sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

A condenação aos golpistas une os brasileiros

O Globo

Pesquisa de opinião aponta que apenas 3% da população diz ser a favor de invasões em Brasília

A esmagadora maioria dos brasileiros condena os ataques golpistas. Que os inimigos da democracia eram uma minoria já era sabido. Na quarta-feira, o Datafolha publicou uma pesquisa de opinião realizada em todo o Brasil que deu uma dimensão da pequenez desse grupo. Nove em cada dez (93%) dos entrevistados dizem ser contra as invasões realizadas em Brasília no domingo. Não mais do que 3% afirmam ser a favor. Entre os que votaram em Jair Bolsonaro, o apoio aos golpistas não passa de 10%.

Os adjetivos mais usados para classificar os invasores são vândalos, terroristas, irresponsáveis, criminosos e baderneiros. Na opinião de 77%, haverá punição para aqueles que estão sendo identificados. O mesmo percentual acredita que os financiadores deveriam ser presos.

A sustentação popular à democracia serve como esteio às instituições responsáveis por garantir o cumprimento da Constituição. Sem o apoio do povo, a democracia seria uma vítima frágil para os golpistas. Não é. Para a sociedade brasileira, ficou claro que o embate diante do país é entre quem acredita no sistema democrático e quem quer a sua destruição. A disputa não se dá mais entre os apoiadores desse ou daquele candidato. Isso foi em outubro.

Em momentos de grave crise, é indispensável relembrar o básico. A democracia não garante a eleição dos melhores candidatos. Desde que os brasileiros reconquistaram o voto direto, o país teve governos bons, medianos e ruins. O que a democracia assegura é a resolução pacífica das divergências e o direito dos eleitores de fazer novas escolhas. É essa valiosa conquista que agora está sob ataque.

A raquítica minoria radical ainda precisa entender que não existe democracia sem perdedores. Voltar à oposição é parte inescapável do jogo. Quem se recusa a reconhecer uma derrota é, independentemente da ideologia, um autoritário, mesmo que jure ser o contrário. Qualquer um pode dizer ser um democrata. O nome oficial da Coreia do Norte é República Popular Democrática da Coreia. O que conta é o que cada um faz.

Em sociedades livres, o conflito é inevitável. Afinal, a democracia é baseada em liberdade e, por isso, funciona como palco onde diferentes pontos de vista são defendidos. Há, porém, regras para que funcione. Como ficou evidente a todo o país, os golpistas que assaltaram Brasília atropelaram todas elas.

Como chegaram a esse ponto? Os radicais absorveram de forma acrítica o discurso populista e enganador de Jair Bolsonaro. Se ele é a voz do “verdadeiro” povo, representante fiel da moralidade e da justiça, se fala em nome de Deus e da pátria, como pode ter perdido a eleição? A resposta falaciosa para essa contradição aparente são as teorias conspiratórias contra o sistema eleitoral. Daí para o pedido de intervenção militar e a violência é um pulo.

Todas essas considerações soam como platitudes, comparáveis à preleção de professor de jardim de infância ensinando alunos a respeitar a fila. O fato de ser necessário ressaltá-las demonstra o nível de descolamento da realidade da minoria radical bolsonarista. Em nome da democracia, esse delírio coletivo deve ser estancado e punido.

É bem-vindo o compromisso do novo governo em esclarecer caso Marielle

O Globo

Não importa se o crime que ocorreu há cinco anos será investigado no Rio ou em Brasília, mas que seja apurado

Um dos momentos marcantes da posse de Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial, na quarta-feira, foi quando lembrou a morte da irmã, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 14 de março de 2018. O assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, completará cinco anos sem que haja respostas adequadas. Ao assumir o cargo, no dia 2, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que esclarecer o crime é “questão de honra” e defendeu a federalização das investigações, hoje a cargo do estado do Rio.

Cerca de um ano depois do crime, a Delegacia de Homicídios da Capital e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) prenderam o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, apontados como executores de Marielle e Anderson. Segundo as investigações, Lessa foi responsável pelos disparos, enquanto Queiroz dirigiu o Cobalt que perseguiu o carro das vítimas. Eles foram denunciados pelo duplo assassinato e pela tentativa de homicídio de uma assessora da vereadora. Mantidos em presídios federais, ainda não foram julgados.

