com certeza vou reler e ler para minha prole sempre como marco de um novo tempo, especialmente, um tempo de paz e prosperidade para todos.

Analisei o discurso do Rodrigo Pacheco, conciliador, fazendo jus à tradicional vocação mineira.

Cada palavra de Lula no Congresso e o animado apoio dos presentes me levavam em cada instante a conjugar o verbo ESPERANÇAR.

Um vídeo-tape assumiu minha mente teimosa em defender a democracia e os valores socialistas que me acompanham pela vida inteira. Aquele tapete humano vermelho aquecia minha alma e não resisti e ouvi a música ”Meu Coração é Vermelho” na linda voz de Fafá de Belém.

O mar de gente na Esplanada nos faz acreditar na profética frase de Carlos Drummond de Andrade: “Há um cheiro de mudança no ar”, frase que se tornou um mantra na minha juventude quando consagramos do Oiapoque ao Chuí o MDB em 1974 para o Congresso Nacional.

Sementes de democracia e cidadania às vezes pisadas, às vezes em solo infértil, renascem com a força de uma fênix, no primeiro dia de um ano entrante e desabrocham rapidamente exalando seu perfume em flores e frutos. A democracia conjugada com cidadania como bem definiu Lula, INEBRIA e AQUECE!

Já vivi 7 décadas, o couro vai ficando duro e a capacidade de chorar cada vez menor. A razão cada vez mais atropela a emoção e, plagiando o eterno Neruda em “Confesso que Vivi”, confesso que chorei!

Chorei com a subida da rampa, hoje destacada na primeira página do The New York Times. Demagogia? Não! Realismo Fantástico? Talvez. Com certeza grande simbologia de respeito à diversidade e a expressão heterogênea e simples do povo brasileiro. Eu me senti também subindo a rampa do Palácio do Planalto por onde muito transitei nos idos de 1990.

Todos nós temos uma individualidade-inteiridade com vários fragmentos. Há um pedaço em mim que é como uma criança de 10 anos que renasce e às vezes sonha, brinca, canta e se encanta como o garoto Francisco.

A catadora de lixo me emocionou e me fez lembrar os lixos diários de que tenho que desvencilhar e sobretudo os lixos humanos dos quais tenho aprendido a me distanciar.

Olhando o deficiente, vi todas minhas deficiências físicas e intelectuais.

O Cacique Raoni mostrou minhas raízes e origem. Meu avô paterno Juca era um perfeito índio.

A cozinheira me fez exaltar meus dons culinários e o apreço pelo meu fogão de lenha.

O operário metalúrgico me lembrou o meu “eu-operária da burocracia”, nas décadas a fio como servidora pública.

O professor reavivou minhas memórias do magistério e o vigilante atento me resgatou o espírito desperto.

Janja com sua beleza e esplendor espelha o quanto de juventude ainda consigo preservar, especialmente na alma. Até a cachorrinha Resistência me fez pensar no complexo de “vira lata” que Nelson Rodrigues falou e acomete os brasileiros que se refugiam na Flórida.

Eu também subi a rampa e milhões de brasileiros subiram junto, portanto somos todos responsáveis por contribuir para o sucesso do Projeto de União e Reconstrução Nacional que se inicia, inclusive com proposições críticas e ajudando a pisar no freio de arrumação quando necessário, tanto nas hostes do governo quanto da sociedade.

*Denise Paiva - Pós-graduada em Serviço Social – Assessorias: Ministério da Saúde e Ação Social de Moçambique (1978-1980) - P.M.Juiz de Fora em três mandatos – Gabinete da P.M.São Paulo na Gestão Luísa Erundina (1990-1992) - de 1992 a 2005 junto à Presidência da República e Ministério da Justiça em Brasília – Atualmente é Pesquisadora e Consultora.

2 comentários:

Anônimo disse...

Um pedaço de mim apreciou muito o texto, o outro esteve voando pelas lembranças trazidas pela autora! Muito bonito e tocante! Parabéns à autora e ao blog que divulga o trabalho dela!

ADEMAR AMANCIO disse...

Meu lado povo se sentiu representado,só faltou meu lado gay,rs.