O Globo
Suprema Corte se antecipa a possíveis
retaliações do Congresso e decide mudanças no regimento interno
Em várias partes do mundo democrático as
Cortes Supremas estão sendo contestadas pelo poder político, seja por governos
de esquerda, como na Argentina, seja por direitistas, como em Israel. Trata-se
do poder eleito enfrentando o não eleito, que interfere cada vez mais. No
Brasil, prosseguimos com uma disputa ferrenha entre o Supremo Tribunal Federal
(STF) e ativistas de extrema direita, que começou com a instalação, em 2019, de
inquérito sobre fake news atingindo a honra de ministros do Supremo, e se
desdobrou em outro, das milícias digitais.
As reações contrárias no Executivo e no Legislativo foram intensas, capitaneadas pelo ex-presidente Bolsonaro. Na Câmara e no Senado, diversos projetos foram apresentados, tanto para tolher decisões monocráticas dos juízes quanto para encurtar-lhes o período de permanência na Corte, e até mesmo pedidos de impeachment contra vários ministros, especialmente Alexandre de Moraes.
O ministro comanda com mão de ferro os
inquéritos, essenciais para desbaratar esquemas antidemocráticos organizados e
financiados como parte de um golpe ditatorial alimentado pelo próprio
presidente da República. Decisões monocráticas de quebras de sigilos bancários
e telemáticos, prisões e bloqueios nas redes sociais vão se sucedendo, sem que
se tenha notícia de provas que as justifiquem, pois os inquéritos correm sob
sigilo. Embora tenha se mostrado de grande valia na defesa da democracia, o
Supremo tem extrapolado nas medidas adotadas em decorrência da investigação
sobre fake news e milícias digitais. Nos dois casos, as razões são legítimas e
os resultados mostram-se benéficos ao país, mas quem controla o controlador?
Antecipando-se a possíveis retaliações do
novo Congresso, mais reacionário que o atual, o próprio STF decidiu mudanças no
regimento interno que representam avanço, reforçando a decisão coletiva em
detrimento de medidas monocráticas. Medidas cautelares de natureza cível ou
penal devem ser submetidos ao Plenário ou às turmas em casos envolvendo "a
proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação" ou para
"garantir a eficácia da ulterior decisão da causa".
Em caso de urgência, o relator pode decidir
sozinho, mas deve submeter sua decisão imediatamente ao colegiado para
referendo. A medida precisa ser reavaliada pelo relator ou pelo colegiado
competente a cada 90 dias. O ministro que pedir vista deve devolver os autos em
até 90 dias corridos, para que a votação seja retomada. Se isso não acontecer,
o caso será automaticamente liberado para análise, mesmo sem o voto do
ministro.
Juristas e constitucionalistas concordam
que a liderança da presidente do Supremo, ministra Rosa Weber vai ser
fundamental para a aplicação das mudanças, pois ela preza a colegialidade.
Esses problemas já haviam sido identificados, e extensivamente mapeados pela
Academia há mais de uma década. O projeto “Supremo em Números”, criado na FGV
do Rio pelo jurista Joaquim Falcão, a partir de 2009, é talvez o mais conhecido
deles.
Diego Werneck, que participou do projeto e
hoje está no Insper, ressalta que “os pedidos de vista demoravam na média muito
mais, mas também havia grande diferença entre os ministros. Ficou muito
evidente uma falta de padrão de comportamento, muita coisa no Supremo depende
da virtude de cada ministro”. O Supremo, para ele, tem dois problemas que se
cruzam, são dilemas independentes.
Um é o poder individual, inclusive de
agenda, para ministros que, sozinhos, conseguem fazer muita coisa. Outro problema
é a absoluta falta de prazo para decidir as coisas. “Essas regras agem sobre o
primeiro problema, não sobre o segundo”. O Supremo não é muito afeito a seguir
normas regimentais, mas o constitucionalista Gustavo Binembojm acha que houve
uma evolução ao admitir problemas, mas o importante vai ser como os ministros
interpretarão as medidas.
O resultado prático, por exemplo, no que se
refere às medidas monocráticas, seria maior se só tivessem eficácia depois de
confirmadas pelo plenário. Como o texto não é ainda conhecido, a definição de
“urgência” será fundamental. Binembojm acha que a eficácia do prazo de 90 dias
dado para que um pedido de vista volte a ser julgado pode ser prejudicada pelo
que se chama no jargão jurídico “prazo impróprio”, isto é, não há consequência
prática da medida.
O Supremo atuou muito bem durante a gestão de Bolsonaro.
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