O Globo
Revisão de atos monocráticos de Bolsonaro é
bem-vinda, mas não se confunde com a ideia equivocada de revisitar reformas
aprovadas pelo Congresso e já em vigor
Os primeiros atos de Lula foram voltados
para revogar decretos, portarias e resoluções de Jair Bolsonaro e seu governo
que ele já havia anunciado largamente na campanha que anularia.
Liberação de armas e munições sem qualquer
controle, sigilos de cem anos para proteger o ex-presidente e familiares,
desmonte ambiental e medidas que atingiam de morte a inclusão de pessoas com
deficiência entraram nesse pacote.
Todas essas medidas tinham em comum o
aspecto ideológico que pautou sua edição e a forma arbitrária, sem discussão
com a sociedade, o Congresso e as minorias atingidas pela sua adoção.
Portanto, o “revogaço”, e nos primeiros
dias — como o então candidato anunciou na propaganda que faria —, deve ser
saudado, porque significa começar a corrigir os retrocessos em marcos
civilizatórios e de direitos que o Brasil viveu nos últimos quatro anos.
De outra natureza é a tentação de rever indiscriminadamente todas as medidas dos governos Michel Temer e Bolsonaro que tenham sido fruto de análise do Congresso Nacional e já tenham gerado consequências jurídicas e de investimentos depois de adotadas. E em poucos dias de governo são muitas as sinalizações de ministros de que pretendem enveredar por esse caminho que pode se mostrar desastroso.
Fui das primeiras a apontar os dois pesos e
duas medidas de um mercado que condescendeu com toda sorte de pedaladas
fiscais, que nem pelo nome foram chamadas, de Paulo Guedes e Bolsonaro no afã
de reeleger o capitão, sem sucesso. Esse é o principal motivo da atual
depauperação das contas públicas, e não declarações de Lula, Haddad ou qualquer
integrante do novo governo, por mais preocupantes que sejam.
Dito isso, não adianta nada o novo ministro
da Fazenda tentar apagar o incêndio do mercado se colegas como Carlos Lupi
desandam a buscar protagonismo indevido com negacionismo contábil e dizendo, em
2023, que a Previdência não é deficitária.
Rediscutir a reforma aprovada pelo
Congresso só porque mudou a diretriz ideológica do governo nada mais é do que
fomentar instabilidade jurídica e sinalizar aos investidores que aqui até o
aprovado por quórum de emenda constitucional é algo gelatinoso e com o que não
se pode contar. Ademais, rever essa reforma seria um enorme tiro no pé, pois
levaria a que Lula tivesse uma fatia ainda menor do Orçamento para os
investimentos que sonha voltar a fazer.
Da mesma natureza desastrosa é a ideia de
rasgar o marco do saneamento básico. Tanto que a ficha começa a cair, e agora o
ministro da Casa Civil, Rui Costa, já fala em preservar a lei aprovada pelo
Congresso, depois de amplo debate com governadores, setor privado e sociedade,
e alterar apenas pontualmente a regulação posterior.
De todas as reformas de mais fôlego
aprovadas nos governos não petistas, as que parecem fadadas a serem revistas
são mesmo a trabalhista e o teto de gastos — e aqui, ao menos, existe a
justificativa de que a bola já foi cantada na campanha, então já pode estar
mais ou menos assimilada pelos agentes econômicos.
Será um tremendo engano se Lula, num
flashback, achar que o mundo do trabalho é do ABC de quando era líder sindical
e que instituirá na marra a volta do império da CLT num mundo que girou muitas
vezes desde então. A própria tentativa de rever a legislação deverá mostrar ao
governo a complexidade e o risco disso.
No caso do teto, as inúmeras vezes em que
ele foi arrombado por quem dizia respeitá-lo não dá muita margem para a defesa
de sua manutenção como está. Que venha, então, um novo marco fiscal que mostre
que, em seu terceiro governo, Lula é alguém que entende que não é possível a um
governo gastar como se não houvesse amanhã, porque ele sempre chega. O exemplo
de Dilma Rousseff estará sempre ali do lado para lembrá-lo.
Ora, pois...
ResponderExcluirUm bom novo teto vai ajudar bem.
Bem como a ajuda da jornalista põe água no chopp das pretensões de Lupi (ou pretensões do PDT?).
A conferir
A colunista entende do riscado.
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