Não é a primeira vez que se cogita levar a apuração para Brasília. Em setembro de 2019, diante de tentativas de obstrução das investigações, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ ) a federalização do caso. Em maio de 2020, porém, ministros da Terceira Seção do STJ negaram por unanimidade o pedido. Entenderam que havia avanços na elucidação do crime, não existindo justificativa técnica para a mudança.

O esclarecimento do caso Marielle é um dos maiores desafios com que a polícia e o Ministério Público do Rio já se depararam. Falsas pistas, falsas testemunhas, eliminação de provas, interferências políticas, tudo contribuiu para dificultar as investigações. O mandante, seja lá quem for, encomendou o crime a matadores profissionais, com passagens pela polícia e larga experiência em ocultação de provas. As armas usadas pelos bandidos jamais foram encontradas — teriam sido jogadas no mar —, e o Cobalt utilizado na noite do crime desapareceu como num passe de mágica. Vários mandantes já foram apontados, mas nenhuma prova consistente foi apresentada contra eles.

O assassinato de Marielle e Anderson atingiu em cheio o Estado Democrático de Direito. Quinta mais votada para a Câmara do Rio, Marielle exercia um mandato outorgado pelo povo. Foi calada de forma brutal. Desvendar esse crime não é favor do Estado, é obrigação. Não só com a família das vítimas, mas com toda a sociedade brasileira. Não fazê-lo é capitular diante de criminosos que tentam impor um Estado paralelo sob a força das armas. É louvável a disposição do novo governo para esclarecer o caso. Mas não importa se o crime será apurado no Rio ou em Brasília, pela Polícia Civil ou Federal —esse deve ser um trabalho conjunto. O que importa é que seja apurado. E que, cinco anos depois, se possa responder a duas perguntas básicas: quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê.

Pacote incerto

Folha de S. Paulo

Medidas para conter déficit fiscal são corretas, mas seu alcance é duvidoso

Anunciadas nesta quinta-feira (12), as primeiras providências do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar um déficit astronômico das contas do Tesouro Nacional neste ano são, na maioria, corretas. O pacote, porém, é incompleto e sujeito a incertezas.

Nas planilhas do Ministério da Fazenda, estima-se que o rombo previsto, equivalente a 2,16% do Produto Interno Bruto, poderia vir a se tornar um superávit de 0,1% do PIB. Mas o próprio ministro Fernando Haddad reconheceu, na apresentação do programa, que é realista esperar um déficit próximo de 1% do produto.

É razoável estimar que a arrecadação seja maior neste ano do que o previsto na lei orçamentária, ainda que não se saiba o tamanho da desaceleração econômica. Também é possível bloquear —ou contingenciar, no jargão tecnocrático— parte dos gastos autorizados pelo Congresso Nacional.

A recuperação de créditos tributários de ICMS pode render algo mais, assim como o recurso ao dinheiro largado no PIS/Pasep. Se tais providências renderem o quanto imagina a Fazenda, chega-se ao déficit menor mencionado por Haddad. São ganhos temporários de receita.

Os recursos restantes podem vir do fim da desoneração dos combustíveis, ainda em discussão pelo governo, e da revisão de contratos do setor público, o que não costuma render valor significativo. Espera-se também arrecadação extra que viria das mudanças na administração dos contenciosos entre contribuintes e a Receita Federal.

Há em discussão um programa de redução e refinanciamento de pendências relativas a impostos, uma espécie de Refis, que pode proporcionar mais dinheiro.

Conta-se ainda com mudanças no Carf, o tribunal administrativo do fisco. Nessa instância de recursos contra cobranças, o governo deixou de ter voto de desempate —hoje, metade dos representantes do Carf é da administração, e a outra, de contribuintes.

A julgar pelo aumento do valor dos contenciosos depois do fim do voto de qualidade governista, parece ter havido um estímulo à litigância. Outro problema, apontado por Haddad, é que passou a haver inobservância de jurisprudência de tribunais superiores.

Com a reversão da norma, seria talvez possível elevar a arrecadação, com mais vitórias da Receita e menos contenciosos indevidos, em tese. É improvável, porém, que a medida passe incólume pelo Congresso. O cálculo dos ganhos, portanto, mostra-se incerto.

Trata-se de um pacote de emergência, uma tentativa pontual. Medidas estruturais, como a nova regra fiscal, ficam para mais tarde. Não se vislumbra um ajuste orçamentário crível sem um controle efetivo da expansão de gastos.

Ação e reação

Folha de S. Paulo

Pesquisa Datafolha aponta, pela segunda vez, amplo repúdio à violência política

Se ainda havia alguma dúvida sobre qual seria a opinião dos brasileiros a respeito do ataque da turba golpista na capital do país, a pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira (11) encerrou o assunto.

