O Globo
Ao barganhar com Centrão, Lula arrisca
virar sócio de novos escândalos
A frase ganhou as manchetes e causou
revolta entre padres e bispos. Líder do Centrão na Constituinte, o deputado
Roberto Cardoso Alves exigia mais cargos no governo para aprovar a extensão do
mandato de José Sarney. Ao defender a barganha, citou um trecho da Oração de
São Francisco de Assis. “É dando que se recebe”, disse, em janeiro de 1988.
Trinta e cinco anos depois, o deputado Luciano Bivar reciclou a máxima de Robertão. Na terça-feira, o presidente do União Brasil fez uma série de cobranças para apoiar projetos enviados pelo Planalto. Sem corar, subordinou os votos na Câmara à entrega de cargos na máquina federal. “Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios poderemos garantir”, declarou.
Em entrevista ao GLOBO, Bivar apresentou
uma espécie de lista de compras. Reivindicou a Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e o Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas (Denocs). Os três órgãos são mais disputados do que muitos
ministérios. Movimentam bilhões de reais por ano e têm presença assídua no
noticiário de corrupção.
Lula se elegeu sem maioria no Congresso.
Precisa ampliar sua base para governar. A negociação de cargos faz parte da
política. O problema é quando descamba para a chantagem explícita.
O presidente entregou já três ministérios
ao União Brasil: Turismo, Integração Nacional e Comunicações. Por sua conta e
risco, aceitou nomear Daniela Carneiro, que mantém elos com milicianos da
Baixada Fluminense, e Waldez Góes, condenado pelo STJ por desvios no Amapá.
Completa o trio o ministro Juscelino Filho, que usou verbas do orçamento
secreto para asfaltar a estrada que passa por sua fazenda no Maranhão.
Apesar de ter abocanhado as três pastas, o
União Brasil não saciou seu apetite. Quer mais cargos no segundo e terceiro
escalões do governo. Bivar não deve levar tudo o que deseja, mas seu partido já
foi avisado de que manterá o comando da Codevasf. O órgão continuará sob as
ordens de um preposto do deputado Elmar Nascimento.
O líder do União Brasil na Câmara começou a
controlar a Codevasf em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Desde
então, auditorias do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da
República apontaram diversas irregularidades: de indícios de superfaturamento a
obras de pavimentação que desmancham com a chuva. Ao manter o órgão nas mãos do
mesmo grupo político, Lula assume o risco de virar sócio de novos escândalos.
Quando Robertão tentou envolver São
Francisco em seu cambalacho, o bispo de Juzeiro lembrou que a oração não
tratava da troca de cargos por apoio político. “Os benefícios e o dinheiro são
do povo, não podem ser barganhados dessa maneira”, disse dom José Rodrigues. Os
articuladores do novo governo deveriam ouvir o bispo antes de negociar com a dupla
Bivar & Elmar.
Quem dera?
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