O Globo
Talvez as pessoas respirem aliviadas. Mas é
um engano baixar a guarda. O novo governo atua sob difíceis condições
Toda essa barbárie de hoje não me
surpreendeu. No meio da semana, enviei um texto para um grupo de amigos,
manifestando minha preocupação. Observando as redes da extrema direita,
constatei que estavam em via de mudar de tática. Não haveria mais concentração
diante dos quartéis, mas uma tentativa de invadir o Congresso e o Palácio do
Planalto.
Citei um vídeo do finado Olavo de Carvalho
que circulava intensamente. Nele, o teórico da extrema direita dizia que era
preciso compreender que as Forças Armadas não tomariam iniciativa. As
iniciativas mais bem-sucedidas de derrubada de governo seriam pela invasão
popular de áreas como o Congresso e o palácio do governo.
As condições para atuar em Brasília existiam. A cidade votou majoritariamente na direita, exceto em alguns pontos da Asa Norte. Havia ainda uma pequena resistência diante do Quartel-General do Exército.
As chamadas para a manifestação deste fim
de semana foram intensas e vistas em todo o Brasil. Além delas, que
pressupunham a tomada do Congresso, Palácio do Planalto e STF,
havia um projeto de bloquear dez distribuidoras de combustível, algo que
começou a ser feito em alguns lugares.
Era tudo tão claro e me pareceu que foi
subestimado. Minha própria advertência no grupo de amigos não foi tema de
comentários, pois o foco no momento são as ações do novo governo.
Não me importei, pois achava que, se tudo
era claro para mim, seria também para a inteligência do governo, que tem
obrigações profissionais de monitorar a extrema direita.
Alguns bloqueios de distribuidoras de
combustível falharam. Mas Brasília estava cheia de manifestantes no domingo.
Liguei para um amigo que acompanhava, e ele me disse que a multidão estava
seguindo para a Praça dos Três Poderes.
Logo em seguida, começou a invasão e a
destruição do STF, que ficou em frangalhos. Minha suspeita é que no STF queriam
apenas destruir, mas os outros prédios seriam ocupados, na esperança de que a
repressão não conseguiria tirá-los de lá. Em último caso, a simples ocupação da
Praça dos Três Poderes seria uma espécie de centro de resistência, que
mobilizaria o resto do país.
Neste momento, é possível dizer que o golpe
fracassou. Mas ficou bastante evidente que a polícia do Distrito Federal, a
mais bem paga do país, é ineficaz e conivente. O governador Ibaneis Rocha insistiu
em readmitir o ex-ministro de Bolsonaro como secretário de Segurança. Anderson
Torres estava nos Estados Unidos, precisamente no dia do assalto aos Três
Poderes.
Ficou evidente sua omissão, assim como a do
governador Ibaneis Rocha. Mas ficou evidente também que não se monitoram
seriamente as redes da extrema direita.
Com a sucessão de prisões e o
desmantelamento do golpe organizado, talvez as pessoas respirem aliviadas.
É um engano baixar a guarda. O novo governo
atua sob difíceis condições. O fermento de revolta entre os eleitores
derrotados ainda é muito grande.
Escrevi um longo artigo sobre o possível
comportamento da extrema direita brasileira. Previ, inclusive, a possibilidade
de atualização para viabilizar-se democraticamente, como fez Marine Le Pen na
França.
Mas, na verdade, a grande inspiração aqui
ainda é a extrema direita americana. Os radicais quase evitaram lá a eleição do
presidente da Câmara. São chamados de deniers porque não se conformam com a
derrota da Trump.
Os negacionistas que se recusam a aceitar a
gravidade da Covid-19, a importância da vacina e os efeitos do aquecimento
global agora negam também a vitória de Lula nas eleições de 2022.
Além de aprender a lição que não foi
aprendida no quebra-quebra de Brasília, onde o cheiro de fumaça continuava no
ar, o governo tem de aprender a monitorar a extrema direita. A própria imprensa
tem de estar mais atenta aos subterrâneos da extrema direita, pois uma atuação
mais direta poderia ter enfraquecido esse assalto às instituições.
A extrema-direita endoideceu de vez.
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