terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Bruno Boghossian - Combate a extremistas no Brasil vai exigir ação permanente

Folha de S. Paulo

Fim de acampamentos golpistas e prisão de terroristas são apenas o começo

O fim dos acampamentos golpistas é apenas o começo. O combate ao extremismo político no Brasil vai exigir uma ação permanente para sufocar a articulação de grupos organizados para atacar a ordem democrática.

A movimentação desinibida de radicais nos últimos 70 dias, sob a complacência de diversas autoridades, prova que as ameaças à democracia brasileira atingiram um grau de sedimentação que não se restringiu às portas dos quartéis.

Ao longo dos últimos anos, o bolsonarismo consolidou uma linha política que despreza controles institucionais, sobrevaloriza os sentimentos de determinados grupos e reveste de autoridade a vontade de um líder.

Alimentada por informações falsas, expectativas de uso da força e uma rejeição profunda às regras do jogo, essa doutrina foi abraçada por um número considerável de eleitores, líderes religiosos, ocupantes de postos importantes da estrutura do Estado e outros agentes públicos.

A tolerância concedida a esses grupos os incentivou a alargar seus princípios de atuação, posicionando a derrubada da democracia como pilar e admitindo o terrorismo como método.

O enraizamento e a radicalização dessa linha de pensamento são o sinal elementar de que as ameaças não desaparecerão de uma hora para outra.

O afastamento de autoridades coniventes com os ataques de domingo (8), a prisão de terroristas responsáveis pela destruição de prédios públicos e o desmanche das células montadas diante dos quartéis são o passo inicial, mas esse combate depende de uma ação enérgica e duradoura.

Uma investigação ampla vai permitir a identificação de financiadores diretos dos atos em Brasília e de uma rede sustentada em diversos estados do país. Nada indica que essa torneira vai se fechar agora, uma vez que os golpistas permanecem mobilizados.

A responsabilização pelos ataques deve ser aplicada a agentes públicos que tinham o dever de proteger a ordem democrática. Policiais e militares que foram lenientes ou colaboraram com ações extremistas não podem continuar alojados em setores sensíveis do Estado.

Políticos que usaram o mandato para propagar teses radicais, escondidos atrás da imunidade parlamentar e de meias palavras, também precisam responder. A Câmara e o Senado deveriam instaurar processos contra aqueles que incentivaram os atos, além de instituir uma linha de tolerância zero para novos episódios dessa natureza.

O país precisa sufocar o extremismo como plataforma política e decidir se agentes que usam a arena eleitoral para minar a democracia devem permanecer ali. Isso inclui definir se Jair Bolsonaro, que explorou a Presidência para inflamar ataques às instituições, deve manter o direito de ocupar cargos públicos.

A Alemanha, que já vivenciou a derrubada da democracia por radicais, equipou-se para enfrentar novos riscos. Determinados grupos políticos são proibidos no país, e indivíduos que usam seus direitos para atacar a ordem constitucional podem perdê-los.

As Forças Armadas alemãs fazem um monitoramento constante de militares que mantêm laços com radicais. Em 2020, um grupo de elite do Exército alemão foi parcialmente dissolvido depois que foram identificadas mais de 20 suspeitos de extremismo de direita na tropa.

O governo da Alemanha também tem um departamento de defesa da Constituição que, nos últimos anos, vem concentrando suas funções na proteção da democracia no país. A missão permanente desse escritório é liderar atividades de inteligência para identificar ameaças internas.

Em dezembro passado, esse departamento participou de uma operação contraterrorista para desbaratar um grupo que planejava derrubar o governo. A polícia prendeu 25 extremistas que organizavam um ataque armado à sede da Câmara e pretendiam levar ao poder um descendente da família real.

 

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