O Globo
Trabalho de Edmar Bacha mostra a
importância da democracia para o desenvolvimento econômico
Num momento em que a democracia no Brasil
está sob ataque, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Real e membro da
Academia Brasileira de Letras, escreve um importante trabalho sobre a relação
da democracia com o desenvolvimento econômico, a ser publicado no próximo
número da Revista Brasileira, veículo oficial da ABL.
Com base em diversos estudos e dados de órgãos internacionais, como o Banco Mundial, Bacha afirma que "nem a experiência brasileira, nem as comparações internacionais sustentam a ideia de que a autocracia tenha superioridade sobre a democracia para promover o crescimento econômico". Ao contrário, as comparações internacionais sugerem que a democracia se associa à passagem de um país de renda média, como Brasil, para a renda alta.
A classificação adotada pela Matrix da
Democracia da Universidade de Würzburg identifica cinco regimes políticos no
mundo: democracias funcionais, democracias deficientes, regimes híbridos,
autocracias moderadas e autocracias plenas. Em 2019, com base nessa
classificação, de 179 países, 83 tinham o status de democracias, sendo 37
funcionais e 46 deficientes (incluindo o Brasil). No extremo oposto,
encontravam-se 55 autocracias, sendo 34 moderadas e 21 plenas. No meio, havia
41 regimes híbridos que combinam elementos democráticos e autocráticos. Quase
metade dos países do mundo têm regimes democráticos, mas apenas pouco mais de
um quarto da população mundial vive em democracias. Os pesos da autocracia da
China e do regime híbrido da India na população mundial explicam esse desbalanceamento,
explica Bacha.
Embora pouco se possa dizer sobre a relação
da democracia com o PIB per capita para níveis baixos de renda, Bacha ressalta
que a ´partir de US$ 10 mil per capita há uma associação positiva da democracia
com a renda per capita. "Em particular. fica a sugestão de que a superação
da armadilha da renda média está associada ao aperfeiçoamento democrático dos
países".
Em seu estudo, ele separou 164 países,
ordenados por nível de renda, divididos em três grupos com praticamente o mesmo
número de países.O grupo de renda alta compreende 54 países com PIB per capita
de até US$ 7,3 mil; o de renda média, 54 países com PIB per capita de mais de
US$ 7,3 mil até US$ 22,1 mil (caso do Brasil, que tem US$ 14,7 mil); e o de
renda alta, 55 países com renda per capita de mais de US$ 22,1 mil. "A
democracia funcional é o regime dominante no grupo de renda alta, e representa
parcela pequena dos outros dois grupos", destaca Bacha, enquanto no de
renda média, a democracia deficiente é o regime prevalecente.
Já no grupo de renda baixa, três regimes
aparecem como importantes, em ordem decrescente: democracia deficiente, sistema
híbrido e autocracia moderada.Uma relação clara entre democracia e
desenvolvimento econômico aparece em texto seu recente, em que identifica 12
países no pós-guerra fizeram a transição da renda média para se incorporarem
aos países ricos. Esses países são os chamados tigres asiáticos: Cingapura,
Coreia do Sul, Hong Kong, Israel e Taiwan; membros da União Europeia: Espanha,
Grécia, Irlanda e Portugal; e exportadores de produtos primários: Austrália,
Noruega e Nova Zelândia.
"Uma característica comum a eles é seu
alto grau de abertura ao comércio exterior. Outras características são
populações médias ou pequenas (5 a 50 milhões de habitantes) e baixa
desigualdade da distribuição de renda. Não há entre eles autocracias e, afora
os regimes híbridos de Cingapura e Hong Kong, são todos países
democráticos."
Não vale a pena, assim, entreter ilusões
autoritárias do tipo de "se eu fosse ditador por um dia". Vale mais a
pena nos dedicarmos a aprimorar a qualidade das políticas públicas para que
nossa democracia possa mais efetivamente responder ao anseio dos brasileiros
por melhores condições de vida, conclui Bacha.
Ditadura e tortura nunca mais.
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