O Globo
A invasão do Capitólio deu-se em 6 de
janeiro de 2021. Exatos dois anos depois, tivemos o “nosso Capitólio”.
Lá, Donald Trump,
o presidente golpista, tentou destruir a democracia americana instruindo uma
turba com núcleos de milícias supremacistas a invadir o Congresso, na hora da
oficialização do resultado eleitoral. Aqui, Jair Bolsonaro, o presidente
golpista, fugiu para os EUA após a posse do novo presidente, entregando a seus
articuladores de redes sociais a missão de promover um badernaço.
Os golpistas são todos conhecidos. Nomes e
RGs. Alguns poucos brilham no inquérito do STF. A maioria segue livre, leve e
solta, graças à cumplicidade da PGR (leia-se Augusto Aras)
e da Polícia Federal. Atrás dos cúmplices diretos, avultam as sombras de certo
número de generais, almirantes e brigadeiros que cultivam um sonho maluco de
retorno ao passado.
Na Brasília do “nosso Capitólio”, a cumplicidade direta ficou a cargo do governador Ibaneis Rocha e de seu secretário da (In)Segurança Pública, Anderson Torres, ex-ministro da (In)Justiça bolsonarista. O circo golpista era pedra cantada. Simulou-se proteção policial aos Três Poderes. O contingente diminuto passou horas fingindo cumprir sua função, em meio a selfies com os vândalos. A repressão efetiva só começou no fim da tarde, quando Ibaneis sentiu a água chegar ao seu pescoço.
A intervenção federal na Segurança Pública
do DF é pouco. Soluço quase ridículo. Sem intervenção federal no próprio
governo do DF, teremos desistido de proteger a ordem democrática.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, correu
para acusar Ibaneis. Teria, uma vez na vida, razão completa — não fosse a
circunstância de que a acusação se destinava a desviar os holofotes do
governo Lula.
Sem leniência, o “nosso Capitólio” nunca ocorreria.
Nos EUA, a invasão do Congresso surpreendeu
a todos. Aqui, era segredo de domínio público. Durante semanas, inclusive a
inaugural do novo governo, o ministro da Justiça, Flávio Dino,
clamou pela supressão dos acampamentos golpistas. Contudo a leniência de Lula
travou-lhe o passo.
O presidente resolveu incumbir o ministro
da Defesa, José Múcio, da dissolução dos acampamentos. Múcio engajou-se no
esporte da procrastinação, entregando-se ao papo de aranha (“os atos fazem
parte da democracia”) e mesmo a um vergonhoso tipo de solidariedade com os
golpistas (“tenho amigos e familiares nos acampamentos”). Mas o equívoco de
Lula não foi, exatamente, dar a incumbência a Múcio — foi dá-la ao ministério
errado. As hordas acamparam nas ruas, diante dos quartéis — não dentro deles.
Cabia às forças policiais, não às Forças Armadas, removê-las da cena. Por que a
Força Nacional não agiu?
A resposta encontra-se na inclinação de
Lula à contemporização. O presidente temia confrontar a facção militar
bolsonarista — e, para circundar o problema, deflagrou a “Operação Múcio”. O
certo, institucionalmente, era encarregar Dino de coordenar, sem demora, a
repressão policial. Ninguém duvida de que o governo teria o amparo de Alexandre
de Moraes e da maioria decente do STF para baixar o cassetete da democracia.
O circo do vandalismo golpista desmoraliza,
em definitivo, o bolsonarismo. Quantos dos eleitores de Bolsonaro permanecerão
solidários com seu ídolo, depois do 8 de janeiro de Brasília?
O ponto, porém, é outro. Lula desistirá da
leniência mais escandalosa para não desistir de governar. Os peixinhos pequenos
da baderna serão processados e presos. Talvez caiam alguns peixes médios, como
Anderson Torres, que se expuseram em demasia. Mas e os peixes grandes? Como
fica o cenário para os chefes, os incentivadores, os articuladores, os
financiadores dos acampamentos golpistas?
Nos EUA, fizeram-se mais de 900 prisões — e
o inquérito continua a se alargar. Por aqui, cumpriremos as leis? Ou
escolheremos a célebre “cordialidade brasileira”, na forma consagrada da
conciliação por cima?
Democracia se faz com diálogo — e também
com repressão. O cassetete democrático obedece rigidamente às regras do
processo legal, mas não exclui a prisão. Passa da hora de brandi-lo. Sem
leniência.
Não gosto das 'análises', muito menos, dos 'palpites' de Magnoli. Ele sempre esteve, claramente, ao lado direito 'da via' e SEMPRE crítico à esquerda, houvesse o que houvesse. Não o vi ser tão 'acertivo' contra as inúmeras 'falhas' (pra ser educada) do governo anterior, nem em seu início e, nem, mesmo, durante os 4 anos de desmandos, crimes e etc.; agora, se acha no direito de vaticinar que o novo Governo (com, apenas, 9 dias de posse e, ainda montando sua equipe) atue plenamente - e pior, segundo sua, própria, opinião. Enfim, opinião de Demétrio Magnoli e nada; melhor NADA!!!
ResponderExcluirA culpa agora é do Lula,então tá!
ResponderExcluirAs opiniões de Magnoli são sempre parciais, antiesquerdistas. Sabendo disto, é possível pensar nelas como um tipo de análise/opinião de uma parte da mídia, e ele às vezes nos surpreende, até. Seria melhor nada? Talvez, às vezes certamente sim. No caso de hoje, acredito que ele tem até bastante razão, embora a ênfase final à responsabilidade do Lula seja certamente ilógica.
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