O levantamento mostra que 93% da população com mais de 16 anos condena o espetáculo bárbaro de invasão e depredação das instalações de Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto.

Note-se que, em dezembro, outra sondagem do instituto já havia revelado que uma expressiva maioria de 75% repudiava os protestos antidemocráticos organizados por grupos bolsonaristas para contestar a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições de 2022.

Nos dois casos, naturalmente com mais peso no deplorável episódio de domingo (8), a parcela dos que rechaçam as manifestações dos extremistas ultrapassa em muito os 51% que elegeram Lula.

Apesar de Jair Bolsonaro (PL) ter se ausentado do país e adotado uma estratégia ambígua para evitar incitações explícitas aos atos de violência, a maioria entende que ele estava, em alguma medida, envolvido no ataque. Para 38%, o ex-presidente tem muita responsabilidade e, para 17%, um pouco de responsabilidade pelo ocorrido.

Sobre a proteção do patrimônio e a defesa da ordem pública, 63% consideram que as forças de segurança do Distrito Federal fizeram menos do que deveriam e 61% dizem o mesmo sobre o governador (ora afastado) Ibaneis Rocha (MDB). O governo Lula também teve atuação aquém do esperado para 37% dos entrevistados.

Para 82%, Lula acertou ao decretar intervenção na área de segurança do Distrito Federal, enquanto 60% apoiam o afastamento do governador determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Também é majoritário o entendimento de que, em maior ou menor extensão, os vândalos devem ser punidos com prisão.

No geral, a pesquisa constata a sensata rejeição à violência política, o respeito ao resultado das urnas e às regras da democracia.

Ademais confirma-se a avaliação de que as reiteradas tentativas de Bolsonaro de desacreditar o processo eleitoral para insuflar uma quebra da ordem institucional revelaram-se um tiro no pé —com repúdio da opinião pública, fortalecimento do STF e do governo Lula.

O dever de casa do Congresso

O Estado de S. Paulo.

Câmara e Senado devem punir seus membros que apoiaram, consentiram ou colaboraram com os atos do dia 8. Não cabe tolerância com quem emporcalha a história do Congresso

A cúpula do Congresso, como não poderia deixar de ser, alinhou-se aos demais Poderes, aos entes federativos e à sociedade brasileira na defesa da Constituição e da democracia neste momento conturbado do País. Com firmeza, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, condenaram a barbárie impetrada por bolsonaristas no dia 8 de janeiro.

No próprio domingo, Arthur Lira afirmou que a Câmara agiria “com rigor” para garantir “a liberdade, a democracia e o respeito à Constituição”. O presidente da Câmara defendeu que aqueles que “promoveram e acobertaram” o maior atentado contra a democracia brasileira desde o fim da ditadura militar sejam “identificados e punidos na forma da lei”. Em seguida, Rodrigo Pacheco repudiou “veementemente” o que chamou de “atos antidemocráticos” e exigiu que os responsáveis “sofram o rigor da lei com urgência”.

É o que este jornal espera. Um ataque tão desavergonhado contra as instituições democráticas não pode ficar impune. A lei deve alcançar todos os seus responsáveis diretos e indiretos. O melhor mecanismo de defesa da democracia é a aplicação da lei e de suas penas, observado o devido processo legal, sem fazer concessões com quem se utiliza, para seus objetivos políticos, da violência ou da ameaça.

Imprescindível, o alinhamento dos presidentes da Câmara e do Senado na defesa da democracia deve ir, portanto, além de discursos. É necessário assegurar a pronta e adequada responsabilização de todos os parlamentares que, direta ou indiretamente, contribuíram para os atos de 8 de janeiro. Não cabe atenuar a participação – ou conivência – com tão grave atentado às instituições democráticas.

Houve deputado que teve a ousadia de justificar a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Segundo Ricardo Barros (PP-PR), por exemplo, os atos de domingo foram causados porque o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, não conseguiu convencer a sociedade de que a urna eletrônica era confiável. “Se ele tivesse convencido, não teríamos essas pessoas, que são brasileiros de cara limpa”, disse o deputado à CNN Brasil, referindo-se aos vândalos que depredaram o Palácio do Planalto, o Supremo e o Congresso.

