O Estado de S. Paulo.
Sobre Haddad e suas ações recai o peso total de um governo que nos libertou de um pesadelo, mas que ainda engatinha
A primeira semana de 2023 se encerra como
se o ano recém despertasse tal qual um tresnoitado que tenha caído da cama na
madrugada, acreditando já haver Sol. Hoje é Dia de Reis no calendário cristão,
mas já não recordamos a data.
Na voraz sociedade de consumo, vivemos
sempre no amanhã. No Brasil, o novo governo federal desponta como se estivesse
emaranhado nos 37 ministérios criados por Lula da Silva para administrar o
País. Faltam até prédios na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para lá
instalar o primeiro escalão do novo governo.
Aumentar o número de ministérios pode não
obedecer, no entanto, a uma forma de melhor governar, mas, sim, a uma tentativa
de obter (no conhecido “jeitinho” brasileiro) maioria no Congresso.
Pergunto: trata-se do ressurgimento (ou
continuidade) da velha politicalha dominante na partidocracia brasileira?
Para disfarçar, dão a isso a denominação pomposa de “presidencialismo de coalizão”, mesmo que entre em atrito ou colisão com a forma democrática de governar para a totalidade dos cidadãos e não apenas como “moeda de troca” entre os políticos.
A vitória de Lula da Silva, mais do que
tudo, significou a derrota do autoritarismo e desdém administrativo de Jair
Bolsonaro, mas não viajou com o ex-presidente a Orlando, na Flórida, nos EUA,
para lá divertir-se com as invenções de Walt Disney.
A viagem, ou fuga, de Bolsonaro (paga por
cada um de nós) foi apenas a forma com que ele evitou colocar em Lula a faixa
presidencial, símbolo do poder. A cena alternativa, porém, foi a mais bela e
representativa da posse presidencial. Nem a cadelinha “Resistência”, levada
pela primeiradama num gesto inadequado e ridículo, logrou manchar a beleza e
representatividade do grupo que, com o cacique Raoni ao lado de Lula, subiu a
rampa do Palácio do Planalto e, no topo, uma catadora de lixo negra nele
colocou a faixa.
Foi como se o Brasil inteiro colocasse a faixa
no presidente eleito. A ausência de Bolsonaro apenas propiciou algo mais
profundo e simbólico do que a convencional passagem da faixa.
Os discursos de Lula na posse perante o
Congresso e no parlatório, para a multidão, foram a um só tempo uma análise da
situação que vai herdar e um compromisso a cumprir ao longo dos quatro anos de
mandato. As dificuldades expostas foram parcialmente removidas já no “revogaço”
assinado ao dar posse ao Ministério. A anulação imediata das facilidades
criadas por Bolsonaro para o porte de armas e compra de munições foi sábia e
atendeu a uma demanda da sociedade que almeja ser protegida, não matar.
Nos anos de Bolsonaro, até uma rusga ou
discussão no trânsito, tão comum nas grandes cidades, podia redundar em morte.
Bastaria que uma das partes estivesse armada.
Nada, porém, supera o compromisso público
de Lula de desenvolver ações contra a fome, por um lado, e para minorar o
impacto das mudanças climáticas, por outro. A inércia governamental na área de
proteção ambiental nos tempos de Bolsonaro fez o Brasil regredir à condição de
pária entre as nações. Lula foi, inclusive, veemente ao falar da proteção do
meio ambiente. O ministério entregue à experiente Marina Silva foi a mostra
concreta da decisão de acertar.
Por outro lado, Lula recebe agora um Brasil
muito mais problematizado do que aquele que Michel Temer legou a Bolsonaro. Ou,
mais ainda, nada recorda o País que Fernando Henrique Cardoso entregou ao
próprio Lula em 2003.
Os cuidados extremos que cercaram a posse
de Lula e Geraldo Alckmin, em que diferentes corpos policiais se mobilizaram
para evitar eventuais ataques terroristas aos novos governantes, marcaram a
síntese desse Brasil estranho surgido nos quatro anos de Bolsonaro.
Num disparate histórico, o então presidente
da República reinventou a “Guerra Fria” ao insistir no “perigo do comunismo”, e
disso fez seu cavalo de batalha, em diferentes formatos ou cores.
Com isso, tentou desviar a atenção e evitar
o enfrentamento dos problemas profundos, sempre mais difíceis de resolver do
que ideias estapafúrdias lançadas ao vento. Foi assim que vimos Bolsonaro
qualificar a pandemia de “gripezinha” ou, mais adiante, inventar que a vacina
contra covid provocava aids.
O passado já passou e, agora, começa um
momento novo. O Ministério de Lula é heterogêneo e as palavras iniciais do novo
presidente e do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fizeram o dólar subir
e a Bolsa baixar. Em árabe, Haddad significa “ferreiro”, atividade exponencial
no tempo em que se ferravam cavalos e não havia automóveis, mas hoje só usual
nos hipódromos.
Na diversidade do Ministério lulista,
Haddad se perfila desde já como a figura-chave ou o “homem forte”. Sobre ele e
suas ações recai, desde já, o peso total de um governo que nos libertou do
pesadelo bolsonarista, mas que ainda engatinha e molha as fraldas como criança.
Esperar mais do que isso é ir além do
previsível, algo que nem um punhado de pitonisas pode antecipar.
*Jornalista, escritor, prêmio Jabuti de
literatura 2000 e 2005, prêmio Apca 2004, é professor aposentado da Universidade
de Brasília (UNB
O ministério lulista não apenas ainda molha as fraldas como criança, mas está cheio de coisas mais sólidas e fedorentas que também são matéria orgânica a ser devidamente reciclada...
ResponderExcluirGostei do texto, mas achei totalmente desnecessária a opinião do jornalista sobre a presença da cadelinha Resistência.