O saldo recente deste processo político-eleitoral
coloca em disputa visões distintas do Brasil que somos e queremos ser. Uma
disputa entre uma parte da sociedade brasileira, conservadora, de extrema direita, que apoiara
e continua apoiando Bolsonaro e, por outro lado, as forças políticas democráticas que fizeram
a campanha do presidente Lula, no segundo turno da eleição presidencial
brasileira, junto com as outras forças políticas que se agregaram em
uma frente mais ampla para a construção da governança democrática que ora se inicia nesta complexa
e desafiadora conjuntura política da sociedade brasileira.
O assalto aos palácios
Como foi e está sendo construído o governo do presidente Lula para dirigir o país, nos próximos 4 anos, enfrentando a grave crise política, econômica, social, ambiental e de valores que vive hoje a sociedade brasileira, agravada com o assalto à sede dos três poderes da República, no último domingo?
O que deve
mudar e o que deve permanecer frente ao assalto e depredação do
patrimônio público em Brasília, acompanhados e repudiados pelas sociedades
brasileira e mundial? O que ainda pode acontecer, ou melhor, está acontecendo,
por iniciativa dos setores mais conservadores da direita brasileira, que
continuam a apoiar Bolsonaro, viabilizadores daquelas invasões e que continuam
incentivando outras manifestações em várias regiões do Brasil com o
objetivo de causar pânico, terror e desestabilização do governo Lula e da
própria democracia brasileira?
Os apoiadores de Bolsonaro continuam atuando,
mesmo depois das contundentes condenações da opinião pública, dos meios de comunicação,
da maioria da sociedade brasileira e mundial. No Brasil, a reação do poder
público federal, dos governos estaduais e da sociedade em geral foi uma
demonstração inequívoca da condenação à invasão dos palácios dos poderes da
república, aos atos de vandalismo e terrorismo ora em curso, em defesa da
democracia, do Estado de Direito e da
república brasileira.
Há que considerar e refletir sobre a vitória
de Bolsonaro em 2018, como fundamento para a compreensão e superação do que
está acontecendo e ainda pode acontecer no Brasil: foi uma consagradora vitória
das forças conservadoras brasileiras, com apoio internacional, do discurso de Estado
mínimo, do retorno de uma forte presença dos militares na vida nacional e
admitir a derrota daquelas forças políticas fiadoras da transição democrática,
que estiveram de maneira alternada no centro do poder no Brasil, nas últimas
décadas. Foi a derrota da chamada nova república, dos governos pós-regime
militar, principalmente do PSDB e do PT, hegemônicos há décadas na cena
política brasileira.
A vitória recente do presidente Lula, no
segundo turno das eleições presidenciais, explicita e aprofunda este quadro de
divisão da sociedade em um cenário de discursos extremados que dominou e
continua dominando a cena política brasileira.
O assalto e a destruição do patrimônio público
em Brasília e os seus desdobramentos regionais, ora em curso, são fruto dessa
radicalização, desnudadora dos nossos conflitos e contradições existentes desde o processo de colonização, de construção
da república até à atualidade.
Como vamos enfrentar e sair desta situação? Quais são as alternativas e as bandeiras a serem defendidas que nos levem à reafirmação da democracia tão duramente conquistada pela sociedade brasileira nas últimas décadas?
A construção da frente ampla, a defesa da
democracia e da república.
Como se comportarão as forças políticas que
atualmente apoiam o presidente Lula frente à atual realidade brasileira e nos
próximos 4 anos?
A construção da governabilidade é uma difícil
tarefa a ser trabalhada por todos aqueles que apoiaram o presidente Lula no
segundo turno e todas as outras forças políticas democráticas, principalmente
aquelas que mesmo sendo eleitores de Bolsonaro, criticaram a tentativa de golpe
de Estado e o assalto aos palácios da república.
A construção e a amplitude da governança
democrática do presidente Lula vão ser proporcionais à capacidade de agregação
das forças democráticas brasileiras ao processo de construção de uma frente
ampla que seja capaz de construir e
realizar, nos próximos quatro anos, as reformas para a alavancagem de novas
políticas econômica, social, ambiental, educacional e cultural que nos coloquem
no caminho da almejada sociedade sustentável.
O assalto aos palácios em Brasília pode ser um
momento de aglutinação das forças democráticas da sociedade brasileira, um
divisor de águas funcionando como um
momento de reflexão, discussão e catarse da sociedade, no caminho da construção
de um diálogo permanente destas forças para a governabilidade e de um pacto
político-institucional de reafirmação dos valores da democracia e da republica.
A reação contundente da opinião pública, dos meios de comunicação e das
sociedades brasileira e internacional ao assalto aos palácios é a reafirmação
dos valores da república no Brasil, a
favor da democracia, contra a barbárie.
O
governo, que ora se inicia, pode se beneficiar da grave crise política e institucional que estamos vivendo,
se tiver a capacidade política de unir a sociedade frente a um programa de reformas
para enfrentar às crises social, econômica e ambiental que impactam a sociedade
brasileira em geral, com seus milhões de desempregados.
O imperativo de defesa e ampliação da
democracia é o caminho para a construção de novas relações políticas, econômicas
e sociais centradas na preservação da vida, na própria natureza, a favor de uma
cultura de paz .
A construção desta perspectiva sustentável é o
desafio colocado frente às dificuldades que estamos vivendo no Brasil, no
caminho desse pacto político-institucional desejado. A sociedade brasileira continua a ser
desafiada na construção de novas relações centradas no que nos faz humanidade e
dá sentido a nossas vidas: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade,
liberdade e fraternidade. Nas ruas e nas redes sociais do Brasil, é visível a
tragédia de milhões de pessoas, excluídas das conquistas elementares que nos
fazem humanidade: trabalho, alimentação, moradia, saúde-saneamento básico, segurança pública,
mobilidade, educação, cultura...
Portanto, a expectativa da maioria dos
brasileiros é saber como o governo Lula, que ora se inicia, fará o
enfrentamento e a superação desta difícil realidade econômica, social e
ambiental, impactada pelo aumento da inflação, da crise econômica e social que se
prolonga, em uma sociedade ainda sob o trauma e os efeitos da pandemia.
O governo do presidente Lula e as forças
políticas que o apoiam precisam trabalhar na perspectiva de ampliar a adesão
das forças democráticas, inclusive dos bolsonaristas não golpistas, como
fundamentos da governança democrática da sociedade brasileira, nos próximos
quatro anos.
A resiliência da democracia brasileira está em
pauta. Portanto, a tecelagem de uma alternativa democrática às crises política,
econômica e social é o desafio de trabalhar a unidade das forças democráticas,
dialogando permanentemente com a cidadania, com o mundo do trabalho e da
cultura para a mobilização de uma frente democrática, a mais ampla possível,
que garanta o funcionamento do Estado de Direito, a defesa da Constituição e a
as reformas, garantindo a melhoria efetiva e afetiva da sociedade brasileira,
nos próximos quatro anos.
Lula, o PT, a frente democrática e a sociedade
brasileira em geral estão sendo desafiados no sentido de superação dessa crise
política e institucional instalada, a
partir do assalto aos palácios da república.
Estamos vivendo um momento histórico, uma
oportunidade de avaliar e entender melhor o funcionamento das organizações da
república, do mercado e da sociedade civil em geral.
Vamos atravessar o nosso rubicão.
Salve a República e a Democracia!
*Professor da UFBa e do Instituto Politécnico da Bahia.
É isso aí.
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