sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Vinicius Torres Freire - O contra-ataque de Haddad

Folha de S. Paulo

Resultado de plano da Fazenda é incerto, mas mostra intenção de conter gasto excessivo

Com menos de uma quinzena no cargo, Fernando Haddad armou um contra-ataque razoável à ideia de que haverá descalabro nos gastos do governo. Daí pode sair pelo menos um gol, uma redução do déficit previsto para este ano, ora equivalente a 2,16% do PIB (quase R$ 232 bilhões), para 1% do PIB.

O plano Haddad 1 deve diminuir o prejuízo que o governo de transição arrumou em novembro e dezembro, quando Lula da Silva deu pontapés na ideia de controle da dívida, o que resultou em aumento da taxa de juros, já algo atenuado, mas ainda muito ruim.

É um progresso. A virada do jogo dependerá de mudança de tática e estratégia, em especial da nova regra fiscal (o "teto" de Lula 3), mas não apenas.

Medidas que segurem gastos no Bolsa Família, por exemplo, sem redução da eficácia social, providências que acelerem o crescimento (facilitação de investimento privado) ou a revisão de despesas em programas ineficazes podem melhorar as contas e contribuir para abater a taxa de juros. Isto é, podem recuperar o otimismo que se via até o início de novembro.

Armínio Fraga chama a atenção para o fato de que o governo pode evitar aumento maior do salário mínimo (o que bate na despesa do INSS), assim como para a possível redução de despesa e melhoria da qualidade do gasto com o Bolsa Família, economias que não estavam na planilha do plano Haddad, que o economista considerou em geral "positivo".

Na planilha da Fazenda, o pacote produziria até um pequeno superávit, de 0,1% do PIB. É improvável por vários motivos. Haddad reconheceu que seria realista um déficit entre 0,5% e 1% do PIB.

A Fazenda pode esperar uma receita de impostos em 2023 maior do que a prevista pelo Orçamento, embora ainda não se saiba o quanto a economia vai esfriar. O governo pode ainda gastar menos do que o permitido pela lei orçamentária. Pode evitar que empresas usem créditos indevidos do ICMS. Ou conseguir algum abatimento nos preços de contratos do governo federal, jamais grande coisa, e usar dinheiro largado no PIS/Pasep. Se tudo der certo, o déficit cai para perto de 1% do PIB, a não ser que apareçam mais esqueletos no armário de horrores da gestão Jair Bolsonaro.

No mais, as economias do plano Haddad viriam de mudanças na administração de conflitos de contribuintes com a Receita e com a volta do direito do governo de desempatar votações no Carf, o tribunal administrativo dos impostos federais.

Depois que o governo perdeu o direito a esse voto de qualidade, a litigância aumentou (bidu) e a União passou a perder votações que contrariavam até decisões de tribunais superiores, como disse Haddad.

Nesse emaranhado sobre contenciosos de impostos, o governo veio também com uma espécie de Refis, perdão de dívidas com o objetivo de fazer com que contribuintes paguem parte do que, em tese, devem. Fraga chamou esse Refisinho de "duvidoso".

A mudança no Carf depende do Congresso, que vai podar parte dos planos de Haddad. Os ganhos com essas mudanças são incertos, de qualquer modo.

Não se sabe também se virá dinheiro da volta de cobrança de impostos sobre combustíveis, a depender de Lula. Outras "reonerações" sumiram da conversa.

Haddad disse que seu plano é manter despesa e receita no nível de 2022. Nos 12 meses até novembro, a receita era de 18,9% do PIB; a despesa, de 18,3%. Isto é, superávit de 0,6%, pois.

Não deve acontecer neste 2023, afora milagre, pois a despesa deu um salto na "transição" e a receita deve padecer por causa do PIBinho. Mas os números de 2022, com alguma correção lá por abril, servem de baliza. Ao lado de uma regra fiscal decente, podem virar o placar do jogo macroeconômico.

 

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