Em tempos tão estranhos, é preciso dizer o óbvio: todos os parlamentares que apoiaram, antes ou depois, os atos de domingo quebraram o decoro parlamentar. Não respeitaram a Constituição. Não honraram o Estado Democrático de Direito. Já não dispõem de condições éticas para continuarem ocupando suas cadeiras.

As lideranças do Congresso precisam mobilizar-se, portanto, para prover a devida responsabilização no âmbito do Legislativo de seus pares antidemocráticos – sem prejuízo, por óbvio, da responsabilização jurídico-penal, a ser feita pelo Judiciário. No caso, o Legislativo dispõe de todos os meios para identificar e responsabilizar os seus membros que incentivaram, apoiaram e colaboraram com o movimento golpista. Não cabe tolerância com quem agride a democracia e emporcalha a história do Congresso.

É mais que hora de dar plena efetividade aos Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado. Não são – não podem ser – órgãos de fachada, pois suas muitas omissões ao longo das décadas vêm cobrando alto preço do País e do próprio Congresso. O caso mais eloquente é do próprio Jair Bolsonaro, cujo comportamento como deputado federal infringiu por diversas vezes o decoro parlamentar. Mas Bolsonaro não foi o único parlamentar que, em vez de receber a devida punição, foi agraciado por seus pares com a impunidade.

Não se pode transigir com os fundamentos da República. Fazendo jus às palavras dos presidentes da Câmara e do Senado em defesa da democracia, o Congresso tem agora uma excelente oportunidade de fortalecer sua autoridade perante a sociedade, mostrando que não compactua com ataques de seus membros ao regime democrático e às instituições republicanas. Discursos são importantes, mas pouco valem se não vêm acompanhados das correspondentes ações.

Saúde infantil em risco

O Estado de S. Paulo.

Pesquisa do IBGE com parâmetros internacionais apontou a baixa qualidade no atendimento a menores de 13 anos na rede pública de unidades básicas; nenhum Estado atingiu nota mínima

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de mapear as falhas no atendimento infantil em postos de saúde da rede pública no País inteiro. Uma pesquisa com base nas informações fornecidas por pais e responsáveis que levaram os filhos para consultas mostrou que a qualidade dos serviços está abaixo do aceitável, conforme parâmetros internacionais. Como noticiou o Estadão, nenhum Estado brasileiro atingiu a nota mínima, o que, obviamente, é intolerável.

Os resultados devem servir de alerta para gestores municipais, estaduais e do governo federal − dos quais se espera, o mais rápido possível, a adoção de medidas que revertam o quadro. Se há uma faixa etária que não pode ser negligenciada, é a das crianças. Ainda mais se considerando que a chamada atenção primária é a porta de entrada para todo o sistema de saúde: seu bom funcionamento ajuda a reduzir filas em hospitais e é essencial para o êxito das ações de prevenção. Deveria ser, portanto, uma prioridade para o País.

Pela primeira vez, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua aplicou o questionário de Atenção Primária à Saúde Infantil, no segundo trimestre de 2022. Foram selecionados pais ou responsáveis que tivessem levado crianças menores de 13 anos para atendimento em postos ou unidades básicas de saúde da rede pública nos 12 meses anteriores.

O IBGE adotou um instrumento internacional de pesquisa, validado pelo Ministério da Saúde, que deu origem a um indicador de qualidade. Numa escala de zero a 10, a média brasileira ficou em 5,7, abaixo de 6,6, que é a nota mínima para que um serviço de atenção básica seja classificado como de qualidade, segundo a métrica utilizada. Entre os Estados, Mato Grosso teve o melhor desempenho (6,4) e Rondônia, o pior (4,8). São Paulo, ao lado de Rio de Janeiro e Piauí, não passou de 5,4.

A rede de atenção básica está presente no País inteiro e tem enorme capilaridade, alcançando as localidades mais remotas. Por isso mesmo, deve ser fortalecida, na medida em que constitui, em tese, o primeiro ponto de contato da população com o sistema de saúde. No caso das crianças de menos de 13 anos, o IBGE estima que 31,5 milhões delas tenham sido atendidas pelo menos uma vez durante o período de referência da pesquisa, que coincidiu com momentos críticos da pandemia de covid-19. É um número impressionante, que corresponde a 82,9% da população na faixa de 0 a 13 anos. No caso específico das consultas médicas, 28,4 milhões de crianças (75%) foram contempladas no mesmo período. Tais dados demonstram a abrangência do Sistema Único de Saúde (SUS) e só reforçam a necessidade de investimentos e, principalmente, de melhoria de gestão para sanar as falhas apontadas pelo IBGE.

