segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Fernando Gabeira - A invasão dos bárbaros

O Globo

Talvez as pessoas respirem aliviadas. Mas é um engano baixar a guarda. O novo governo atua sob difíceis condições

Toda essa barbárie de hoje não me surpreendeu. No meio da semana, enviei um texto para um grupo de amigos, manifestando minha preocupação. Observando as redes da extrema direita, constatei que estavam em via de mudar de tática. Não haveria mais concentração diante dos quartéis, mas uma tentativa de invadir o Congresso e o Palácio do Planalto.

Citei um vídeo do finado Olavo de Carvalho que circulava intensamente. Nele, o teórico da extrema direita dizia que era preciso compreender que as Forças Armadas não tomariam iniciativa. As iniciativas mais bem-sucedidas de derrubada de governo seriam pela invasão popular de áreas como o Congresso e o palácio do governo.

As condições para atuar em Brasília existiam. A cidade votou majoritariamente na direita, exceto em alguns pontos da Asa Norte. Havia ainda uma pequena resistência diante do Quartel-General do Exército.

As chamadas para a manifestação deste fim de semana foram intensas e vistas em todo o Brasil. Além delas, que pressupunham a tomada do Congresso, Palácio do Planalto e STF, havia um projeto de bloquear dez distribuidoras de combustível, algo que começou a ser feito em alguns lugares.

Era tudo tão claro e me pareceu que foi subestimado. Minha própria advertência no grupo de amigos não foi tema de comentários, pois o foco no momento são as ações do novo governo.

Não me importei, pois achava que, se tudo era claro para mim, seria também para a inteligência do governo, que tem obrigações profissionais de monitorar a extrema direita.

Alguns bloqueios de distribuidoras de combustível falharam. Mas Brasília estava cheia de manifestantes no domingo. Liguei para um amigo que acompanhava, e ele me disse que a multidão estava seguindo para a Praça dos Três Poderes.

Logo em seguida, começou a invasão e a destruição do STF, que ficou em frangalhos. Minha suspeita é que no STF queriam apenas destruir, mas os outros prédios seriam ocupados, na esperança de que a repressão não conseguiria tirá-los de lá. Em último caso, a simples ocupação da Praça dos Três Poderes seria uma espécie de centro de resistência, que mobilizaria o resto do país.

Neste momento, é possível dizer que o golpe fracassou. Mas ficou bastante evidente que a polícia do Distrito Federal, a mais bem paga do país, é ineficaz e conivente. O governador Ibaneis Rocha insistiu em readmitir o ex-ministro de Bolsonaro como secretário de Segurança. Anderson Torres estava nos Estados Unidos, precisamente no dia do assalto aos Três Poderes.

Ficou evidente sua omissão, assim como a do governador Ibaneis Rocha. Mas ficou evidente também que não se monitoram seriamente as redes da extrema direita.

Com a sucessão de prisões e o desmantelamento do golpe organizado, talvez as pessoas respirem aliviadas.

É um engano baixar a guarda. O novo governo atua sob difíceis condições. O fermento de revolta entre os eleitores derrotados ainda é muito grande.

Escrevi um longo artigo sobre o possível comportamento da extrema direita brasileira. Previ, inclusive, a possibilidade de atualização para viabilizar-se democraticamente, como fez Marine Le Pen na França.

Mas, na verdade, a grande inspiração aqui ainda é a extrema direita americana. Os radicais quase evitaram lá a eleição do presidente da Câmara. São chamados de deniers porque não se conformam com a derrota da Trump.

Os negacionistas que se recusam a aceitar a gravidade da Covid-19, a importância da vacina e os efeitos do aquecimento global agora negam também a vitória de Lula nas eleições de 2022.

Além de aprender a lição que não foi aprendida no quebra-quebra de Brasília, onde o cheiro de fumaça continuava no ar, o governo tem de aprender a monitorar a extrema direita. A própria imprensa tem de estar mais atenta aos subterrâneos da extrema direita, pois uma atuação mais direta poderia ter enfraquecido esse assalto às instituições.

 

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