sábado, 21 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Punir golpistas impõe desafio ímpar à Justiça

O Globo

Profusão de envolvidos, prazos de prescrição e lentidão do Judiciário dificultam condenação dos criminosos

Não existem investigações nem processos mais prioritários hoje no Brasil do que os ligados aos eventos do 8 de janeiro. A democracia foi alvo de uma tentativa de golpe felizmente fracassada. Agora, policiais, procuradores, juízes e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem lembrar diuturnamente a relevância da obtenção criteriosa de provas, da elaboração de denúncias robustas contra os acusados e, quando chegar o momento, de decisões judiciais exemplares. “Foi uma ignomínia, um violentíssimo ataque à honra e à imagem do nosso país, que deve ser punido com o rigor da nossa Constituição e demais leis. Até para que não se repita jamais”, afirma o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.

Todos os recursos financeiros e humanos precisam estar à disposição para que sejam punidos os responsáveis pela violência inaceitável. O desafio é gigantesco. Os detidos sob suspeita de participação nos ataques do 8 de janeiro somaram 1.406. Desse total, a Justiça manteve 942 em prisão preventiva. Ainda há perto de 200 câmeras de segurança cujas imagens precisam ser examinadas em detalhes pela polícia.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia denunciado ao longo da semana cinco participantes dos ataques contra o prédio do Supremo e 39 da invasão ao Senado. Os procuradores trabalham com quatro núcleos: os presos em flagrante, os agentes públicos que deveriam ter adotado providências para evitar os atos, os financiadores e os autores intelectuais. Cada um deles exige grande esforço nas fases de investigação e de elaboração das denúncias. A missão é difícil: evitar atropelos e atrasos, dois erros que poderiam livrar golpistas de pagar por seus crimes.

Quando tiverem início os julgamentos, haverá centenas de testemunhas a ouvir. É, portanto, urgente acelerar o planejamento para enfrentar o desafio, de modo a garantir o direito de defesa a todos os acusados. O Judiciário deverá estar pronto para que criminosos, muitos deles confessos, não se beneficiem da prescrição dos processos. A notória lentidão da Justiça brasileira e a legislação penal complacente com os criminosos dão motivo para preocupação. No ranking que mede a rapidez e a eficácia de processos criminais do World Justice Program, o Brasil ocupa a 132ª posição em uma lista de 140 países.

Uma das primeiras questões que a presidente do STF, Rosa Weber, precisará analisar é se os casos serão unificados e centralizados no Supremo ou desmembrados e enviados a outros tribunais. A primeira opção não é necessariamente a mais lenta. Em julgamentos anteriores com muitos réus, como o do mensalão, o STF designou juízes auxiliares para acelerar a tramitação.

Os suspeitos serão acusados por diferentes crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, incitação ao crime, associação criminosa, dano ao patrimônio público, lesão corporal, roubo, furto e atos preparatórios de terrorismo. A lei prevê uma pena máxima e um prazo prescricional para cada um. Será necessário prestar atenção para que todos os processos corram no ritmo adequado. A democracia brasileira sobreviveu ao ataque de 8 de janeiro graças à obediência das instituições à Constituição. Para evitar que novos ataques se repitam, é imprescindível punir de forma exemplar todos os criminosos.

É preciso dar urgência à aplicação das novas vacinas contra Covid

O Globo

Depois de criticar Bolsonaro por demora para vacinar, governo deixa milhões de doses paradas no estoque

Muito se cobrou do governo anterior a compra das vacinas de nova geração contra a Covid-19, conhecidas como vacinas bivalentes. Elas protegem não só contra a cepa original do coronavírus, mas também contra a variante Ômicron e suas sublinhagens. Agora, o problema é outro. Como mostrou reportagem do GLOBO, há doses em estoque, mas o Ministério da Saúde ainda não informou quando estarão disponíveis nos postos nem a que público serão destinadas.

A demora para levar as vacinas aos braços dos brasileiros é inadmissível, mesmo considerando a troca de governo. A despeito do caos sanitário que imperou na gestão anterior, houve um mínimo de planejamento para vacinar a população. Além disso, a transição existe justamente para reduzir o impacto da descontinuidade administrativa. A equipe coordenada pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, era suficientemente ampla para esquadrinhar as demandas mais urgentes.

