O Globo
O destino dá agora a Lula chance de fechar
(?) seu ciclo político de maneira diferente daquela que o levou para a prisão
Começa hoje mais um capítulo da formidável
saga de vida de um nordestino que chegou à presidência da República num país
injusto e desigual graças a um senso político nato inigualável. Como toda saga,
a de Lula teve necessariamente altos e baixos, e sua ação marcou a história do
país, para o bem e para o mal. Por tramas do destino, que nem sempre lhe foi
favorável, saiu da cadeia para voltar ao poder representando, mesmo para
aqueles que nunca haviam votado nele, a alternativa viável para a defesa da
democracia.
A mesma democracia que seu partido e as alianças que forjou, paradoxalmente, feriram ao permitir um ambiente de corrupção política na tentativa de controlar o Congresso. Ser a alternativa a um governante perverso e incompetente não seria em si grande coisa, mas o fato é que sua vitória para um terceiro mandato só ocorreu por ter sido ele o único candidato capaz de reunir em torno de si forças da sociedade que o tornaram majoritário sem que seu partido o fosse, e sem que muitos dos que votaram nele tenham superado restrições graves por conta do mensalão e do petrolão.
Sua história de vida, no entanto, sua
genuína preocupação com os mais pobres, sua brasilidade, permite que seja
possível esperar que não repetirá os erros que cometeu, mesmo que não os
admita. Quando, em 2003, não aceitou o acordo que o então todo poderoso Chefe
da Casa Civil José Dirceu havia feito, e recusou a presença do PMDB no primeiro
ministério, agiu de acordo com uma visão política correta, de quem viu “300
picaretas” no Congresso depois de ser deputado federal. Não resistiu, porém, às
necessidades pragmáticas da política do cotidiano. Cometeu o erro de resolver o
problema com a visão política do sindicalismo de resultados, dando aos partidos
políticos a chave do cofre das estatais.
Hoje, poder e dinheiro andam de mãos dadas,
graças aos esquemas dos governos petistas, exorbitados pela renúncia de
Bolsonaro que, antes mesmo de abandonar o país rumo à Disney, havia aberto mão
do controle do orçamento para o Centrão. Bolsonaro trabalhou com a expectativa
de outro poder, o ditatorial, e falhou. Lula tem uma visão hegemônica da
política, e se acha o único que tem a solução dos problemas. Tanto que fez de
Dilma sua sucessora, na certeza de que a governaria, e depois retornaria ao
poder. Ledo engano.
O destino dá agora a Lula chance de fechar
(?) seu ciclo político de maneira diferente daquela que o levou para a prisão.
Já conseguiu recuperar a reputação oficial com a anulação de suas condenações e
a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar o então juiz Sérgio
Moro parcial. Conseguiu vencer uma eleição difícil, tanto pelo antipetismo
decorrente dos escândalos passados, quanto pelo uso indiscriminado do poder
público para reeleger Bolsonaro.
Se fosse outro o candidato, Bolsonaro
provavelmente estaria entre nós, e não em fuga. Antes mesmo de começar o
terceiro mandato, Lula já demonstrou sua capacidade de negociação política
dentro da disfuncionalidade de nosso presidencialismo de coalizão. Teve que
aceitar o orçamento secreto, essa excrescência como bem definiu, mas agora já
está liberado pelo STF para não precisar se submeter à chantagem política do
presidente da Câmara, Athur Lira.
Colocou políticos na distribuição de cargos
do primeiro escalão, esperemos que sem a contrapartida fisiológica, poder em
vez do dinheiro. Ou verba bem alocada, que resulte em resultados eleitorais
pelo bem que trouxerem. Cercou-se de petistas nas áreas mais importantes, como
Fazenda, Gabinete Civil, Educação, Desenvolvimento Social. Mas encontrou lugar
para nove partidos, uma distribuição de cargos que corresponde ao poder
político de cada um deles. E à ideia de “frente ampla” de sua candidatura.
Em que pesem vários nomes políticos que não
parecem ter estatura ou currículo, a qualidade do ministério pode ser medida
pela comparação: Nísia da Silveira na Saúde, com Pazuello; Camilo Santana, na
Educação, com a experiência exitosa no Ceará, e o pastor Milton Ribeiro; Flávio
Dino com Anderson Torres; Marina Silva com Ricardo Salles, da Defesa, José
Múcio Monteiro com o General Paulo Sérgio; Mauro Vieira no Itamaraty com
Ernesto Araujo, e a volta dos ministérios da Cultura, com Margareth Menezes; do
Planejamento, com Simone Tebet; da Indústria e Comércio com Geraldo Alckmin. O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dado declarações consistentes com a
necessidade de equilíbrio fiscal, embora a PEC da Transição tenha passado
perigosamente do que seria razoável.
Abre-se um novo caminho.
Feliz Ano Novo a todos.
Que seus artigos nos proporcionem sempre uma resenha do passado e uma perspectiva do futuro.
ResponderExcluirNão podemos no presente perder nosso foco no país que merecemos ter.
Feliz Ano Novo, Merval.
O mervalismo de Merval Pereira é uma espécie de bolsonarismo jornalístico, mais precisamente na semelhança do viés perverso que contém, mesmo quando fala do veneno da perversão
ResponderExcluirUma análise sensata de Merval.
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