domingo, 5 de fevereiro de 2023

Alessandro Janoni* - As diferenças das peças do mosaico no eleitorado

O Globo

É urgente a compreensão dos vetores de composição da opinião pública para diagnóstico dos pontos de ruptura

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, propôs um pacote antigolpismo que vai da criação de guarda nacional no Distrito Federal à aplicação de multas contra redes sociais e a leis mais duras no combate a atos antidemocráticos, como os que ocorreram em Brasília em 8 de janeiro. Vigiar e punir, como ensina o filósofo.

No entanto a principal vacina, o ministro já tinha aplicado nas primeiras declarações depois do episódio. Dino se preocupou em não generalizar o perfil dos envolvidos e deixou claro que se tratava de um grupo minoritário, não representativo de eleitores de Jair Bolsonaro (PL).

A fidelidade ao ex-presidente alcança em média 15% dos brasileiros, segundo escala elaborada pelo Datafolha. É um estrato que adere à maioria das pautas reacionárias ostentadas pelo bolsonarismo radical. Em percentual, parece pouco, mas, projetando sobre o eleitorado, o contingente totaliza cerca de 20 milhões de pessoas.

As imagens de violência da horda em catarse contra símbolos da democracia brasileira ficam longe de 1% da base a que ela pertence. Se calculada sobre os 58 milhões de votos recebidos pelo ex-presidente na última eleição, é quase “traço”.

A sobriedade punitiva de Dino foi cirúrgica — há dez anos, nas jornadas de junho, a repressão passional contra estudantes de classe média elevou a crise de representação a um patamar de descontrole cujas sequelas continuam vivas.

Mas, em paralelo às medidas agudas, é urgente a compreensão dos vetores de composição da opinião pública para diagnóstico dos pontos de ruptura e busca por unidade nacional. As redes sociais são apenas um meio de propagação desses vetores.

Em “A decisão do voto — Democracia e racionalidade” (1991), Marcus Figueiredo propõe um modelo multidisciplinar que contempla sociologia, psicologia social e economia para explicar a mobilização da opinião pública.

O primeiro vetor é a sensação de pertencimento a um grupo ou classe por meio de opiniões congruentes. O segundo refere-se a valores que determinam o comportamento do indivíduo em seu ambiente social, e o terceiro é a associação que o eleitor estabelece entre as políticas públicas e a percepção de bem-estar.

Os três vetores recebem pesos diferentes de cada segmento do eleitorado, de acordo com a conjuntura. Na última eleição, o recall das políticas de combate à miséria dos governos anteriores de Lula (PT) inflou o vetor da percepção de bem-estar nos estratos que mais sofreram na pandemia e que têm grande participação quantitativa no eleitorado, como mulheres de menor renda.

Não por acaso, Bolsonaro tentou diminuir o peso desse fator na decisão do voto com o aumento do Auxílio Brasil, deslocando o eixo para a esfera de valores, onde transita com mais conforto em razão da matriz evangélica.

Nos Estados Unidos, pesquisas desenvolvidas pelo Pew Research Center vêm agregando à escala tradicional de tipologia política segmentações com base em variáveis desse tipo por causa da heterogeneidade da polarização na era Trump.

No estudo “Beyond Red vs Blue”, divulgado no final de 2021, os americanos são subdivididos em nove grupos, do extremo conservadorismo à esquerda progressista, por meio de vetores de intersecção e rejeição entre republicanos e democratas. Lá, os patriotas cristãos correspondem a 10% do total, alcançam 23% entre republicanos e 6% entre democratas.

Generalizações podem aprofundar crises de representação. O antídoto é compreender o peso dos fatores segundo a realidade dos diferentes segmentos, desenvolvendo políticas públicas adequadas às demandas específicas — um belo mosaico que respeita as características quase nunca perfeitas de cada peça.

*Alessandro Janoni, consultor em pesquisas de opinião pública, foi diretor do Datafolha

 

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