Blog do Noblat / Metrópoles
Favelas, racismo, analfabetismo,
desigualdade escolar...
O sociólogo brasileiro é antes de tudo um
paleontólogo da escravidão. Ao redor, a sociedade é um sítio de fósseis daquele
tempo, às vezes parecendo ainda vivos.
As favelas: O próprio nome favela foi
criado pelos ex-escravos quando migraram do cativeiro para a liberdade: das
fazendas para a periferia de cada cidade. Até hoje são fósseis do que eram as
senzalas, com condições sanitárias ainda piores, devido ao descuido com o
tratamento dos dejetos humanos e lixo expelidos nas monstrópoles superpovoadas
do século XXI.
Os condomínios: Graças ao avanço técnico, 130 anos depois da Abolição, os descendentes-sociais-dos-escravocratas vivem em melhores condições que seus antepassados no tempo da escravidão, e ainda mais desiguais em relação aos atuais descendentes-sociais-dos-escravos. O condomínio, horizontal ou vertical, é um fóssil da casa grande.
Analfabetismo: A permanência de 10 milhões
de adultos iletrados, em pleno século XXI, é um fóssil social dos anos de
escravidão. Retrato do tratamento educacional dado às pessoas escravizadas e
aos seus descendentes sociais, aos quais a escola foi negada, que atravessam a
vida adulta em situação de analfabetismo. Fóssil tão vivo que é uma forma de
escravidão: está solto, mas não está livre, uma vez que não conhece o mapa que
lhe permite caminhar no moderno mundo letrado.
Desigualdade escolar: Durante os 100 anos
seguintes à Abolição, o Brasil negou escola aos filhos dos pobres, da mesma
forma que negava aos filhos dos escravos. O direito à escolaridade só virou lei
no século XXI: Lei 11.700/2008 para o ensino fundamental e Lei 12.061/2009 para
o ensino médio, que até hoje não são plenamente cumpridas. Mantém-se o fóssil
vivo da escravidão sob a forma da desigualdade entre a qualidade e os
resultados da educação conforme a renda da criança pobre em “escola senzala” e
da rica em “escola casa grande”.
As empresas de alocação de trabalhadores. O
uso sistemático de trabalhadores terceirizados, contratados a um baixo custo
por empresas que os alugam a outras empresas ou ao setor público, é cópia de
prática escravocrata, quando os proprietários alugavam cativos a outras pessoas.
Hoje, o trabalhador livre pode recusar o emprego, mas a prática é fóssil do
período anterior à Lei Áurea, porque, na prática, o pobre brasileiro não tem
como recusar o emprego, continua acorrentado.
Concentração de renda: O Brasil atravessou
toda sua história posterior à Abolição e à República como um dos campeões
mundiais em concentração de renda, de patrimônio, de acesso aos serviços
sociais, como um fóssil da escravidão. O grau de concentração deixa um abismo e
não uma simples desigualdade, uma apartação. Um fóssil do tempo que o país era
dividido entre pretos e brancos, agora entre pobres e ricos.
Menino de rua: Antes da Lei do Ventre
Livre, o filho de escrava não era abandonado, porque era uma mercadoria, tinha
valor de mercado e podia ser vendido. A Lei do Ventre Livre acabou com este
valor e começou a tradição brasileira do abandono infantil. A modernização
industrial, a urbanização, novos valores sociais e novas estruturas familiares
provocaram o fenômeno da infância abandonada, porque no lugar de ter suas
crianças na escola, os descendentes-sociais-dos-escravos passaram a depender da
renda do trabalho ou da mendicância de seus filhos. O resultado foi que o
moderno português falado no Brasil criou palavras como “menino de rua”, “menina
da noite”, “prostituta infantil”, “pivete”, como conceitos que não existiam antes
de 1888, mas são, mesmo assim, fósseis vivos da escravidão.
Pobres: Em muitos países e sociedades, a
pobreza é um fenômeno decorrente da densidade demográfica, da escassez de
recursos naturais, do colonialismo recente, até mesmo de características religiosas.
No Brasil, a permanência da pobreza é um fóssil da escravidão.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
''A favela é a nova senzala''... Verso de uma música de Lobão.
ResponderExcluirUma aula de Brasil. O professor Cristovam sempre nos mostra uma visão nova e profunda da realidade brasileira! Parabéns ao autor e ao blog que o divulga!
ResponderExcluirZumbis do PT, se conseguirem leiam e entendam este artigo e procurem o Professor Cristovam para lhes mostrar o caminho a seguir se de fato querem a real justiça social para o povo brasileiro, principalmente os mais pobres. Esqueçam trem bala!!!
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