segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Bruno Carazza* - Salles na Comissão de Meio Ambiente?

Valor Econômico

Arthur Lira tem todas as armas para chantagear Lula

A possibilidade de Ricardo Salles (PL-SP) ser indicado para a presidência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara assombrou petistas e ambientalistas nas últimas semanas.

O risco de o ex-ministro bolsonarista comandar o órgão que analisa todos os projetos que versam sobre direito ambiental e recursos naturais aparentemente foi afastado na última reunião de líderes dos partidos, mas o martelo só deverá ser batido na terça-feira (28).

O imbróglio envolvendo Salles e a CMADS demonstra a importância que as comissões assumiram nos trabalhos legislativos, mas também a habilidade de Arthur Lira (PP-AL) de criar dificuldades para, assim, vender facilidades ao governo Lula.

Para quem não está familiarizado com o funcionamento do Congresso Nacional, as comissões permanentes são órgãos constituídos para analisar propostas legislativas de acordo com o seu tema. São 14 comissões no Senado e, no dia 08/02, Lira quitou uma das suas promessas de campanha e ampliou o número na Câmara de 25 para 30 colegiados.

A criação de comissões destina-se a potencializar a atividade legislativa explorando as vantagens da divisão do trabalho e da especialização. Como são apresentados milhares de projetos de lei todos os anos, a discussão flui melhor se eles forem organizados segundo a pertinência temática e analisados por fóruns de 18 a 66 deputados antes de ir à votação em Plenário.

A constituição desses comitês também serve para acomodar os interesses dos parlamentares, que por sua formação acadêmica, atuação profissional ou por defenderem certas plataformas políticas, pretendem concentrar seu trabalho em algum assunto específico, como Amazônia e Povos Originários, Saúde, Trabalho, Desenvolvimento Econômico ou Comunicação - para ficar nas cinco novas comissões que acabaram de ser criadas por Lira.

Os ganhos decorrentes dessa especialização da atividade parlamentar nas comissões, porém, têm um preço. Numa dissertação de mestrado com peso de tese de doutorado defendida em 2018 na UFMG, o cientista político Ciro Resende compilou toda a produção acadêmica brasileira e internacional sobre o papel das comissões legislativas. De quebra, ainda apresentou uma série de dados demonstrando como lobbies exercem uma influência pesada sobre as deliberações de seus membros.

Quando se observa seu funcionamento, fica mais claro por que a presidência das comissões é objeto de cobiça de partidos e parlamentares. Embora sejam as grandes votações em plenário que chamam a atenção da mídia e do público em geral, é no interior das comissões que o jogo legislativo é jogado e, muitas vezes, definido.

Numa tramitação normal, antes de chegar ao plenário um PL passa por um processo de seleção natural em que ele é analisado por duas ou mais comissões, a depender da sua abrangência. Nessas comissões, a proposta recebe emendas de outros parlamentares, é analisada por relatores que podem inclusive alterar completamente seus dispositivos (os famosos substitutivos) e é submetida a votação diante de todos os membros da comissão.

Como são milhares de projetos e dezenas de comissões, raramente esse trabalho é acompanhado atentamente pela sociedade. Enquanto isso, os grupos de interesses vêm nas comissões uma arena estratégica, seja para promover seus pleitos privados, seja para barrar medidas que possam prejudicar seus negócios ou visões ideológicas.

Lula deixou claro inúmeras vezes que o meio-ambiente será um dos pilares de seu terceiro mandato. Nesse sentido, um bolsonarista e representante da visão mais atrasada do agronegócio como Ricardo Salles presidindo a Comissão do Meio Ambiente seria um pesadelo para os petistas. Se isso não acontecer, Lula sairá devendo essa a Lira. Explico.

Segundo o art. 58 da Constituição, as Comissões da Câmara e do Senado devem ser compostas respeitando o peso proporcional de cada partido ou bloco parlamentar no plenário. O PL, com 99 deputados, tem a maior bancada, sendo seguido pela federação PT-PCdoB-PV, com 81.

Durante o recesso parlamentar, Lula tentou articular a formação de um grande bloco para isolar o bolsonarista PL e, assim, ter controle sobre as comissões mais importantes. Acontece que Arthur Lira atropelou os planos do governo, formando um blocão que reuniu em torno de si praticamente todos os partidos, inclusive PL e PT. Como para fins regimentais o que vale é a configuração de blocos no início da legislatura, mesmo que eles se desfaçam nos dias seguintes, Lira amarrou quase todas as siglas - e isso valerá para os próximos quatro anos.

Isso significa que Lira se tornou o grande árbitro em todas as negociações que serão travadas ao longo de seu mandato para determinar quem comandará não apenas as 30 comissões permanentes, como qualquer comissão temporária especial e CPI que venha a ser criada daqui pra frente.

Nos próximos meses, o governo enviará ao Congresso um projeto para um novo arcabouço fiscal em substituição ao teto de gastos. Se o bloco do governo fosse o maior da Câmara, um parlamentar da confiança de Lula seria escolhido para comandar a comissão especial que analisará a proposta. Como prevaleceu o blocão de Lira, o PL poderá pleitear o comando, indicando um bolsonarista. Quem poderá evitar que isso aconteça? Você acertou, Arthur Lira.

O mesmo raciocínio vale para a reforma tributária ou qualquer PEC que o governo encaminhe para a Câmara. Se o projeto for estratégico para o governo, basta Lira manobrar as regras regimentais e constituir uma comissão especial e a escolha da presidência ficará em suas mãos.

Agora imagine que surja um escândalo no governo e a oposição consiga apoios suficientes para a instauração de uma CPI. Quem terá o poder de determinar seu presidente? Sempre ele, Arthur Lira.

Assim como Bolsonaro comeu nas mãos de Lira nos últimos anos, Lula terá problemas se não o tratar muito bem. Ninguém, nem mesmo Eduardo Cunha, jamais teve tanto poder no Congresso.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

5 comentários:

  1. Isso é que precisa de 'reforma'...
    Fszer como?

    ResponderExcluir
  2. Excelente coluna, muito didática, espetacular! Parabéns ao autor por sua clareza, e ao blog por divulgar trabalho tão importante!

    ResponderExcluir
  3. Lula e Lira,uma dobradinha improvável.

    ResponderExcluir
  4. O boiadeiro Ricardo Salles deveria estar na Comissão de Agricultura! Ou então pastando em algum campo ralo por aí, antes de ser julgado e condenado pelos novos crimes que cometeu contra o ambiente brasileiro. Lembrando que ele já foi condenado pelo TJ-SP.

    ResponderExcluir
  5. Chocante foi o Zé Boiada ter tido mais votos que Marina Silva.

    ResponderExcluir