O Estado de S. Paulo.
Deixo ao leitor avaliar se estaríamos agora
lidando com Lula 4 e seus legítimos sonhos para o Brasil
O governo Lula termina sua primeira semana.
É muito cedo para avaliações, por certo. Mas a campanha eleitoral, os dois
meses decorridos desde a vitória e o discurso de Lula da Silva no dia 6 trazem
elementos importantes para identificar 2023 – como foi 2003, duas décadas atrás
– como o ano-chave para definir o próximo biênio, ao final do qual a política
já estará voltada para o crucial ano de 2026.
O discurso de Lula ao longo de toda a campanha, e muito além, insistiu no mantra “ao invés de perguntar o que vou fazer, olhe o que fiz quando fui presidente”. Esse discurso terá que ser deixado de lado. A referência a “seus” oito anos (2003-2010) não inclui os mais de cinco anos de sua criação, Dilma Rousseff, por razões conhecidas. Mas o fato é que o lulopetismo esteve no poder por 13 anos e quatro meses; dois terços dos últimos 20 anos. Há desse período memórias vívidas porque vividas.
Dois importantes livros acabam de ser
lançados a respeito. O primeiro é Eles Não São Loucos, de João Borges, que
relata em detalhes os bastidores da transição de FHC 2 para Lula, na virada de
2002 para 2003, e mostra quão crucial foi a capacidade de comunicação que
permitiu uma transição civilizada, à diferença daquela que acaba de ocorrer.
Mostra também como funcionava – e funciona – o PT até a transição Lula-Dilma,
sobre a qual também faz apontamentos relevantes. O segundo livro é PT, uma
História, de Celso Rocha de Barros, sobre o qual Sergio Fausto escreveu
importante e lúcida resenha na revista Quatro Cinco Um.
A leitura de ambos os livros me trouxe à mente uma longa e imperdível entrevista (FSP, 27/2/2011) de Guido Mantega, ministro da Fazenda de Lula e de Dilma, quando do início do governo desta, em 2011. Mantega foi então perguntado se o governo Dilma seria mais parecido com Lula 1 ou com Lula 2; e respondeu: “O governo Dilma não é parecido nem com Lula 1 nem com Lula 2. É parecido com Lula 3”, então elaborou longamente sobre o tema. Escrevi sobre isso à época (Dilma, lidando com ‘o pós-Lula’, 13/3/2011). Deixo ao leitor avaliar se estaríamos agora lidando com Lula 4 e seus legítimos sonhos para o Brasil.
Mas sonhar o sonho certo, como já escrevi
neste espaço, envolve não ter ilusões sobre a dificuldade em realizá-los. Como
escreveu John Maynard Keynes há quase cem anos, “o problema político da
humanidade é o de combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e
liberdade individual” (Essays in Persuasion, 1926, p. 344). Uma combinação que
continua tão relevante como quando foi enunciada. E tão difícil de ser
alcançada. Mas é um belo sonho para a humanidade e para o Brasil.
Porque toda sociedade tende a produzir
hierarquias e desigualdades. O surgimento e a gradual consolidação das
social-democracias liberal-progressistas de nosso tempo ocorreu como resposta a
excessos de desigualdade e excessos de hierarquias que poderiam levar, e em
muitos casos levaram, a autocracias e tiranias variadas.
Meu artigo mais recente neste espaço tinha
uma pergunta como título (Convergências possíveis?, 11/12/2022). No texto citei
a conclusão de um trabalho de alguns economistas que considerei relevante e não
falsa. (Já restará claro por que aponto esta última característica.) “Se nada
for proposto e aprovado para estabelecer fontes de receita e critérios perenes
para a despesa, permanecerão a indefinição e a incerteza em relação ao cenário
fiscal. O resultado será instabilidade política e econômica, baixo crescimento,
casuísmo fiscal e, pior, a perpetuação da pobreza que há tempos impera no
País.”
Por que menciono que essa afirmação é não
falsa? Porque uma famosa conferência de 1985 reuniu, em debate histórico, os
principais nomes do Departamento de Economia de Chicago e os principais nomes
da nova “ciência comportamental” em economia – Daniel Kahneman, Amos Tversky,
Herbert Simon, Richard Thaler. Este último, hoje Prêmio Nobel de Economia (como
Kahneman e Simon), terminou sua intervenção com duas afirmações falsas: “1)
Modelos racionais são inúteis; 2) todo comportamento é racional”. E concluiu:
“Forneci essas afirmações falsas porque ambos os lados do debate que ocorrerá
nesta conferência e em conferências semelhantes no futuro têm a tendência de
deturpar os pontos de vista do outro lado. Se todos concordassem que essas
afirmações são falsas, então ninguém precisaria perder tempo as repudiando”.
Sempre acreditei na importância de buscar
convergências. Busca que agora seria facilitada entre nós se, com honestidade
intelectual e boa-fé, sem recurso a chavões, rotulagens nem ofensas,
adotássemos alguma variante do método sugerido por Thaler para aprofundar o
debate sobre o novo regime fiscal no Brasil.
Apenas como exemplo, proponho duas
afirmações falsas a propósito do debate. 1) Um governo que “emite” sua própria
moeda não tem restrições ao aumento de seus gastos e de seu endividamento. Tem.
2) A responsabilidade social é incompatível com a responsabilidade fiscal. Não
é. Essa não é uma discussão teórica, mas política e factual. Há que se entender
os números fiscais do Brasil de hoje. A propósito, feliz 2023.
*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC
Brilhante artigo do Dr. Pedro Malan, negociador da Dívida Externa deixada pela ditadura e titular da Fazenda por oito anos, mais longevo desde a redemocratização. Oportuna citação de Keynes, maior economista do Século XX. Responsabimidade fiscal, indispensável, tem defesa na Ministra Simone Tebet, que merece ser ajudada.
ResponderExcluirPedro Maulan, ministro feio da história.
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