Folha de S. Paulo
Hipotética vitória russa assinalaria
declínio radical do papel global dos EUA
Joe Biden emergiu de surpresa em Kiev para
libertar os EUA da sombra de Cabul. Sua mensagem, destinada ao público
doméstico, aos aliados europeus e à Rússia: não abandonaremos a Ucrânia. Sem a
humilhante retirada americana do Afeganistão, em 2021, dificilmente Putin teria
deflagrado sua guerra imperial de conquista. Hoje, do Donbass à Crimeia, está
em jogo o equilíbrio geopolítico mundial.
O proclamado "momento unipolar" da implosão da URSS e da primeira Guerra do Golfo (1990-91) ficou no passado –e, talvez, na esfera das ilusões. Na hora da retirada do Vietnã, meio século atrás, a economia dos EUA representava 36% do PIB global; hoje, representa cerca de 24%. O poder bruto chinês, a dimensão da economia da União Europeia e o arsenal nuclear russo configuraram uma geometria multipolar. Os EUA já não são o hegemon, mas o "primus inter pares". A Ucrânia situa-se numa encruzilhada histórica: um teste decisivo da superpotência que arquitetou a ordem mundial.
"Vitória" é, nessa guerra, um
conceito em mutação. Um ano atrás, do ponto de vista da Ucrânia, significava
sobrevivência: frustrar a marcha das colunas russas a Kiev. A épica resistência
ucraniana, pontilhada por triunfos no campo de batalha, uniu a nação e
transformou seu objetivo militar. A guerra de agressão tornou-se uma guerra de
independência. Hoje, a quase totalidade dos ucranianos (inclusive a maioria dos
russófonos) define "vitória" como a retirada russa de todos os
territórios invadidos, inclusive a Crimeia ocupada em 2014.
O compromisso dos EUA com a defesa da
soberania da Ucrânia impede a Casa Branca de engajar-se em negociações diretas
com o Kremlin, por cima do governo ucraniano. O máximo que Biden poderia impor
a Kiev seria a admissão de um armistício baseado na retirada russa às linhas de
cessar-fogo vigentes um ano atrás.
Vai nessa direção a resolução aprovada pela
ONU por maioria esmagadora. O Brasil alinhou-se à resolução, afastando-se
finalmente da hipócrita neutralidade mantida por Bolsonaro e ensaiada também
por Lula. Mas a retirada é inaceitável para Moscou –e implicaria o
desmoronamento do regime putinista.
Originalmente, Putin definiu
"vitória" como a derrubada do governo ucraniano e a incorporação do
país à "Grande Rússia", na condição de protetorado. A meta
maximalista dissolveu-se ao longo de meses de insucessos bélicos e o chefe do
Kremlin a redefiniu como a anexação do leste e do sul ucranianos. No cenário
atual, a estratégia russa é concluir a ocupação dessas áreas e forçar um
armistício baseado no mapa militar. O caminho para tanto é a ruptura da aliança
internacional que sustenta a resistência ucraniana.
Não é impossível. Nos EUA, Trump e DeSantis
lideram a ala republicana isolacionista disposta a abandonar a Ucrânia. Na
Europa, os impactos econômicos e migratórios da guerra prolongada abrem
trincas, ainda subterrâneas, nas elites políticas. Daí a aposta de Putin num
plano de "paz" que a China promete apresentar, talvez com apoio da
Índia. A "paz" com anexações não passaria do hiato preparatório para
uma terceira invasão.
A hipotética "vitória" russa
assinalaria um declínio radical do papel global dos EUA, paralelamente à
ascensão do isolacionismo republicano. Na União Europeia, produziria uma cisão
entre o núcleo franco-alemão e as nações do antigo bloco soviético.
Propiciaria, ainda, a projeção de poder da China e da Rússia.
O desfecho putinista anunciaria o colapso
da ordem internacional alicerçada em regras e expressa na Carta da ONU. No seu
lugar, surgiria algo como o "pan-nacionalismo" sonhado por Ernesto
Araújo, o ex-chanceler de Bolsonaro: um sistema de esferas de influência
gerenciadas pelas grandes potências e a proliferação de regimes autoritários
baseados em identidades étnicas ou religiosas. A guerra na Ucrânia não é um
conflito regional.
"O Brasil alinhou-se à resolução, afastando-se finalmente da hipócrita neutralidade mantida por Bolsonaro e ensaiada também por Lula"...
ResponderExcluirEsse 'ensaio' só podia ter saído da cabeça doente e senil do Magnoli
O destino da Ucrânia determinará a autoridade do Ocidente no mundo The Economist
ResponderExcluirhttps://www-economist-com.translate.goog/briefing/2023/02/18/ukraines-fate-will-determine-the-wests-authority-in-the-world?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
O Ocidente está lutando para forjar um novo arsenal de democracia The Economist
https://www-economist-com.translate.goog/briefing/2023/02/19/the-west-is-struggling-to-forge-a-new-arsenal-of-democracy?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
Kiev, um ano depois: 'Vejo a guerra ontem e amanhã' | Financial Times
https://www-ft-com.translate.goog/content/c4f92c6d-a309-4e0a-ae24-1b0dba84b861?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
++ https://www-economist-com.translate.goog/ukraine-crisis?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
ResponderExcluirSei.
ResponderExcluirExcelente. O anônimo continua um tremendo FDP. Doente e senil foi o pai dele que acreditou em sua mãe e ainda o alimentou.
ResponderExcluirMAM