O Globo
É urgente a compreensão dos vetores de
composição da opinião pública para diagnóstico dos pontos de ruptura
O ministro da Justiça e Segurança
Pública, Flávio Dino,
propôs um pacote antigolpismo que vai da criação de guarda nacional no Distrito
Federal à aplicação de multas contra redes sociais e a leis mais duras no
combate a atos antidemocráticos, como os que ocorreram em Brasília em 8 de
janeiro. Vigiar e punir, como ensina o filósofo.
No entanto a principal vacina, o ministro
já tinha aplicado nas primeiras declarações depois do episódio. Dino se
preocupou em não generalizar o perfil dos envolvidos e deixou claro que se
tratava de um grupo minoritário, não representativo de eleitores de Jair
Bolsonaro (PL).
A fidelidade ao ex-presidente alcança em média 15% dos brasileiros, segundo escala elaborada pelo Datafolha. É um estrato que adere à maioria das pautas reacionárias ostentadas pelo bolsonarismo radical. Em percentual, parece pouco, mas, projetando sobre o eleitorado, o contingente totaliza cerca de 20 milhões de pessoas.
As imagens de violência da horda em catarse
contra símbolos da democracia brasileira ficam longe de 1% da base a que ela
pertence. Se calculada sobre os 58 milhões de votos recebidos pelo
ex-presidente na última eleição, é quase “traço”.
A sobriedade punitiva de Dino foi cirúrgica
— há dez anos, nas jornadas de junho, a repressão passional contra estudantes
de classe média elevou a crise de representação a um patamar de descontrole
cujas sequelas continuam vivas.
Mas, em paralelo às medidas agudas, é
urgente a compreensão dos vetores de composição da opinião pública para diagnóstico
dos pontos de ruptura e busca por unidade nacional. As redes sociais são apenas
um meio de propagação desses vetores.
Em “A decisão do voto — Democracia e
racionalidade” (1991), Marcus Figueiredo propõe um modelo multidisciplinar que
contempla sociologia, psicologia social e economia para explicar a mobilização
da opinião pública.
O primeiro vetor é a sensação de
pertencimento a um grupo ou classe por meio de opiniões congruentes. O segundo
refere-se a valores que determinam o comportamento do indivíduo em seu ambiente
social, e o terceiro é a associação que o eleitor estabelece entre as políticas
públicas e a percepção de bem-estar.
Os três vetores recebem pesos diferentes de
cada segmento do eleitorado, de acordo com a conjuntura. Na última eleição, o
recall das políticas de combate à miséria dos governos anteriores de Lula (PT)
inflou o vetor da percepção de bem-estar nos estratos que mais sofreram na
pandemia e que têm grande participação quantitativa no eleitorado, como
mulheres de menor renda.
Não por acaso, Bolsonaro tentou diminuir o
peso desse fator na decisão do voto com o aumento do Auxílio Brasil, deslocando
o eixo para a esfera de valores, onde transita com mais conforto em razão da
matriz evangélica.
Nos Estados Unidos, pesquisas desenvolvidas
pelo Pew Research Center vêm agregando à escala tradicional de tipologia
política segmentações com base em variáveis desse tipo por causa da
heterogeneidade da polarização na era Trump.
No estudo “Beyond Red vs Blue”, divulgado
no final de 2021, os americanos são subdivididos em nove grupos, do extremo
conservadorismo à esquerda progressista, por meio de vetores de intersecção e
rejeição entre republicanos e democratas. Lá, os patriotas cristãos
correspondem a 10% do total, alcançam 23% entre republicanos e 6% entre
democratas.
Generalizações podem aprofundar crises de
representação. O antídoto é compreender o peso dos fatores segundo a realidade
dos diferentes segmentos, desenvolvendo políticas públicas adequadas às
demandas específicas — um belo mosaico que respeita as características quase
nunca perfeitas de cada peça.
*Alessandro Janoni, consultor em pesquisas
de opinião pública, foi diretor do Datafolha
Desculpe-me, não entendi nada.
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