O Estado de S. Paulo.
O contraste com a escuridão bolsonarista é importante, mas também é preciso apresentar um plano de reativação econômica com responsabilidade
O maior fiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato continua sendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, auxiliado por seus filhos e por vândalos golpistas. Mas o sucesso de um governo requer algo mais que a rejeição da barbárie. Três semanas depois da posse presidencial, a nova equipe quase nada explicou sobre como pretende promover crescimento econômico, ampliação do emprego e redução da pobreza. Falta indicar com clareza se haverá ações bem programadas e sustentáveis ou se o caminho será o da gastança e do voluntarismo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu uma reforma tributária fatiada e a apresentação, até abril, de uma nova âncora fiscal, cobrada com especial insistência no setor financeiro. As promessas foram bem recebidas no mercado, mas as cobranças permanecem.
O governo continua ganhando pontos,
politicamente, com o compromisso de preservação ambiental e com outras
indicações de retorno à civilização. Um dos sinais foi a nomeação do físico
Ricardo Galvão para presidir o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), principal órgão federal de apoio à investigação
científica.
Também essa decisão tem valor simbólico,
além de administrativo. Em 2019, Bolsonaro demitiu Galvão da chefia do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por divulgar informações sobre a
expansão do desmatamento. Essa tentativa de negar dados transmitidos por
satélite foi um dos primeiros marcos de um longo conflito com a informação e
com a ciência. Nesse conflito, centenas de milhares de pessoas morreriam,
enquanto a vacinação se atrasava e o Executivo federal fazia campanha contra os
cuidados sanitários. A reconciliação com a ciência e, mais amplamente, com a
cultura pode ganhar um realce especial depois da destruição de peças históricas
e artísticas nas sedes dos Poderes.
Mas o governo continua devendo um desenho
claro de política econômica. O ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio
e Serviços, Geraldo Alckmin, prometeu um esforço de reindustrialização e citou
um possível corte da tributação setorial. Esse corte, segundo se indicou nos
dias seguintes, deve ser um dos efeitos da reforma tributária, com a unificação
de vários tributos num imposto sobre o valor adicionado (IVA).
Uma nova política industrial deverá
envolver, no entanto, muito mais que um alívio tributário. Será preciso
estimular, de novo, a absorção e a geração de tecnologia, incentivar a expansão
de capacidade e pensar, talvez, em rumos novos para a produção, além de cuidar
da integração global. Será necessário evitar a política, dominante em outra fase
petista, de favorecimento fiscal, financeiro e tarifário a grupos e ramos
industriais.
Esse trabalho deverá ser combinado com uma
revisão da diplomacia econômica. A revisão deverá envolver uma atualização do
Mercosul e dos acordos com parceiros latinoamericanos, sem a repetição de
tolices terceiro-mundistas. Essas tolices, dominantes em outros mandatos
petistas, já custaram muito ao País. O Brasil tem sido, na atuação econômica
externa, o menos pragmático dos grandes emergentes, com muito a aprender de países
como Turquia, Índia e China, embora já seja difícil falar da economia chinesa,
a segunda maior do mundo, como emergente.
Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
respeitado por seu realismo nas articulações políticas, tem mostrado pouca
propensão ao pragmatismo econômico, principalmente se isso envolver prudência
nas finanças públicas. Além de admitir um conflito entre estabilidade fiscal e
responsabilidade social, ele se recusa a ver o investimento como um gasto. Isso
é uma enorme bobagem.
Dois tipos de despesas – ou de gastos – são
registrados na contabilidade pública: o investimento e o custeio. Distinguem-se
por suas finalidades e por seus prováveis efeitos. Mas o investimento, assim
como o custeio do governo, depende de tributos, de ganhos das estatais e de
endividamento. Nenhum centavo cai do céu.
Além disso, o dinheiro investido em obras,
equipamento escolar e outros bens, assim como aquele destinado a salários e a
outros itens de custeio, desemboca no mercado e afeta negócios e preços. Ao
circular, esse dinheiro pode produzir efeitos positivos, mas também pode, em
certas condições, ocasionar inflação. Problemas podem surgir, também, quando é
grande a incerteza dos investidores sobre a evolução das contas públicas. A
insegurança, nesse caso, pode resultar em alta de juros e em fuga de capitais,
dólar mais caro e mais pressões inflacionárias.
Os pobres são em geral os mais prejudicados pela inflação e pelos juros altos. Tudo isso é sabido, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em suas falas, tende a minimizar ou a desconhecer esses dados, preferindo atribuir à ganância os problemas ocasionados pela insegurança fiscal. Não há como dizer, agora, se as promessas de seriedade fiscal do ministro Haddad e de sua colega do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, serão referendadas pelo presidente ou se prevalecerão os tiques ideológicos do petismo. Um Banco Central independente e competente como é hoje pode ser uma proteção contra desmandos.
Pode ser...
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