Valor Econômico
Arthur Lira tem todas as armas para
chantagear Lula
A possibilidade de Ricardo Salles (PL-SP)
ser indicado para a presidência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (CMADS) da Câmara assombrou petistas e ambientalistas nas últimas
semanas.
O risco de o ex-ministro bolsonarista
comandar o órgão que analisa todos os projetos que versam sobre direito
ambiental e recursos naturais aparentemente foi afastado na última reunião de
líderes dos partidos, mas o martelo só deverá ser batido na terça-feira (28).
O imbróglio envolvendo Salles e a CMADS
demonstra a importância que as comissões assumiram nos trabalhos legislativos,
mas também a habilidade de Arthur Lira (PP-AL) de criar dificuldades para,
assim, vender facilidades ao governo Lula.
Para quem não está familiarizado com o funcionamento do Congresso Nacional, as comissões permanentes são órgãos constituídos para analisar propostas legislativas de acordo com o seu tema. São 14 comissões no Senado e, no dia 08/02, Lira quitou uma das suas promessas de campanha e ampliou o número na Câmara de 25 para 30 colegiados.
A criação de comissões destina-se a
potencializar a atividade legislativa explorando as vantagens da divisão do
trabalho e da especialização. Como são apresentados milhares de projetos de lei
todos os anos, a discussão flui melhor se eles forem organizados segundo a
pertinência temática e analisados por fóruns de 18 a 66 deputados antes de ir à
votação em Plenário.
A constituição desses comitês também serve
para acomodar os interesses dos parlamentares, que por sua formação acadêmica,
atuação profissional ou por defenderem certas plataformas políticas, pretendem
concentrar seu trabalho em algum assunto específico, como Amazônia e Povos
Originários, Saúde, Trabalho, Desenvolvimento Econômico ou Comunicação - para
ficar nas cinco novas comissões que acabaram de ser criadas por Lira.
Os ganhos decorrentes dessa especialização
da atividade parlamentar nas comissões, porém, têm um preço. Numa dissertação
de mestrado com peso de tese de doutorado defendida em 2018 na UFMG, o
cientista político Ciro Resende compilou toda a produção acadêmica brasileira e
internacional sobre o papel das comissões legislativas. De quebra, ainda
apresentou uma série de dados demonstrando como lobbies exercem uma influência
pesada sobre as deliberações de seus membros.
Quando se observa seu funcionamento, fica
mais claro por que a presidência das comissões é objeto de cobiça de partidos e
parlamentares. Embora sejam as grandes votações em plenário que chamam a
atenção da mídia e do público em geral, é no interior das comissões que o jogo
legislativo é jogado e, muitas vezes, definido.
Numa tramitação normal, antes de chegar ao
plenário um PL passa por um processo de seleção natural em que ele é analisado
por duas ou mais comissões, a depender da sua abrangência. Nessas comissões, a
proposta recebe emendas de outros parlamentares, é analisada por relatores que
podem inclusive alterar completamente seus dispositivos (os famosos
substitutivos) e é submetida a votação diante de todos os membros da comissão.
Como são milhares de projetos e dezenas de
comissões, raramente esse trabalho é acompanhado atentamente pela sociedade.
Enquanto isso, os grupos de interesses vêm nas comissões uma arena estratégica,
seja para promover seus pleitos privados, seja para barrar medidas que possam
prejudicar seus negócios ou visões ideológicas.
Lula deixou claro inúmeras vezes que o
meio-ambiente será um dos pilares de seu terceiro mandato. Nesse sentido, um
bolsonarista e representante da visão mais atrasada do agronegócio como Ricardo
Salles presidindo a Comissão do Meio Ambiente seria um pesadelo para os
petistas. Se isso não acontecer, Lula sairá devendo essa a Lira. Explico.
Segundo o art. 58 da Constituição, as
Comissões da Câmara e do Senado devem ser compostas respeitando o peso
proporcional de cada partido ou bloco parlamentar no plenário. O PL, com 99
deputados, tem a maior bancada, sendo seguido pela federação PT-PCdoB-PV, com
81.
Durante o recesso parlamentar, Lula tentou
articular a formação de um grande bloco para isolar o bolsonarista PL e, assim,
ter controle sobre as comissões mais importantes. Acontece que Arthur Lira
atropelou os planos do governo, formando um blocão que reuniu em torno de si
praticamente todos os partidos, inclusive PL e PT. Como para fins regimentais o
que vale é a configuração de blocos no início da legislatura, mesmo que eles se
desfaçam nos dias seguintes, Lira amarrou quase todas as siglas - e isso valerá
para os próximos quatro anos.
Isso significa que Lira se tornou o grande
árbitro em todas as negociações que serão travadas ao longo de seu mandato para
determinar quem comandará não apenas as 30 comissões permanentes, como qualquer
comissão temporária especial e CPI que venha a ser criada daqui pra frente.
Nos próximos meses, o governo enviará ao
Congresso um projeto para um novo arcabouço fiscal em substituição ao teto de
gastos. Se o bloco do governo fosse o maior da Câmara, um parlamentar da
confiança de Lula seria escolhido para comandar a comissão especial que
analisará a proposta. Como prevaleceu o blocão de Lira, o PL poderá pleitear o
comando, indicando um bolsonarista. Quem poderá evitar que isso aconteça? Você
acertou, Arthur Lira.
O mesmo raciocínio vale para a reforma
tributária ou qualquer PEC que o governo encaminhe para a Câmara. Se o projeto
for estratégico para o governo, basta Lira manobrar as regras regimentais e
constituir uma comissão especial e a escolha da presidência ficará em suas
mãos.
Agora imagine que surja um escândalo no
governo e a oposição consiga apoios suficientes para a instauração de uma CPI.
Quem terá o poder de determinar seu presidente? Sempre ele, Arthur Lira.
Assim como Bolsonaro comeu nas mãos de Lira
nos últimos anos, Lula terá problemas se não o tratar muito bem. Ninguém, nem
mesmo Eduardo Cunha, jamais teve tanto poder no Congresso.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Isso é que precisa de 'reforma'...
ResponderExcluirFszer como?
Excelente coluna, muito didática, espetacular! Parabéns ao autor por sua clareza, e ao blog por divulgar trabalho tão importante!
ResponderExcluirLula e Lira,uma dobradinha improvável.
ResponderExcluirO boiadeiro Ricardo Salles deveria estar na Comissão de Agricultura! Ou então pastando em algum campo ralo por aí, antes de ser julgado e condenado pelos novos crimes que cometeu contra o ambiente brasileiro. Lembrando que ele já foi condenado pelo TJ-SP.
ResponderExcluirChocante foi o Zé Boiada ter tido mais votos que Marina Silva.
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