O Estado de S. Paulo
A bolha da sua mentalidade furou; resta saber se haverá uma força capaz de reunir os despojos ou se o bolsonarismo ainda tentará se reorganizar
A experiência dos últimos quatro anos foi
rica em ensinamentos, em particular o da extrema direita no poder. Embora no
início o desenho não estava nítido, ganhou no decurso do tempo contornos
precisos. O antipetismo foi a sua bandeira primeira, num amálgama de valores
conservadores e liberais, dando progressivamente lugar a pautas
antidemocráticas e antiliberais. O estilo bronco e, às vezes, engraçado de
Bolsonaro foi se mostrando grotesco e mesmo cruel em sua campanha contra a
vacinação, literalmente gozando da morte alheia, expondo sua falta completa de
compaixão – algo, aliás, contrário aos valores religiosos que dizia defender.
O “jogo dentro das quatro linhas da Constituição” foi uma mera encenação com o intuito de minar a ordem democrática, de preferência via eleições, como se a democracia pudesse ela própria ser subvertida, paradoxalmente, por instrumentos eleitorais. A campanha contra o sistema eleitoral, o combate insano de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e a contestação das eleições puseram a nu um líder de perfil claramente autoritário. Quem com ele não estava se tornava um inimigo, inclusive seus amigos de ontem. Uma vez que o malogro de seu projeto reeleitoral se esboçava, a tentativa mais explícita de golpe foi se apresentando como uma alternativa real.
Fiou-se ele nas Forças Armadas e, em
particular, no Exército, acreditando que elas o seguiriam em quaisquer
circunstâncias, mesmo ao arrepio da disciplina militar. Ocorre que, no jogo do
poder, a maior parte dos militares só aceitou jogar nas quatro linhas da
Constituição, rechaçando qualquer arremedo de legalidade para o emprego da
violência. Militares avançados se puseram na consolidação da ordem democrática,
dizendo não a qualquer tentativa golpista. Os renitentes terminaram se
alinhando, visto que sua formação os colocava na defesa da disciplina e contra qualquer
tipo de quebra de hierarquia. Uma instituição hierarquicamente quebrada deixa
de ser propriamente uma instituição de Estado. Ali fracassou o golpe.
O estertor deste processo foram as
manifestações do dia 8 de janeiro, com a invasão e depredação dos centros do
poder republicano: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O simbolismo foi
forte. A máscara democrática caiu, entrando em seu lugar a violência própria da
extrema direita, embora saibamos que não lhe é exclusiva, haja vista a
experiência comunista. A horda bolsonarista agiu sem freios, ainda acreditando
em seu líder, o “mito”, que viria a liderar presencialmente este processo,
crendo, ademais, que os militares de extrema direita nele a seguiriam. A
partida democrática, porém, já estava previamente ganha, seja pelo pleno
funcionamento das instituições, seja pelo resultado eleitoral majoritariamente
reconhecido, seja pela atuação decisiva dos militares constitucionalistas. E o
“mito” sumiu!
O “mito” refugiou-se nos arredores da
Disney, como se lá fosse mais divertido do que o seu próprio país, após as
arruaças e instabilidades política e institucional aqui produzidas. Contudo, a
extrema direita vive de seus líderes, pessoas resolutas em seu processo
político, como bem demonstraram figuras como Hitler, Mussolini e Franco.
Enfrentaram intempéries até chegarem ao poder e lá se consolidarem. O líder
mantém a coesão de seus liderados, uma espécie de cola que a todos une. Sem
esse fator agregador, seus apoiadores se dispersam. O que podem hoje bem pensar
aqueles que, com chuva, calor e frio, se reuniram na frente dos quartéis,
quando contrastam a sua experiência com a do “mito” no aconchego de um
condomínio residencial em Orlando, com todas as comodidades materiais?
A questão que se coloca, portanto, é a de
se essa experiência eu diria limite da extrema direita tem condições de
perpetuar-se, não apenas por causa da derrota do “mito”, mas principalmente
pelo seu sumiço. Provavelmente, os que nele acreditaram, num número
impressionante de cerca de 50% do eleitorado, vão agora escolher novos
caminhos, considerando que muitos que o seguiram o fizeram por rechaço à
experiência petista. Agora, as posições se invertem, com Lula tendo sido, por
sua vez, eleito por repúdio à experiência bolsonarista. O Brasil continua
oscilando neste pêndulo.
A força do bolsonarismo estava em sua
coesão sob o seu líder, em campanhas midiáticas baseadas na mentira e no ataque
constante a inimigos reais e imaginários, em motociatas cujo perfil se
assemelhava, num mundo digital, às milícias nazistas ou fascistas. No caso
destas, com organizações próprias e firme apoio partidário. Aqui, seja por
falta de tempo, seja por ausência de um projeto totalitário mais firme, a
improvisação terminou se impondo.
Em suma, a bolha da mentalidade de extrema
direita furou, com a realidade entrando por todos os seus furos, como águas num
navio afundando. Resta, agora, saber se haverá uma força de centro, mais à
direita ou mais à esquerda, capaz de reunir esses despojos ou se o bolsonarismo
ainda tentará reorganizar as suas forças.
*Professor de Filosofia na Ufrgs
A bolha furou, entretanto a realidade não se impôs, por não terem ainda saído de seu mundo paralelo e as mentiras serem emitidas, ainda, em profusão.
ResponderExcluirO desenho não estava nítido no início? Só pra quem não queria ver, como o colunista!
ResponderExcluirO estilo às vezes engraçado de Bolsonaro? Engraçado pra quem? Para os índios e negros, sempre desrespeitados pelo canalha? Para as mulheres, desvalorizadas por ele? Para a deputada Maria do Rosário, ameaçada de estupro pelo anormal?
Para os torturados pela ditadura militar, novamente torturados pela defesa criminosa de torturadores e torturas SEMPRE feita pelo pré-GENOCIDA?
O colunista sempre esteve mais do lado do GENOCIDA do que agora quer mostrar, e de quem quer se distanciar cada vez mais!
Direitista? Gaúcho? Formação mexicana? Filosofia?
ResponderExcluirSei não... Parece coisa de viad
Eu também achei estranho o colunista dizer ''as vezes meio engraçado''.
ResponderExcluir