Valor Econômico
Os crimes do último domingo precisam ser
respondidos, mas não podem justificar atrasos na agenda do governo
Os primeiros dias da atual gestão
reforçaram a avaliação de que todo o início de governo é marcado por atropelos
e desacertos, mesmo com o presidente eleito já tendo ocupado igual posição no
passado. Além da adaptação aos trâmites burocráticos dos novos cargos, os
membros do gabinete ministerial precisam começar a definir seus planos de ação,
bem como participar de ferrenhas negociações para a escolha de auxiliares do 2º
e 3º escalões do seu ministério. Esse ambiente é fértil para comentários que
não necessariamente estão alinhados com as prioridades do presidente, gerando
crises que poderiam ser facilmente evitadas.
As manifestações violentas do último domingo em Brasília tornaram este início de governo ainda mais inusitado, pois não é comum haver protestos tão cedo, mesmo considerando uma eleição presidencial com resultados tão apertados.
A menos da rejeição da sociedade aos atos
de vandalismo, é prematuro determinar os principais impactos das manifestações
do último domingo. De antemão, parece claro que o efeito imediato dos atos
criminosos será a perda de apoio, pelo menos provisoriamente, dos políticos de
direita mais radicais.
Discordo, porém, da leitura de que o
governo sai fortalecido após esses eventos. Não me parece que a construção nos
próximos meses de uma coalizão de apoio no Congresso tenha se tornado mais
simples. MDB, PSD e o União Brasil, que aderiram parcialmente ao governo com a
indicação de representantes para cargos no 1º escalão, dificilmente atrairão no
curto prazo parlamentares de direita de outros partidos a ponto de garantir,
junto com as agremiações que apoiaram Lula no 2º turno, a fácil aprovação de
propostas que exijam maioria constitucional. Assim, o presidente continuará
tendo de negociar os cargos de 2º e 3º escalões levando em consideração a
capacidade dos escolhidos de amealhar votos no Senado e na Câmara dos Deputados
para as propostas do governo.
Os protestos e a destruição do patrimônio
público em prédios representativos dos Três Poderes podem alterar, ao menos no
curto prazo, o balanço de poder nos partidos que pertenciam ao núcleo de apoio
do governo Bolsonaro. Os políticos mais afinados com o discurso do
ex-presidente perderão força, abrindo espaço para que os demais congressistas
desses partidos busquem uma eventual adesão ao governo, com a indicação de
nomes para o 2º e o 3º escalões.
Por outro lado, além das esperadas objeções
por parte dos seus aliados de primeira hora contra as indicações feitas por
parlamentares de centro e de centro-direita, Lula evitará ainda mais as
conversas com parlamentares que tenham apoiado, de alguma forma, atos não
democráticos.
Um efeito correlato é o da possibilidade de
composição de uma gestão mais plural, com a incorporação de políticos de várias
vertentes levando ao fortalecimento da sustentação do governo no Congresso -
não significa que será mais fácil avançar com pautas como as da defesa da
diversidade. A formação da equipe, portanto, tomará tempo e não será
provavelmente concluída até o fim deste mês, conforme anteriormente previsto
pelo presidente.
A negociação é justificável, mas embute
riscos. A pressa para ocupar a maior parte do enorme número de cargos no
governo, inclusive por indicação de partidos que não fazem parte da base
aliada, pode permitir que os filtros existentes não impeçam a escolha de nomes
sem reputação ilibada. Apesar de o presidente já ter afirmado que substituirá
os indicados com comportamento inadequado aos cargos públicos, de forma a
afastar ilações sobre o acobertamento de malfeitos, a história ensina que o
afastamento só ocorre após pressões insustentáveis e provas irrefutáveis,
quando a confiança no governo já diminui muito.
Nesse ambiente, é possível que a
implementação de novas políticas públicas seja relegada para um 2º plano. Isso
não é, porém, um fator impeditivo ao anúncio de ações para remediar, por
exemplo, as críticas ao descontrole fiscal, não sanadas pelos comentários do
presidente de que seus mandatos anteriores primaram pela responsabilidade
fiscal nem pelas alegações do ministro da Fazenda de que serão implementados
ajustes para equilibrar as contas públicas.
O governo parece desconsiderar que a
ampliação do déficit público previsto para 2023, independentemente das razões,
e a postergação de medidas que atestem a sua promessa de controle da dívida
pública incentivam a manutenção de projeções de baixo crescimento e a alta das
previsões de inflação, já acima das metas dos próximos anos. Nas últimas quatro
semanas, as projeções de inflação IPCA do Focus aumentaram de 5,08% para 5,36%
em 2023, de 3,50% para 3,70% em 2024 e de 3,02% para 3,30% em 2025. Essa
trajetória gera maiores questionamentos sobre os fundamentos do país,
consolidando cenários mais nebulosos.
Lula reduziria a incerteza caso indicasse o
objetivo de cumprir, qualquer que seja o arcabouço fiscal a ser anunciado
adiante, uma meta de resultados primários crescentes nos próximos anos,
convergindo para 2,5% do PIB em 2026, bem como limites para a expansão de
algumas despesas. Isso diminuiria a urgência da definição do arcabouço que
entrará em vigor a partir de 2024 no lugar da Regra do Teto dos Gastos.
Em suma, a equipe ministerial parece se
fiar equivocadamente na leitura de que as ações nos primeiros meses do governo
têm pouco impacto no curto prazo, não sendo, portanto, urgentes. Essa avaliação
desconsidera, entre outros temas, o papel da confiança sobre os fundamentos
correntes. Os crimes do último domingo precisam ser respondidos com o rigor da
lei, mas não podem justificar atrasos na agenda do governo. Em vez de conviver
com discussões não alinhadas com suas prioridades, o presidente melhor faria se
anunciasse medidas efetivas que aumentem a confiança da sociedade e que mostrem
com maior clareza as políticas a serem implementadas nos próximos anos. Só
assim o Brasil começará a se desvencilhar dos tropeços da última década.
Tenho receio das velhas idéias dos velhos economistas como o autor desse 'X-Tudo'
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