Vale notar que o questionário abordou diferentes aspectos práticos do funcionamento dos postos de saúde, sempre sob a ótica dos pais ou responsáveis que levaram a criança à unidade. As perguntas versaram sobre as condições de acesso, o tempo de espera e a disponibilidade de profissionais até a abrangência dos serviços prestados e a relação entre a equipe de saúde e o paciente. O propósito era identificar tudo o que, direta ou indiretamente, interfere na qualidade do atendimento, do ponto de vista do paciente e de sua família. Um posto de saúde onde faltam profissionais ou onde há alta rotatividade de equipes, por exemplo, terá mais dificuldades para atingir seus objetivos.

Não raro, governantes se preocupam mais em erguer prédios do que em tomar medidas que aprimorem o atendimento − como se a inauguração de uma nova unidade, por si só, resolvesse o problema. Como indica o levantamento do IBGE, o êxito da atenção primária depende do funcionamento adequado dos milhares de postos de saúde espalhados pelo Brasil. Longe dos holofotes e das inaugurações eleitoreiras, priorizando o que é indispensável à garantia de uma vida saudável para milhões de crianças: a qualidade do serviço.

Carbono azul

O Estado de S. Paulo.

Preservar baleias e manguezais ganha novo significado em tempos de mudanças climáticas

Na esteira das mudanças climáticas, o debate a respeito da preservação do meio ambiente requer uma compreensão renovada sobre temas que vêm ganhando novos significados na agenda ambiental. É o caso da proteção das baleias e da conservação de manguezais, duas preocupações antigas que passaram a despertar atenção redobrada, ultimamente, por causa de seu potencial para a retirada de gás carbônico da atmosfera − objetivo maior das iniciativas para conter o aquecimento do planeta.

Vale notar que o papel de ecossistemas costeiros e marinhos na luta contra os gases de efeito estufa deu origem ao termo “carbono azul”, uma espécie de contraponto ao “carbono verde”, associado a florestas e a outros biomas terrestres. Embora ambos digam respeito ao mesmo elemento químico, a distinção de cores joga luz sobre a importância específica dos ecossistemas e sobre a complexidade das questões ambientais.

Cada vez mais, faz-se necessário que as autoridades dos diferentes níveis de governo, assim como o setor produtivo e a sociedade em geral, estejam atentas a tais complexidades. Isso é especialmente válido em um país como o Brasil, onde a riqueza ambiental não se limita à exuberância da Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo.

Como recentemente informou o Jornal da USP, a gigantesca costa marítima brasileira é pontilhada por uma faixa de manguezais que se estendem do Amapá até Santa Catarina. Tal ecossistema contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas, na medida em que a falta de oxigênio em seu solo lamacento reduz, ou até evita, a decomposição de matéria orgânica. O resultado é o acúmulo de toneladas de carbono, algo extremamente benéfico para conter o aquecimento global.

Do ponto de vista ambiental e da luta contra as mudanças climáticas, os manguezais são um “tesouro” e, ao mesmo tempo, uma “bomba-relógio”, a depender do rumo das políticas de conservação, como resumiu o Jornal da USP. A publicação faz referência a estimativas de que um hectare de manguezal teria a capacidade de armazenar mais carbono do que qualquer outro bioma, até mesmo do que a Floresta Amazônica.

No caso das baleias, cientistas têm feito raciocínio similar: com peso que pode ultrapassar 30 toneladas e capazes de viver 100 anos, esses cetáceos acumulam mais carbono do que animais de menor porte. Ao morrerem, seus corpos permanecem no fundo dos oceanos, aprisionando grandes quantidades de carbono por séculos, como informou recente reportagem do

Washington Post reproduzida pelo Estadão. Nesse sentido, uma medida eficaz para retirar carbono da atmosfera seria criar condições para que a população mundial de baleias retome níveis anteriores à devastação provocada pela caça comercial.

As mudanças climáticas já confrontam a humanidade com ameaças reais e impactos imediatos. Enfrentá-las exigirá agir em diversas frentes, e é essencial ter clareza sobre o que cada ação representa e tem a oferecer − seja plantar árvores, proteger manguezais ou salvar baleias. Como em um quebra-cabeças, é preciso juntar as peças e garantir que o resultado seja a preservação da vida na Terra.