Vacinas da Pfizer e da Moderna adaptadas às variantes que circulam atualmente já são aplicadas nos Estados Unidos e em países da Europa desde o ano passado. No Brasil, a burocracia e morosidade das decisões se tornaram aliadas do coronavírus. O pedido da Pfizer para usar a nova vacina chegou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto, mas só foi aprovado em fins de novembro. A compra não chegou a ser um entrave, porque o contrato do Ministério da Saúde previa a possibilidade de incorporar vacinas atualizadas. Mesmo assim, os primeiros lotes só desembarcaram no Brasil no mês passado.

Há nos estoques do ministério 18,7 milhões de doses da nova vacina da Pfizer. Outros 19,4 milhões deverão chegar até o fim de janeiro, somando 38,1 milhões. Pode não ser um número expressivo para o tamanho da população brasileira, mas ela é indicada apenas como reforço e provavelmente será destinada aos grupos mais vulneráveis. As outras vacinas em uso continuam eficazes, nas doses recomendadas pelas autoridades sanitárias, contra hospitalizações e mortes.

Apesar das ondas causadas pelas novas variantes, como a mais recente, o panorama da Covid-19 melhorou significativamente em relação aos dois primeiros anos da pandemia. Mas a doença ainda mata mais de cem pessoas por dia no Brasil. Reduzir esse número é tarefa do novo governo, que tanto criticou o anterior pela condução da política sanitária. As novas vacinas podem ajudar, amentando a proteção de imunossuprimidos e idosos, grupos mais vulneráveis às formas graves.

O Ministério da Saúde promete para fevereiro uma grande campanha de vacinação, mas não há tempo a perder quando brasileiros morrem. É preciso divulgar logo o calendário e começar a aplicar as vacinas, antes que elas precisem ser jogadas no lixo porque a validade expirou.

Lula e os militares

Folha de S. Paulo

Se presidente faz bem em dialogar, Forças devem superar aviltamento bolsonarista

Dentre os inúmeros problemas institucionais criados pelo governo Jair Bolsonaro (PL), um dos mais espinhosos foi a cooptação de setores das Forças Armadas e da área de segurança para apoiar seu projeto político de feições autoritárias.

O ex-presidente estimulou a politização da caserna e nomeou para cargos federais uma quantidade inédita e descabida de policiais e militares, entre eles oficiais de alta patente na ativa —o que deveria ser vedado pela legislação.

Ressalte-se que as investidas para instrumentalizar as forças e alimentar fantasias golpistas não atingiram essas instituições como um todo. Foram, contudo, acolhidas por círculos influentes, representados em postos de comando, e aplaudidas pela horda fanatizada a pedir intervenção militar.

Trata-se, sem dúvida, de uma herança difícil para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para piorar, no oitavo dia do novo governo, assistiu-se ao ignóbil ataque contra a sede dos Poderes na capital federal, que ocorreu após a instalação de acampamentos em portas de quartéis, arruaças em vias públicas e a tentativa de explosão de uma bomba num caminhão de combustível.

É evidente que barbáries desse quilate não ocorreriam sem falha ou negligência grave por parte de autoridades federais e locais, o que ainda está por ser devidamente apurado. Fato é que Lula tem pela frente a tarefa de desmilitarizar o Planalto e desfazer o aparelhamento bolsonarista do Estado.

Durante a semana foram dispensados dezenas de militares de postos na Presidência —sendo 38 deles do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão antes ocupado pelo general Augusto Heleno, um dos mais inflamados seguidores do mandatário anterior.

Também houve troca de comando da Polícia Federal em 18 estados e afastamento de 26 superintendentes da Polícia Rodoviária Federal, outras instituições que Bolsonaro operou para aviltar.

Com o propósito de estabelecer uma relação mais estável e objetiva com o meio militar, Lula, num gesto correto de aproximação e diálogo, reuniu-se com os comandantes das Forças nesta sexta-feira (20).

Não pode restar dúvida de que, numa democracia, Exército, Marinha e Aeronáutica estão a serviço do poder civil consagrado nas urnas —a Constituição brasileira é cristalina a respeito. O que se deve examinar é o meio mais eficaz de superar o aviltamento institucional semeado por Bolsonaro.

À cúpula militar, que não cedeu à cantilena golpista, cabe apurar e coibir os desvios que prejudicaram a credibilidade das corporações.

