quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Vera Magalhães - Os limites do revogaço

O Globo

Revisão de atos monocráticos de Bolsonaro é bem-vinda, mas não se confunde com a ideia equivocada de revisitar reformas aprovadas pelo Congresso e já em vigor

Os primeiros atos de Lula foram voltados para revogar decretos, portarias e resoluções de Jair Bolsonaro e seu governo que ele já havia anunciado largamente na campanha que anularia.

Liberação de armas e munições sem qualquer controle, sigilos de cem anos para proteger o ex-presidente e familiares, desmonte ambiental e medidas que atingiam de morte a inclusão de pessoas com deficiência entraram nesse pacote.

Todas essas medidas tinham em comum o aspecto ideológico que pautou sua edição e a forma arbitrária, sem discussão com a sociedade, o Congresso e as minorias atingidas pela sua adoção.

Portanto, o “revogaço”, e nos primeiros dias — como o então candidato anunciou na propaganda que faria —, deve ser saudado, porque significa começar a corrigir os retrocessos em marcos civilizatórios e de direitos que o Brasil viveu nos últimos quatro anos.

De outra natureza é a tentação de rever indiscriminadamente todas as medidas dos governos Michel Temer e Bolsonaro que tenham sido fruto de análise do Congresso Nacional e já tenham gerado consequências jurídicas e de investimentos depois de adotadas. E em poucos dias de governo são muitas as sinalizações de ministros de que pretendem enveredar por esse caminho que pode se mostrar desastroso.

Fui das primeiras a apontar os dois pesos e duas medidas de um mercado que condescendeu com toda sorte de pedaladas fiscais, que nem pelo nome foram chamadas, de Paulo Guedes e Bolsonaro no afã de reeleger o capitão, sem sucesso. Esse é o principal motivo da atual depauperação das contas públicas, e não declarações de Lula, Haddad ou qualquer integrante do novo governo, por mais preocupantes que sejam.

Dito isso, não adianta nada o novo ministro da Fazenda tentar apagar o incêndio do mercado se colegas como Carlos Lupi desandam a buscar protagonismo indevido com negacionismo contábil e dizendo, em 2023, que a Previdência não é deficitária.

Rediscutir a reforma aprovada pelo Congresso só porque mudou a diretriz ideológica do governo nada mais é do que fomentar instabilidade jurídica e sinalizar aos investidores que aqui até o aprovado por quórum de emenda constitucional é algo gelatinoso e com o que não se pode contar. Ademais, rever essa reforma seria um enorme tiro no pé, pois levaria a que Lula tivesse uma fatia ainda menor do Orçamento para os investimentos que sonha voltar a fazer.

Da mesma natureza desastrosa é a ideia de rasgar o marco do saneamento básico. Tanto que a ficha começa a cair, e agora o ministro da Casa Civil, Rui Costa, já fala em preservar a lei aprovada pelo Congresso, depois de amplo debate com governadores, setor privado e sociedade, e alterar apenas pontualmente a regulação posterior.

De todas as reformas de mais fôlego aprovadas nos governos não petistas, as que parecem fadadas a serem revistas são mesmo a trabalhista e o teto de gastos — e aqui, ao menos, existe a justificativa de que a bola já foi cantada na campanha, então já pode estar mais ou menos assimilada pelos agentes econômicos.

Será um tremendo engano se Lula, num flashback, achar que o mundo do trabalho é do ABC de quando era líder sindical e que instituirá na marra a volta do império da CLT num mundo que girou muitas vezes desde então. A própria tentativa de rever a legislação deverá mostrar ao governo a complexidade e o risco disso.

No caso do teto, as inúmeras vezes em que ele foi arrombado por quem dizia respeitá-lo não dá muita margem para a defesa de sua manutenção como está. Que venha, então, um novo marco fiscal que mostre que, em seu terceiro governo, Lula é alguém que entende que não é possível a um governo gastar como se não houvesse amanhã, porque ele sempre chega. O exemplo de Dilma Rousseff estará sempre ali do lado para lembrá-lo.

 

2 comentários:

  1. Anônimo4/1/23 11:54

    Ora, pois...
    Um bom novo teto vai ajudar bem.
    Bem como a ajuda da jornalista põe água no chopp das pretensões de Lupi (ou pretensões do PDT?).
    A conferir

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  2. A colunista entende do riscado.

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