quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Merval Pereira - Batendo cabeça

O Globo

Governo está emitindo sinais desconexos e o mercado está reagindo mal

Faz bem o presidente Lula de aproveitar a primeira reunião ministerial amanhã para dar um freio de arrumação em seu ministério. Esse novo governo está batendo cabeça em público desde o primeiro dia. É preciso dar uma organizada nessa falação toda, impedir que a empolgação de ter voltado ao poder provoque os estragos que vem provocando.

Não se trata de receio do “mercado”, mas de evitar prejuízos econômicos concretos numa economia de mercado devido a uma palavra mal colocada. E, se ela foi colocada com segundas intenções, pior ainda. Não custa recordar as palavras do economista Gustavo Franco, anos atrás, quando disse:

— Goste-se ou não, o mercado é a forma mais eficiente e influente de expressão da opinião pública, e transparência é tudo quando se trata do funcionamento do mercado.

Para ele, uma coisa é certa:

— Quanto mais distantes do mercado estiverem as relações entre o público e o privado, quanto mais discricionárias as decisões, e quanto menor a transparência, maior será a corrupção.

Pois os mercados estão reagindo mal a diversas falas de membros do primeiro escalão do novo governo petista, basicamente pelos sinais desconexos que vêm emitindo, mas também por declarações que indicam um governo em que a política partidária superará as diretrizes econômicas. Não tem nenhum sentido, por exemplo, refazer reformas que já foram aprovadas, como a previdenciária e a trabalhista.

Além do mais, o governo não tem maioria no Congresso para mudar nada, mesmo que sejam as leis trabalhistas, que não precisam de reforma constitucional. O que dizer, então, da reforma da Previdência, que precisa de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), com quórum qualificado? A questão é que os ministros Carlos Lupi, da Previdência, e Luiz Marinho, do Trabalho, estão fazendo sua política própria, não a do governo.

Lupi chegou ao cúmulo de afirmar que o sistema previdenciário brasileiro não está quebrado, afirmação já desmentida pelos números. Durante a campanha, o vice-presidente Geraldo Alckmim garantiu, em nome do governo, que não haveria revisão das reformas. Declarações como essas fazem a alegria dos petistas, mas colocam uma pulga atrás da orelha daqueles que, sem serem petistas, votaram em Lula para evitar Bolsonaro.

Essa série de erros para que cada um reinvente a roda deverá arrefecer, mas o governo está batendo cabeça, e a desconfiança sobre o governo Lula não foi dissipada por nenhum dos discursos dos ministros mais importantes. Há até alguns exemplos de que a política se sobrepôs à decisão econômica, como nos subsídios dos combustíveis, em que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, superou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Até entendo que, para um governo novo, não apenas o de Lula, cortar o subsídio no primeiro dia seria um perigo para sua popularidade, podendo até mesmo afetar o equilíbrio social, com certos grupos, como os caminhoneiros, reagindo com greves e boicotes. Mas fizeram tudo errado. O ministro Haddad chegou a pedir que o governo Bolsonaro não prorrogasse os subsídios, insinuando que a prorrogação seria uma retaliação ao governo eleito.

Atendidos, agora eles é que prorrogaram, alegando que precisam analisar a situação antes de tomar uma decisão. A tentativa de mudança da Agência Nacional de Águas (ANA) como reguladora do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, causando insegurança jurídica para os que ganharam a licitação do saneamento, foi outra mancada que teve de ser consertada, mas que indica que setores petistas descontentes já começam a tentar impor suas ideias. Todas as desconfianças do mercado, e de quem votou em Lula não sendo petista, estão sendo alimentadas pelos erros do próprio governo.

 

4 comentários:

  1. Anônimo5/1/23 10:58

    "Brasília nesta transição de poder está tomada de emoção e está intensa. Posses, discursos, mudanças, declarações, conflitos, acertos e erros, tudo ao mesmo tempo. É um daqueles momentos em que a História se acelera. Toda a transição de poder tem seus fortes simbolismos, mas essa ocorre depois de um longo padecimento do país e de um ataque direto à democracia."
    Míriam Leitão, hoje

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  2. Anônimo5/1/23 17:36

    Lula deve saber usar o seu trânsito em jatinhos e entre os necessitados.
    Não se pode pautar em dar osso ao mercado e picanha ao pobre.
    Quando perguntaram a Olof Palme, primeiro-ministro sueco, se ele queria acabar com os ricos, ele respondeu que gostaria de acabar era com a pobreza.
    Kennedy em seu legendário discurso de posse disse: não pergunte o que seu país pode fazer por vc. Mas o que vc pode fazer por seu país.
    Ambos tiveram trágico fim.
    O poder é traiçoeiro.

    Gostaria de ter uma análise,pelos anos de janela do Merval, do PT na câmara com as correntes Gleize e Zé Dirceu.

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  3. Anônimo5/1/23 20:46

    Copiando o Bozo diminuindo a arrecadação vamos voltar ao tempo de atraso de salários nos estados. Pena que o Lula não tenha capacidade de criar, mas que a tudo copia.

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  4. Merval não dá mole,cobra mesmo.

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