Cérebro eletrônico

Folha de S. Paulo

Programas criadores de textos que imitam humanos exigem atenção, não alarmismo

A inteligência artificial, mais exatamente a IA generativa, surge como bode expiatório da vez na seara das novidades tecnológicas. Há razões para temer desvios com programas capazes de gerar textos que parecem escritos por humanos, não tanto, porém, para pânico.

Tecnologias inovadoras sempre despertaram desconfiança. Foi assim com rádio e TV, transplantes de órgãos, computadores, fertilização in vitro, telefones celulares, manipulação genética etc. Contudo, a seu tempo, todas foram assimiladas —em alguns casos apoiadas sob regulamentação necessária.

Com a velocidade crescente de disseminação, a reação inicial costuma revestir-se de alarmismo.

No caso da IA em questão, a polêmica começou no final de 2022, quando a empresa OpenAI —apoiada pela Microsoft— disponibilizou o acesso gratuito ao seu programa ChatGPT, colocando assim um gerador de textos nas mãos de qualquer pessoa conectada. Concorrentes já estariam em aquecimento para adentrar na competição que se afigura bilionária.

Não demorou para o recurso ser empregado por estudantes e pesquisadores na confecção fraudulenta de trabalhos intelectuais. Trata-se de variedade sofisticada de plágio, afinal o programa se vale do que já existe na rede mundial para articular conteúdos emulando de modo convincente a linguagem humana natural.

Instituições acadêmicas já providenciam formas de contenção dos desvios, como novas modalidades de avaliação e algoritmos para detectar escritos de máquinas. Nada tão diverso do desafio que já enfrentam com o copia e cola a partir de mecanismos de busca.

Outra maneira de encarar a IA direciona o foco para suas potencialidades. Ela pode liberar mentes humanas de uma série de tarefas tediosas para dedicarem mais tempo àquilo em que brilham: exame de particularidades para criar soluções impensadas e tomar decisões adequadas a cada caso.

Entre as aplicações mais promissoras se encontram diagnósticos e relatórios médicos, pareceres jurídicos, geração e correção de códigos para softwares, compilação de dados e assim por diante. Não haveria motivo para tolhê-las com interdições paternalistas.

Dito isso, é legítima a preocupação com distorções da tecnologia, como facilitar a viralização de notícias falsas e a difusão de programas para infectar computadores.

A prevenção de malefícios, como de hábito, se fará com controle social, autorregulamentação, regulação e responsabilização judicial dos abusos. Nada de novo sob o sol.

Defesa da democracia requer prudência

O Estado de S. Paulo.

Manifestar-se em rede social sobre caso sob sua jurisdição, como fez Alexandre de Moraes, não contribui para a prestação jurisdicional, acirra ânimos e dá margem a nulidades

Para assegurar a necessária imparcialidade do juiz, a Lei Orgânica da Magistratura (LOA) estabelece que “é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).

Importante proteção da magistratura, essa proibição se aplica a todos os juízes, desde os de primeira instância até os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A respeito de processo pendente de julgamento, os magistrados devem falar apenas nos autos. A única exceção é a manifestação no âmbito acadêmico, seja em obras técnicas ou na docência.

Diante disso, e tendo em vista o papel fundamental que o ministro do STF Alexandre de Moraes teve e continua a ter na defesa da democracia – é o relator de vários inquéritos sobre ataques e ameaças ao regime democrático –, faz-se necessário lembrar a proibição do art. 36, III da LOA.

Desde o dia 8 de janeiro, Alexandre de Moraes tem publicado alguns tuítes qualificando os atos de “terroristas”. No próprio dia 8, escreveu: “Os desprezíveis ataques terroristas à democracia e às instituições republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos”. No dia 17, voltou ao assunto: “O STF foi danificado por terroristas”.

No dia 10, na cerimônia de posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, Alexandre de Moraes rebateu as críticas dos presos pelos atos de 8 de janeiro. “Não achem, esses terroristas, que até domingo faziam baderna e crimes, e agora reclamam que estão presos, querendo que a prisão seja uma colônia de férias, não achem que as instituições irão fraquejar”, disse.

Ainda que a intenção de Alexandre de Moraes com essas publicações e discursos provavelmente seja a de transmitir firmeza num caso que chocou o Brasil e demanda dura responsabilização, um juiz fala apenas nos autos. Não retruca em praça pública as críticas das pessoas que estão sob sua jurisdição. Não promete punição. Não atribui em rede social a qualificação jurídica de ações que ainda estão sob investigação.

