Para o ex-presidente do Banco Central, em prazo mais longo é preciso um ajuste maior do que o anunciado
Por Diego Viana — Para o Valor, de São
Paulo
O ex-presidente do Banco Central Arminio
Fraga vê com bons olhos “o início de um trabalho difícil” do ministro Fernando
Haddad, da Fazenda:
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usadas”
Valor: Que impressão lhe causou o
anúncio das primeiras medidas fiscais do ministro da Fazenda?
Arminio Fraga: Eu diria que foi um bom
primeiro passo. Achei correto o ministro reconhecer que nessas medidas tem muita
incerteza e muitas receitas que não são recorrentes. Em prazo mais longo, é
preciso um ajuste até maior do que o anunciado, que vá além do controle da
dinâmica de crescimento da dívida pública. Se o país quer atingir seu
potencial, trabalhando nos grandes temas da desigualdade e da falta de
oportunidade, e de temas macroeconômicos como a produtividade, precisamos
repensar o direcionamento geral do gasto público. É um trabalho que vai levar
tempo.
Valor: Há algo a destacar nessas primeiras medidas?
Arminio: Tem dois aspectos
importantes, para além das medidas anunciadas. Primeiro, a manutenção do
aumento do salário mínimo já concedido, portanto o abandono da ideia de dar um
novo aumento. Isso mostra bom senso. O segundo ponto é a recuperação do Cadastro
Único, eliminando distorções introduzidas no Auxílio Brasil. Não só porque esse
foi um gasto que não passou por um crivo de prioridades. Mas também por causa
da qualidade da política social, já que as pessoas estavam se recadastrando
individualmente para receber mais. Corrigir isso é importante.
Valor: As medidas pendem para o
aumento de receitas. Poderia ser feito mais do lado do gasto?
Arminio: Do lado do gasto, onde tem
dinheiro? Na Previdência, na folha de pagamentos e nos regimes especiais de
imposto de renda. O dinheiro está ali e é muito. Quero crer que isso vai entrar
em discussão. Principalmente a parte do IR. Seria absurdo um governo do PT não
mexer nele. Do lado fiscal, é claro que o que se obtiver vai ser dividido com
estados e municípios. A relação federativa está meio chacoalhada depois da
desoneração do ICMS, no ano passado.
Valor: Se o ajuste chegar ao máximo
estimado, embora o ministro considere improvável, o BC pode ser levado a
começar mais cedo o ciclo de baixa da Selic?
Arminio: Poder, pode. Se ocorrer, por
exemplo, uma valorização do câmbio, que hoje embute um prêmio de risco
razoável.
Valor: Um ajuste de 2% do PIB pode ter
impacto no crescimento?
Arminio: Acho que teria um impacto
altamente positivo. Foi assim em 1999, quando houve um ajuste de 4 pontos, até
mais, e o PIB cresceu bem durante vários trimestres. A experiência oposta foi
no governo Dilma, que fez uma megaexpansão e legou uma recessão enorme. Agora,
o Brasil tem a perspectiva de um conjunto de boas notícias, na área ambiental,
por exemplo, que poderia colocar a economia em trajetória de crescimento
acelerado.
Valor: No ano passado, o sr. assinou
uma carta ao presidente Lula alertando sobre o perigo da irresponsabilidade
fiscal. Essas primeiras semanas indicam mais comedimento?
Arminio: As posições que o governo
eleito vinha externando eram extremamente preocupantes. Uma atitude raivosa em
relação aos temas de responsabilidade fiscal, sinais de retrocessos na
Previdência, nas relações trabalhistas, no marco do saneamento, no uso de
bancos públicos, no uso e abuso da Petrobras.
Muita coisa. Agora, o ministro Haddad deu uma freada de arrumação que é
importante.
Valor: Na primeira semana no ano,
declarações do ministro da Previdência, Carlos Lupi, sobre uma “antirreforma”
previdenciária foram desautorizadas pela Casa Civil. É um sinal de ruído?
Arminio: Como dizem os americanos, só
temos uma chance de causar uma boa impressão. Houve essa correção, mas já havia
ficado a imagem de que era isso que queriam fazer. Por isso vejo as medidas de
Haddad com bons olhos. É o início de um trabalho difícil.
Valor: Qual é sua expectativa para o
novo arcabouço fiscal?
Arminio: Não existe um modelo único
que funcione, mas algumas coisas têm que estar presentes. A relação dívida/PIB
não pode seguir crescendo, então tem que ter algum mecanismo de controle. Aí,
alguma flexibilidade é inevitável e desejável, mas precisa ter mecanismos de
volta. Como no caso da pandemia, em que era preciso gastar, gastou-se, mas com
o fim da pandemia era preciso ficar um tempo poupando, recuperar o balanço do
governo, para que ele possa, inclusive, enfrentar outras emergências. E é
preciso eliminar a política pró-cíclica. E depois vem a questão do tamanho do
Estado, que era o foco do teto de gastos.
Valor: Para este ano, a reforma mais
adiantada é a dos tributos indiretos. A economia seria afetada de imediato?
Arminio: Acho que sim. E creio que
várias das reformas já feitas estão tendo impacto na produtividade e na
economia. A reforma seria um fator de confiança, porque nosso sistema
tributário é um manicômio completo. Aí vem o lado político: como o Congresso,
com o perfil que tem, vai lidar com essas questões? Essa é outra encrenca.
Valor: O lado político deve pesar
ainda mais na tentativa de mudar o imposto de renda. Dá para contar com uma
reforma?
Arminio: Qualquer reforma não vai ser aplaudida de pé e resolvida com uma votação simbólica, unânime. Tornar o IR mais progressivo é um desafio antigo. Não podemos contar com uma reforma, mas é preciso tentar.
Muito boa a entrevista.
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