quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Tiago Cavalcanti* - Pesquisa auxilia políticas públicas

Valor Econômico

Pesquisa de qualidade em economia é uma importante ferramenta para auxiliar e avaliar as políticas públicas

No mês passado participei do 44º encontro da Sociedade Brasileira de Econometria, realizado em Fortaleza. Nos últimos 20 anos tenho participado muitas vezes desse congresso, que reúne economistas acadêmicos brasileiros e estrangeiros.

A qualidade do encontro com discussões especializadas só tem melhorado nos últimos anos. Os trabalhos apresentados têm qualidade semelhante aos que fazem parte dos melhores grandes congressos de economia no mundo. Há um número crescente de brasileiros estudando questões relevantes e importantes para políticas públicas.

A ideia de que a pesquisa acadêmica em economia não se conecta com a realidade fica longe de ser verdade. É uma visão equivocada de uma profissão dinâmica e criativa, que mudou bastante nos últimos anos e, pautada por evidências empíricas, é capaz de contribuir para o debate econômico e apoiar de forma robusta o desenho de políticas públicas.

Levando em conta a crescente disponibilidade das bases de dados com informações detalhadas sobre indivíduos, empresas, operações de crédito, transações na bolsa de valores, preço de bens e ativos, registros criminais, entre outras referências, é possível investigar questões importantes, avaliar políticas públicas e testar nexos de causalidades e hipóteses difíceis de serem testadas com dados agregados. É factível também produzir novos fatos e quebrar dogmas existentes, corroborando ou não teorias e gerando informações para novos modelos.

Um dos trabalhos no encontro de Fortaleza que me chamou bastante atenção foi “Avaliação do Uso de Câmeras Corporais Pela Polícia Militar do Estado de São Paulo”, apresentado pela pesquisadora Joana Monteiro, especialista em questões de violência urbana e professora da FGV-RJ. O trabalho tem coautoria com Eduardo Fagundes, Julia Guerra e Leandro Piquet.

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, com o programa Olho Vivo, introduziu a partir de 2021 o uso de câmeras corporais com o objetivo de reduzir o uso desproporcional da força policial. Política semelhante é adotada em outros países, inclusive nos Estados Unidos e no Reino Unido. O trabalho de Joana com colaboradores procura responder como a introdução desta política pública afetou a atividade policial e os indicadores de criminalidade.

Trata-se de uma questão difícil de responder e nem sempre fica claro se esta política não tenha resultados negativos indesejados. Como, por exemplo, sobre a queda nas atividades de patrulha para evitar casos que possam incriminar a corporação. Como também sobre a proteção de policiais, que por receio de alguma acusação podem poupar o uso da força. Tais fatos explicam, pelo menos em parte, porque a introdução desta política tem forte resistência das corporações e geram polêmicas, como estamos vendo neste exato momento em São Paulo e no Rio de Janeiro.

É possível, no entanto, que a atividade policial possa melhorar sua eficiência com a introdução desta política pública. As câmeras acopladas à farda podem inclusive aumentar o empoderamento da corporação, já que possíveis falsas acusações de uso desnecessário da força caem bruscamente.

Para estimar o efeito desta política pública em diversos indicadores criminais e no uso da força, os pesquisadores exploram o fato do emprego de câmeras acopladas à farda pela Polícia Militar do Estado de São Paulo ter sido introduzida em fases distintas por diferentes batalhões. Assim, é possível comparar regiões de atuação da polícia onde as câmeras foram introduzidas com outras áreas de controle, onde não houve o emprego desta política pública.

Os resultados mostram que o uso de câmeras acopladas à farda de policiais reduziu as mortes decorrentes de intervenção policial em 57%, comparando às áreas de atuação da polícia onde as câmeras não foram introduzidas. As lesões corporais decorrentes de intervenção policial também diminuíram significativamente, com uma queda de 63%. Ou seja, as evidências mostram que as intervenções policiais ficaram bem menos letais e mais seguras após a introdução das câmeras às fardas.

Os pesquisadores demonstram também que o uso da câmera pela polícia não reduziu prisões em flagrante. Sem alterar assim o policiamento em regiões que utilizaram as câmeras em relação às áreas de controle. Diversos indicadores de criminalidade também não sofreram nenhum efeito negativo, como, por exemplo, o registro de homicídios (não ligados as atividades policiais), roubos e furtos.

Um efeito interessante é que o uso de câmeras pela polícia aumentou o registro de porte ilegal de drogas e de armas, além de ter elevado em mais de 100% dos casos de violência doméstica. Tais resultados indicam que o uso das câmeras reforça o cumprimento de protocolos de ocorrências que costumam ser subnotificadas, aumentando assim a eficiência e eficácia das ações policiais.

Portanto, a adoção das câmeras acopladas à farda pela polícia de São Paulo foi eficaz para diminuir o uso excessivo da força, com efeitos positivos no combate à criminalidade e aumentando os registros de outros delitos, antes não notificados pela polícia.

Este trabalho demonstra também como a pesquisa de qualidade em economia é uma importante ferramenta para auxiliar e avaliar as políticas públicas. Na verdade, a maioria das políticas econômicas e sociais deveriam ser introduzidas em menor escala e avaliadas, ajustando para possíveis efeitos negativos antes de serem implementadas em larga escala.

Entretanto, vale notar que em outras áreas temos mais restrições. Em algumas políticas macro de ajuste fiscal, controle da inflação e gestão da dívida pública, existem dificuldades de experimentações, já que os custos de uma crise fiscal e prêmio de risco elevados podem minar a estabilidade dos governos.

Na área de políticas macroeconômicas, cabe o bom senso de evitar narrativas e ações que podem gerar abalos de confiança desnecessários, e às vezes contratar crises econômicas, como aconteceu no Reino Unido com a ex-primeira ministra Liz Truss. O caminho neste caso é buscarmos ancorar positivamente as expectativas macroeconômicas, de forma a criar as melhores condições necessárias para os governos implementarem políticas públicas efetivas. O recomendável aqui é usarmos as referências das teorias de reconhecida competência, ao lado de experiências históricas nos mais diversos países, inclusive no Brasil.

*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.

 

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