Folha de S. Paulo
Direita opta pelo vale-tudo e joga no lixo
estrutura moral
Se o objetivo dos golpistas era dar mais
legitimidade às decisões de Alexandre de
Moraes, conseguiram. Subitamente, as críticas às suas decisões
parecem menos relevantes. Não porque o argumento jurídico subjacente tenha
mudado, mas porque ficou claro que, do lado oposto ao ministro está uma horda
de bandidos e arruaceiros.
A pergunta urgente é por que Alexandre de
Moraes é a única autoridade a dar um basta decisivo em atos violentos contra a
democracia? Todas as outras autoridades —a quem caberia restabelecer a lei— ou
fazem corpo mole conivente ou são paralisadas pelo medo e pela extrema cautela,
cheios de dedos para pedir por obséquio que os manifestantes que façam a
gentileza de voltar a suas casas. Como se uma multidão que reza para um pneu,
implora por golpe de Estado e defeca no prédio do Congresso fosse se deixar
persuadir por um pedido bem-educado.
Seja como for, ainda que unicamente graças ao Supremo, a democracia brasileira resistiu ao pior ataque desde 1964. Prédios foram danificados, mas a vida pública continuará ilesa. Já a direita brasileira foi ferida de forma mais grave.
É preciso reconhecer: nunca houve nada de
patriótico ou admirável no bolsonarismo. Sempre foi uma mistura doentia de
alucinação coletiva e desejos autoritários. O Brasil precisa de uma direita
comprometida com a democracia, e o primeiro passo para isso é condenar
duramente todos os bandidos que participaram da invasão aos Poderes, bem como
repudiar cada um dos influenciadores e lideranças que os estimularam nos
últimos meses.
Agora que os atos falharam, muitos deles,
que seriam os primeiros a saudar os "bravos revolucionários" se a
intentona desse certo, agora se fazem de surpresos e dizem condenar qualquer
violência. Tendo aplaudido e incentivado cada novo passo das organizações
golpistas, fica difícil acreditar que repudiam sua consequência inevitável.
Aliás, a Câmara dos Deputados, num ato inclusive de autodefesa, deveria impedir
a posse ou cassar o mandato de todo representante que tenha aplaudido as
manifestações golpistas. Eles também respondem pela destruição de seu próprio
local de trabalho.
É perfeitamente razoável se indignar contra
a volta de Lula à
Presidência ou contra decisões de Alexandre de Moraes. Mas quem os tenta
derrubar pela violência é muito pior do que eles. É preciso criticar com
verdade e com compromisso democrático inabalável. A vitória há de ser
conquistada nas urnas, não no golpe. E, para isso, a direita precisa ser
exorcizada da paranoia anticomunista, das teorias da conspiração, do ódio à
imprensa, da rejeição à ciência.
A direita representa a liberdade e
responsabilidade individuais, a crença no poder do trabalho, na eficiência
econômica, no realismo com a natureza humana, na importância de criar um bom
ambiente para as pessoas se desenvolverem em vez de tentar —em vão— garantir
tudo a todos.
Prega também o respeito às tradições e à
fé, na certeza de que sem uma estrutura moral não há sociedade que resista. É
essa estrutura moral que a direita bolsonarista jogou no lixo, optando pelo
vale-tudo, inclusive a mentira e a violência, em nome do poder. Ver arruaceiros
entoando hinos gospel enquanto depredavam o Congresso é o sinal de uma profunda
doença espiritual. Os escombros dos prédios de Brasília serão limpos em algumas
semanas. Os da direita vão demorar um pouco mais.
Alexandre de Moraes sempre agiu corretamente,dentro da lei.
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