O Globo
Criminalidade amazônica conta com poderosos
escudos políticos
‘Fazer
a América’ — era essa a expressão empregada na América Portuguesa para a
pilhagem de recursos naturais conduzida pelos colonos. O governo Bolsonaro
removeu uma frágil linha de defesa que circundava a Terra Yanomami. Os
garimpeiros estão lá “fazendo a América” — como fazem outros garimpeiros,
madeireiros, evangelizadores, traficantes de drogas e armas nas vastidões
amazônicas.
O Brasil moderno nasceu de sucessivas expansões da fronteira econômica. Na segunda metade do século XX, após a Marcha para o Oeste que culminou com a construção de Brasília, a Amazônia converteu-se na derradeira fronteira. “Integrar para não entregar” — sob o lema de curiosos tons “antiimperialistas” da ditadura militar, ondas de colonos nordestinos e sulistas deslocaram-se para o sistema de florestas e campinas equatoriais. Naquela hora, os povos indígenas começaram a ser exterminados.
A redemocratização atenuou o massacre.
Indigenistas formados na tradição de Rondon, como Sydney Possuelo, que dirigiu
a campanha de demarcação da Terra Yanomami, conseguiram apoio da opinião
pública e dos governos para identificar e demarcar as terras indígenas. A
proteção da floresta e dos povos tradicionais tornou-se meta oficial. Mas as
sementes da destruição nunca foram extirpadas.
A Amazônia é mais que um conjunto de
árvores. Na Amazônia Legal, vivem 29 milhões de brasileiros, algo como a soma
das populações da Holanda e da Bélgica. Quarenta e cinco por cento de seu
território está catalogado como terras protegidas, metade das quais são terras
indígenas. Nos mapas, tudo parece perfeito. De fato, porém, as unidades de
conservação e terras indígenas figuram como frentes pioneiras da colonização
ilegal.
Governos sucessivos, de Collor a Dilma,
passando por FH e Lula,
ignoraram que pobreza não combina com preservação ambiental ou proteção dos
povos indígenas. O único ensaio de um projeto federal de desenvolvimento
regional, o Plano Amazônia Sustentável (PAS), formulado em 2008 pelo efêmero
ministro Mangabeira Unger, jamais saiu do papel. Num certo ponto, reduziu-se
radicalmente o desmatamento ostensivo — mas a derrubada da floresta continuou,
sob a copa das árvores, ao longo de estradas ilegais que desenham espinhas de
peixe na Amazônia Ocidental.
Não é possível conter a massa de colonos
amazônicos via Bolsa Família. A ausência de políticas nacionais de
desenvolvimento sustentável propiciou a imbricação da pobreza com diferentes
tipos de criminalidade ambiental, dentro e fora das terras indígenas. Mais recentemente,
as teias do crime passaram a abranger facções do tráfico de drogas,
interessadas no controle das rotas internacionais amazônicas.
O bolsonarismo não inventou os vetores do
crime, mas conferiu-lhes expressão política.
— Bolsonaro quebrou a tradição dos
militares, do que havia de positivista e humanista nas questões indígenas —
explicou Possuelo.
Nessa ruptura, encontrou apoio popular.
Duas décadas atrás, Lula venceu em todos os estados da Região Norte. Em 2018,
Bolsonaro triunfou em todos, menos Pará e Tocantins — e, em 2022, só não
repetiu seus triunfos no Amazonas.
Nos andares inferiores, a onda bolsonarista
manifestou-se pela eleição de incontáveis candidatos ligados a garimpeiros e
madeireiros ilegais. Hoje, a criminalidade amazônica conta com poderosos
escudos políticos.
Roraima, um caso singular,
é também uma ilustração de cenários mais amplos. Na sua porção noroeste
estende-se parte da Terra Yanomami e, na sua porção nordeste, a Terra Raposa
Serra do Sol, homologada em 2005. Lula venceu no estado, por larga margem, em
2002, mas perdeu em 2006, inaugurando uma sucessão de reveses petistas
acachapantes que prosseguiu até 2022. O governo estadual e a maioria dos
prefeitos e vereadores são hostis à proteção das terras indígenas. Segundo
Antonio Denarium, o governador pró-garimpo, os indígenas “têm o desejo de
evoluir e ter o seu trator, ter o seu carro, ter parabólica”.
“Fazer a América” — o antigo sonho dos
colonos não mudou. É preciso, sem demora, realizar a desintrusão da Terra
Yanomami. Mas só isso não basta.
O que Bolsonarium quer é transformar os índios em exército de reserva do capital. Alguns índios terão tratores e celulares. Mas a maioria vai engrossar as favelas e as cracolândias da vida. Denarium e sua turma querem se apropriar das terras dos índios.
ResponderExcluirFernando, no meu entendimento, o problema primordial está na construção de políticas para os indígenas sem ouvi-los a respeito. Será que querem manter-se aprisionados a um modo de sobrevivência primitivo sem os confortos da modernidade?
ResponderExcluirA propósito, a história brasileira contada nas faculdades é um embuste da lavra de gente ressentida e ideologicamente engajada. No Brasil, só existem os brancos e negros com ancestralidade africana, sem qualquer referência à ancestralidade indígena misturada nessa população pobre das periferias. Aliás, esse País colossal é acima de tudo obra de indígenas, já que meia dúzia de portugueses jamais teriam condições de sustentar posições contra países europeus muito mais poderosos. Idiotizam os indígenas como que não tivessem vontade própria e nenhuma capacidade de discernimento sobre o que lhes interessava.
Jorge Mariano sabe o que diz.
ResponderExcluirJorge Mariano. Você está meio por fora. Os dois países mais poderosos do mundo já foram Portugal e Espanha. Tanto que dividiram o mundo entre os dois com o Tratado de Tordesilhas. E toda a América Latina metade fala espanhol e metade português. Os "países europeus muito mais poderosos" ficaram com as ridículas guianas. Quando o Brasil foi descoberto haviam no país 3 milhões de índios. Dois milhões no litoral e um milhão no interior (onde hoje vivem os Yanomamis). Os dois milhões do litoral desapareceram com a civilização da cana de açúcar. Morreram os índios e a mata atlântica quase foi destruída. Hoje temos pouco mais de 800 mil índios sendo 500 mil na zona rural e 300 mil nos centros urbanos (certamente nas favelas e cracolândias). E os negros não possuem terras? Claro que não foram trazidos da África para o Brasil como escravos do capitalismo colonial. Foram libertados em 1888 com uma mão na frente e outra atrás indo criar os "bairros africanos" que eram as favelas do século XIX. Escravizados durante quase quatro séculos mereciam ganhar um pedacinho de terra cada ex-escravo. Mas o Imperador preferiu indenizar os nazilatifundiários porque o Estado tomou deles um "objeto" que eles compraram no mercado e pagaram caro (suponho que um escravo negro custasse caro). O que restou dos índios só possuem terras porque o capitalismo açucarado só se interessava pelo litoral. Agora esse capitalismo já está avançando sobre os outros biomas (Cerrado, Pantanal e Amazônia) e se deixar vão fazer (já estão fazendo) com os índios o que sempre fizeram.
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