Correio Braziliense
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres,
que ontem desembarcou no Brasil e está preso, tem muitas explicações a dar
sobre o golpe de Estado que estava em marcha e foi frustrado
Não existe mais dúvida de que houve graves
falhas no sistema de segurança pública, cuja missão era defender a integridade
dos Poderes da República, sem precedentes na nossa história. No imaginário
político do país, até domingo passado, eram inimagináveis as cenas de
vandalismo protagonizadas pela extrema-direita bolsonarista, com a invasão e a
depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Entretanto, tudo foi planejado, não era uma turba enfurecida em ação na Esplanada; eram militantes políticos mobilizados de vários estados e orientados para provocar o caos, desestabilizar o governo empossado e promover uma intervenção militar para destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito.
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que, ontem,
desembarcou no Brasil e está preso, tem muitas explicações a dar sobre o golpe
de Estado que estava em marcha e foi frustrado. A minuta de decreto para
instaurar o "estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE)" e mudar o resultado das eleições de 2022, que a Polícia Federal
(PF) encontrou na casa dele, era o elo que faltava entre os diversos fatos
ocorridos desde 30 de outubro, quando a Polícia Rodoviária Federal, sob sua
jurisdição, montou barreiras de fiscalização nas estradas para dificultar o
acesso de eleitores às seções de votação, e os fatos lastimáveis de domingo.
Nesse ínterim, houve o pedido de anulação
do segundo turno das eleições pelo PL, o quebra-quebra em Brasília no dia da
diplomação de Lula, o frustrado atentado a bomba nas imediações do Aeroporto JK
e tensão na troca de comando das Forças Armadas.
Anderson Torres não é um personagem
subalterno, embora não seja reconhecido como grande jurista, ao contrário de
outros ministros da Justiça que se prestaram ao papel de "legitimar"
golpes de Estado, como Francisco Campos, em 1937, que idealizou e redigiu a
Constituição outorgada por Getúlio Vargas em novembro daquele ano, a Polaca,
após o golpe do Estado Novo.
Com o Congresso Nacional fechado e a
decretação de rigorosas leis de censura, Vargas pôde conduzir o país sem que a
oposição pudesse se expressar de forma legal — como gostaria o presidente Jair
Bolsonaro —, e Luís Antônio da Gama e Silva, que suspendeu a frente ampla
formada por políticos como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart,
que já haviam sido cassados, e redigiu o AI-5, ato que institucionalizou o regime
militar.
Momento delicado
Como se sabe, o AI-5 autorizava o
presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação
judicial, a decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e
municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por 10 anos, os direitos
políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados
ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus.
No mesmo dia da decretação do ato, o
Congresso Nacional foi fechado por tempo indeterminado. Só em outubro de 1969
seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici
para a Presidência da República. Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11
deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano
Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não
só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal.
O momento que estamos vivendo é muito
delicado, porque não se sabe até onde as investigações sobre os fatos ocorridos
no domingo vão chegar e quem são os demais envolvidos na cúpula do governo,
inclusive militares. O ex-presidente Jair Bolsonaro não reconhece a vitória do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, insiste na narrativa de que as urnas
foram fraudadas e mantém sua liderança sobre os grupos de extrema-direita que
patrocinaram o quebra-quebra de domingo.
São forças organizadas em rede, que mantêm
a narrativa golpista e ainda têm grande capacidade de mobilização. Forças que
apostam na truculência e dispõem de milícias políticas cujo comportamento pode
derivar para ações terroristas e armadas, como no caso do frustrado atentado a
bomba e da sabotagem de linhas de transmissão de energia.
Diante desses fatos, as forças democráticas
que se posicionaram em apoio ao presidente Lula, particularmente no segundo
turno, têm grande responsabilidade, porque há um cenário de grandes
dificuldades econômicas e instabilidade política que precisam ser superados
para que o país possa voltar a ter uma vida normal.
O apoio das forças que compõem a ampla
coalizão de governo, independentemente de idiossincrasias pessoais e
divergências políticas pontuais, é fundamental para a defesa da democracia. De
outra parte, o presidente Lula e o PT têm a responsabilidade de fazer por onde
para merecer esse apoio, sem o qual o governo não terá a menor chance de dar
certo.
O momento é dramático porque essa turba vai continuar atuando.
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