Nada disso contribui para a efetividade da prestação jurisdicional – da necessária e urgente responsabilização jurídica dos autores, executores e mandantes, dos atos criminosos de 8 de janeiro. Ao contrário, uma atuação assim, à revelia das disposições da LOA, acirra os ânimos e facilita a ocorrência de um fenômeno extremamente perigoso para a autoridade e o bom nome da Justiça: a visão de que, sob pretexto de aplicação da lei, estaria havendo uma perseguição política contra determinadas pessoas e grupos.

É certo que, muitas vezes, a Justiça precisa se defender publicamente de ataques; por exemplo, corrigindo equívocos, esclarecendo mal-entendidos e oferecendo informação segura e confiável perante tanta desinformação. No entanto, nada disso é tarefa pessoal, e sim institucional. O Regimento Interno do STF prevê, entre as primeiras atribuições do presidente da Corte, “velar pelas prerrogativas do Tribunal” e “representá-lo perante os demais poderes e autoridades”. Se é necessário falar algo publicamente sobre os ataques do dia 8 de janeiro, é a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, que tem competência para fazê-lo.

Essa previsão regimental é uma importante defesa da unidade do STF. Imagine se cada um dos ministros se pusesse a discorrer publicamente sobre os atos de 8 de janeiro, publicando cada um nas redes sociais sua interpretação dos fatos, com as diferentes consequências jurídicas. Tal situação não fortaleceria o Judiciário perante a sociedade.

Além dos efeitos institucionais, a manifestação pública de um juiz sobre processo pendente de julgamento pode significar quebra do dever de imparcialidade, pondo em risco todo o seu trabalho.

A democracia deve ser exemplarmente defendida, sem erros que possam vir a acarretar impunidade aos responsáveis. O País merece esse cuidado.

A crise da indústria e da Fiesp

O Estado de S. Paulo.

A mais recente confusão na federação das indústrias paulistas expõe mais que disputa política: ficou clara a profundidade da crise em que o setor está mergulhado há décadas

Em uma assembleia realizada há poucos dias, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, foi destituído do cargo. Seu afastamento foi referendado pelo voto de 47 industriais, em uma reunião extraordinária marcada por controvérsias, quórum questionável e sem a presença do empresário, argumentos que, por si sós, fortalecem a chance de reversão da medida na Justiça. Mas a patacoada vai além. Como a ata da assembleia ainda não foi registrada em cartório, Josué não apenas continua no comando da Fiesp, como foi convidado a participar de uma reunião com as Forças Armadas pelo presidente Lula da Silva, um ato de desagravo que evidencia o prestígio e o apoio ao empresário, filho do ex-vice-presidente José Alencar.

É a primeira vez que a Fiesp destitui um presidente em quase 100 anos de história, algo que diz muito sobre o tamanho da crise da indústria brasileira. Josué assumiu a Fiesp em janeiro de 2022 para cumprir um mandato de três anos, candidato único de uma chapa que sucedeu a Paulo Skaf e seus 17 anos na chefia da entidade. O empresário é dono da Coteminas, símbolo de uma indústria têxtil moderna e competitiva, líder no mercado interno e com forte presença no exterior.

Na assembleia, ele foi alvo de 12 questionamentos, nenhum sobre violações do estatuto da Fiesp. Foi inquirido, no entanto, sobre a quantidade de entrevistas que havia concedido e o número de vezes em que esteve no Congresso para defender pautas setoriais. Era um teatro para punir Josué por um ato imperdoável, na avaliação de seus pares: a publicação da carta Em defesa da Democracia e da Justiça, logo após o ex-presidente Jair Bolsonaro reunir embaixadores para atacar a lisura do processo eleitoral.

Não é por acaso que a liderança da rebelião é atribuída a Skaf. Os industriais, evidentemente, preferiam a postura pusilânime da Fiesp de um ano antes. Em agosto de 2021, Skaf articulou o apoio a um manifesto intitulado A Praça é dos Três Poderes, após o intimidatório desfile das Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios e no dia em que a Câmara rejeitou o voto impresso. Ele desistiu da publicação após pressão do governo, mas o documento ressuscitou depois do dia 7 de Setembro, quando Bolsonaro fez ameaças públicas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O episódio em si só traz à tona mais do que uma mera disputa de poder pelo comando da Fiesp. Ele expõe a dificuldade de alguns de seus associados de enxergar a profundidade da crise em que a indústria brasileira está mergulhada. A desindustrialização é uma realidade inegável desde a década de 1980. A proporção da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) é de 11%, a menor desde 1947. As causas desse fracasso são múltiplas – crises internacionais, recessão econômica, falta de investimento, baixa produtividade e custos elevados, entre outros –, mas nenhuma delas tem qualquer conotação política.

