quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Elio Gaspari - Lembrem-se do garçom Catalão

O Globo

A vitória produziu emoção, a derrota de 2016, perseguição

A terceira posse de Lula foi pura emoção. A cachorrinha Resistência subiu a rampa, Lula lembrou o golpe do impedimento de Dilma Rousseff e mostrou sua gratidão àqueles que acamparam em Curitiba, debaixo da sala onde esteve preso. Repetiu que governará para todos e, sobretudo, para o andar de baixo. Atento ao andar de cima, nomeou para o Ministério das Cidades o empresário Jader Barbalho Filho, irmão do governador paraense, Helder Barbalho.

A multidão na Praça dos Três Poderes foi coisa nunca vista, sobretudo pela alegria. Havia algo de épico nas cenas. Nada mais épico que a partida de Vasco da Gama para a Índia, e nada melhor que o poema de Luís de Camões para descrevê-la. Mesmo assim, ele colocou na cena do embarque da frota o Velho do Restelo dizendo:

Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

Na partida das naus de Lula 3.0, o PT deve se lembrar do fim do governo de Dilma 2.0. As multidões também iam às ruas, com o objetivo oposto. Dois anos depois, elas colocaram Jair Bolsonaro no Planalto e por pouco não o reelegeram no ano passado.

Em maio de 2016, o Senado afastou temporariamente a presidente Dilma Rousseff, e assumiu o vice, Michel Temer. Três meses depois, o afastamento tornou-se definitivo. Prometendo novos tempos, Temer nomeou o jovem Helder Barbalho, de 37 anos, no Ministério da Integração Nacional. Seu pai, Jader, governou o Pará por duas vezes. Foi também ministro da Previdência e do Desenvolvimento Agrário.

No andar de cima, velho e o novo andam juntos. Às vezes, essa convivência dá um trabalho danado.

Na queda de Dilma Rousseff, centenas de pessoas perderam seus cargos. O “Bessias” do telefonema interceptado ilegalmente pela turma da Lava-Jato, em 2016, deixou a assessoria de assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência. Jorge Messias, servidor de carreira da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, é o novo advogado-geral da União.

Dias depois do afastamento de Dilma Rousseff, cometeu-se um ato de mesquinharia explícita contra o andar de baixo. Acusado (falsamente) de ser petista e de xeretar conversas, foi demitido do Palácio do Planalto o garçom José da Silva Catalão. Ele tinha 52 anos e oito no serviço. Era uma figura popular no quarto andar do palácio. Pediu para ser poupado, trocando de copa, mas não foi atendido. Rua. Ao saber da demissão, Lula telefonou para Catalão, confortando-o.

Na passagem do poder de Dilma Rousseff para Michel Temer, a demissão do garçom foi simbólica, por irreversível. Não custaria que o chamassem de volta, para outra copa. Afinal, boa parte da base de apoio de Dilma estava aninhada no novo governo. Diante da repercussão de seu caso, o garçom recolheu-se.

Catalão foi salvo da rua da amargura pela senadora Kátia Abreu. Semanas depois, ela levou-o para seu gabinete.

A festa petista de 2023 está cheia de projetos, e Jair Bolsonaro contribuiu para a alegria, dando-lhe o prazer de sua ausência. Lula repete que governará para todos. Em oito anos de poder, nunca perseguiu adversário. Bolsonaro fez o contrário, mas isso é passado. No exercício do poder, o problema está no guarda da esquina ou no burocrata prestativo. Não foi Michel Temer quem mandou demitir Catalão, mas o caso do garçom marcou o início de seu governo.

 

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