Pacote fiscal poderá reduzir déficit previsto pela metade

Valor Econômico

A intenção de Haddad, expressa ontem, e a se confirmar, é mostrar que não deverá haver uma farra de gastos

A primeira tentativa de reduzir o déficit fiscal previsto para o ano, de R$ 231,5 bilhões, foi apresentada ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na primeira vez que abordou o tema, o ministro disse que dificilmente o déficit primário seria menor do que os R$ 63 bilhões da estimativa inicial orçamentária, feita antes da aprovação da PEC da Transição, mas que, por outro lado, não seria de forma alguma de 2% do PIB. Entre desejos, intenções e o que é factível, as medidas alinhadas ontem podem prover o meio termo. A intenção de Haddad é diminuir o déficit para menos de R$ 100 bilhões. É importante que o governo tenha decidido reduzir o largo espaço fiscal, obtido de forma inédita antes mesmo de tomar posse.

Como era previsto, os cortes de despesas são a fração menor dos R$ 242,6 bilhões estimados como potencial de ajuste por Haddad. A maior correção está contemplada em ações de receitas permanentes e extraordinárias (R$ 156,6 bilhões). No caso das receitas permanentes, o governo deixa claro que vai acabar com a desoneração da gasolina, o que elevará seu caixa em R$ 28,8 bilhões e com a redução do PIS-Cofins sobre receitas financeiras das empresas, feitas no apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro e que consome R$ 4,4 bilhões.

Uma fatia importante do ganho em receitas permanentes e extraordinárias é incerta. Ao incentivo à redução de litigiosidade no Carf é atribuído um aumento da receitas permanentes de R$ 15 bilhões e de receitas extraordinárias de R$ 35 bilhões, estimativas arbitrárias à volta do voto de desempate do representante da Receita Federal nos litígios judiciais no conselho, cujo fim, em 2020, passou a propiciar ganhos seguidos às empresas no colegiado. Esses itens representam um terço dos ganhos esperados nas receitas do governo.

O aproveitamento dos créditos do ICMS teria um impacto de R$ 30 bilhões. Ele seria proveniente de uma pendenga mal resolvida na decisão sobre a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS-Cofins sobre as vendas das empresas, aprovada pelo STF. O Supremo, no entanto, manteve a situação anterior na aquisição de insumos pelas companhias, que passaram a ter abatimento maior dos tributos federais, o que os técnicos do governo consideram uma distorção que precisa ser encerrada.

A parte que pode ser considerada própria do primeiro ajuste, que será consolidado com regras fiscais que substituam o teto de gastos, derrubado por Bolsonaro e exterminado agora, diz respeito a ações que dependem da vontade do governo. As reestimativas de receitas orçamentárias devem contribuir com R$ 36,4 bilhões. É possível que esta previsão seja bastante conservadora e esses recursos sejam superiores a R$ 50 bilhões. Em outra rubrica móvel, que poderá crescer dependendo do desempenho da economia, estima-se que a autorização para uma execução inferior ao que está no orçamento atinja R$ 25 bilhões. Outros R$ 25 bilhões viriam da revisão de contratos e programas, uma praxe na troca de governo cujos resultados são de magnitude incerta.

Há mais economias que não estão relacionadas no pacote do ministro da Fazenda, mas que podem ajudar no resultado primário. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, listou 10 milhões de cadastros irregulares no Bolsa Família, que serão corrigidos. Basicamente, são famílias que se atomizaram para aproveitar o Auxílio Brasil, que prevê R$ 600 de auxílio por indivíduo. A revisão do Cadastro Único, esculhambado pelo governo Bolsonaro, e a focalização do programa podem proporcionar economias em relação aos R$ 157 bilhões alocados este ano.

Do que depende então de decisão política de governo expressa no pacote, é possível reduzir os gastos previstos em R$ 94,6 bilhões. Isso viria do fim da desoneração de tributos (R$ 33,2 bilhões) e da reestimativa de receitas e autorização para gastar menos (R$ 61,4 bilhões). Só com isso, o déficit primário estimado poderia cair então para R$ 137 bilhões, sem considerar nenhum progresso em outras medidas, que devem ocorrer. Com isso, o rombo fiscal se reduziria a 1,2% do PIB, ainda distante do equilíbrio fiscal, mas a caminho de demonstrar que o governo Lula não é indiferente à questão.

Pacotes são pacotes e a realidade pode driblar todos os planos. O fator decisivo será a nova regra fiscal. A intenção de Haddad, expressa ontem, e a se confirmar, é mostrar que não deverá haver uma farra de gastos.

 

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