Enfrentar esses desafios requer da indústria realismo para distinguir problemas e oportunidades. Após a ineficaz política de combate à covid-19 por parte da China, o País tem uma nova chance de inserção nas cadeias produtivas globais. A guerra na Ucrânia e o consequente aumento dos preços do petróleo proporcionaram competitividade à energia brasileira – ela já era majoritariamente limpa e, agora, tornou-se relativamente mais barata.

A transição para uma economia de baixo carbono pode dar ao País um protagonismo mundial. Para isso, é preciso que a indústria tenha uma compreensão mais moderna e menos dependente sobre seu papel no desenvolvimento do País. Passou da hora de o setor caminhar com as próprias pernas. Uma parte dos industriais brasileiros continua a apostar no retorno a um tempo em que desonerações, subsídios, protecionismo e favores políticos garantiam a prosperidade de seus donos em detrimento do crescimento econômico e da geração de empregos. A crise no comando da Fiesp não é causa, mas sintoma desse embate entre um passado que se recusa a ficar para trás e um futuro que ainda não chegou.

O PT não falha

O Estado de S. Paulo.

Bastaram alguns dias para que os canais do Estado fossem usados para disseminar a ‘verdade’ do partido

Ao anunciar a nova diretoria da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), o site oficial do governo comunicou que “o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, indicou Rita Freire, presidente do Conselho Curador da EBC cassada após o golpe de 2016”, para um cargo de gerência da estatal.

O PT não falha. Bastaram alguns dias no poder para que o lulopetismo se assenhoreasse dos canais oficiais do Estado com o objetivo de transformá-los em portavozes do partido – e, por meio deles, espalhar sua “verdade oficial”. E nessa “verdade oficial” figura com destaque a versão segundo a qual o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 foi um “golpe”.

O PT tem direito de fazer a interpretação que quiser do processo constitucional que levou à cassação de Dilma por suas manobras contábeis criativas, digamos assim, com o propósito de ocultar da sociedade o real estado das finanças do País. O que o partido e seus membros com cargos no Executivo federal não podem fazer é usar canais oficiais de comunicação para impor a todos os brasileiros sua visão particular dos acontecimentos como revanche.

Um dos princípios da administração pública consagrados no artigo 37 da Constituição é o princípio da impessoalidade. Isso significa, na prática, que aos administradores públicos é vedado desempenhar suas funções privilegiando interesses privados de indivíduos ou grupos. Um partido político, naturalmente, é uma entidade privada. Portanto, a comunicação oficial do governo federal não se confunde nem remotamente com a comunicação do PT – ou de qualquer partido político –, ainda que a legenda tenha logrado ascender novamente ao Executivo federal. Triunfos eleitorais, circunstanciais por natureza, não autorizam reescrever a história.

Evidentemente, não é surpresa para ninguém essa interpretação que os petistas e seus aliados fazem do processo de cassação de Dilma. Pouco importa para o partido que, objetivamente, o impedimento da ex-presidente tenha seguido rigorosamente todos os ritos previstos na Constituição e na Lei 1.079/1950 – e sob a supervisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Ao PT, interessa a versão, não os fatos.

O presidente Lula da Silva, contudo, já disse algumas vezes que seu terceiro mandato presidencial será o “mandato de sua vida”, e que deseja trabalhar para reunir famílias e reconciliar amigos que se afastaram por divergências políticas. Pois o presidente será tão bem-sucedido em seu desiderato auspicioso se, de fato, transformar suas intenções em gestos concretos no sentido da pacificação. Um bom começo é dissociar o interesse público dos interesses de seu partido.

Poucos hão de discordar: para poder avançar e levar o País de volta ao trilho do desenvolvimento político, econômico e social, a sociedade precisa, o quanto antes, cicatrizar as feridas abertas por ressentimentos cultivados entre os cidadãos pela polarização política extremada. Quando um canal oficial do governo chama o impeachment de Dilma de “golpe”, politiza a comunicação estatal, dissemina uma patranha e atiça a cizânia. Ou seja, nada de bom.

 

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