Folha de S. Paulo
Embora 'gigante pela própria natureza', o
Brasil não encontrou espaço para abrigar negros
As imagens do mar de lama que deixou um rastro
de destruição e mortes no litoral norte de SP em razão da
chuvarada me fizeram lembrar de quando o filho de uma conhecida, aos sete anos,
disparou a pergunta: onde dormem as "pessoas de cor"?
Indagação perspicaz para uma criança
nascida e criada em região nobre e acostumada a frequentar o clube social do
bairro, bons restaurantes e escola particular. Por desfrutar do melhor da
infraestrutura da cidade –oportunidade que, em geral, é negada aos mais
pobres–, estava desacostumada ao convívio com pretos e pardos, já que a pobreza
tem cor no país.
Embora "gigante pela própria natureza", o Brasil não encontrou espaço para abrigar os negros. No quesito moradia, o resultado é evidente na ocupação desordenada e irregular de locais precários, muitos deles áreas de risco.
De Norte a Sul, eis a origem das nossas
favelas, palafitas, mocambos, alagados e periferias, todos erguidos sem
infraestrutura adequada para habitação. Não por opção, e sim por falta de
alternativa –é bom que se registre.
Aos historicamente abandonados pelo
Estado, restou criar
"soluções de contorno" para sobreviver. Pelo menos quatro
milhões de pessoas moram em pontos mapeados pela Defesa Civil Nacional como de
altíssimo risco para desastres.
A cidade é "para uns, ambiente de
conforto, cultura e segurança [...] Para outros, a vida urbana é caótica,
perigosa e hostil, sem direito a um mínimo de lazer e segurança", resume o
economista Mário Theodoro, doutor pela Universidade Paris 1 - Sorbonne, no
livro "A Sociedade Desigual".
A sucessão de vidas perdidas anualmente em
tragédias que poderiam ser evitadas pela ação diligente do poder público é só
mais uma evidência do apartamento racial da sociedade brasileira. Afinal, é em
locais inseguros, insalubres, erguidos à revelia de planejamento urbano ou ao
relento que dorme grande parte das "pessoas de cor". Até quando?
Pois é,até quando?
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