Folha de S. Paulo
PT golpeia regras do bom debate ao chamar
impeachment de golpe
Mais que democrática, a língua é libertária. É verdade que gramáticos prescricionistas tentam agrilhoá-la a regras, mas sua autoridade não vai muito além das provas de português, um pedaço pequeno da linguagem. No mundo real, cada falante diz o que quer, imprimindo suas idiossincrasias ao idioma. As inovações são então submetidas a um processo de digestão linguística, ao fim do qual algumas mudanças serão incorporadas, e a maioria, rejeitada, não passando de modismos. Já apanhei por escrever isso, mas não existe erro de português. Só o que temos são utilizações mais ou menos adequadas ao contexto.
Isso significa que podemos chamar o Bolsonaro de
genocida, o impeachment de Dilma de
golpe e utilizar linguagem neutra? Com certeza. A questão é em qual contexto o
fazemos. A palavra "golpe", por exemplo, é polissêmica, significando
desde "revés" (recebeu um golpe do destino) até "ruptura
constitucional" (o general deu um golpe de Estado). Se você gosta da Dilma
e ela caiu, pode dizer que sofreu um golpe. Mas, se sua referência é o sentido
jurídico-sociológico de golpe, aí o uso se torna inadequado, já que a
destituição seguiu as regras constitucionais, sob supervisão do ministro
do STF mais
próximo ao PT.
O petista renitente poderá dizer que a
legalidade foi formal, mas não material, já que o crime de responsabilidade a
ela atribuído não existiu ou não justificava a perda do cargo. Talvez, mas aí,
por coerência, precisaríamos acusar o PT de várias tentativas de golpe, já que,
entre 1990 e 2002, apresentou 50 pedidos de impeachment presidencial. Difícil
crer que todos fossem irrefutáveis.
Minha impressão é que petistas apostam nas ambiguidades semânticas para tentar controlar a narrativa. Não é um problema no que diz respeito à sempre libertária língua, mas é uma violação às regras do bom debate, pelas quais precisamos no mínimo definir os termos utilizados.
"... apresentou 50 pedidos de impeachment presidencial. Difícil crer que todos fossem irrefutáveis."
ResponderExcluir"O petista renitente poderá dizer que a legalidade foi formal, mas não material, já que o crime de responsabilidade a ela atribuído não existiu ou não justificava a perda do cargo. Talvez,..."
Não há simetria entre APRESENTAR pedidos de impedimento, relatados pelo autor, q não foram aprovados COM a possibilidade de "ILEGALIDADE material" admitida pelo mesmo autor (o autor usou a palavra "talvez").
Aqui vc forçou a mão, Schwartsman.
"Talvez, mas aí, por coerência, precisaríamos acusar o PT de várias tentativas de golpe, ..."
ResponderExcluirSchwartsman é engraçado. Se acusarmos o PT de tentativas de golpe, o impedimento da Dilma torna-se errado, então? E se não acusados, torna-se certo, então?
Hilário, mesmo.
Eu creio q o impedimento da Dilma foi errado posto q contaminado cf o "talvez" do Schwartsman e isso independe de erros ou acertos de outros casos.
É cada articulista...
Schwartsman admite q "talvez" haja falta de "legalidade material" no impeachment de Dilma mas nega o direito de o PT levantar essa bandeira porque o PT "pode" ter errado 50 vezes antes.
ResponderExcluirInacreditável!
Não faz sentido!
Complicou tudo,rs.
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