O Estado de S. Paulo.
Neste ano, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) escolheu novamente o tema para a Campanha da Fraternidade
Estudos sobre a segurança alimentar no
Brasil dão conta de que, em 2022, cerca de 58% dos brasileiros enfrentavam
alguma situação de insegurança alimentar e nutricional, o que significa
alimento insuficiente e de baixa qualidade. Destes, 15,5% conviviam com a fome,
o que corresponde a cerca de 33 milhões de pessoas. O problema é mais acentuado
em 18,6% de domicílios rurais, que convivem diariamente com a fome. Quase a
metade dessa população com fome vive nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil.
A fome está diretamente relacionada com a questão do trabalho e do nível da renda. Como pode assegurar uma alimentação minimamente adequada a família ou o domicílio com renda inferior a um quarto de salário mínimo por pessoa? Os diversos benefícios sociais apenas conseguem mitigar essa situação, sem, contudo, resolvê-la. A pandemia de covid-19 agravou ainda mais este quadro preocupante. Mas, depois dela, a fome persiste e até se agravou. Mesmo se a fome não consta oficialmente como causa mortis de tantas pessoas, aquelas que dela padecem podem sofrer consequências graves, como a subnutrição crônica, danos ao desenvolvimento físico e intelectual e a fragilização da saúde, que marcam o resto de sua vida.
O problema não é somente brasileiro, mas
mundial. Em alguns países da África e da Ásia, está relacionado com a baixa
produção de alimentos, a desertificação, guerras e a grande concentração
populacional. Mas não precisaria haver fome em nenhuma parte da Terra, que tem
capacidade de produzir alimentos em quantidade abundante para nutrir toda a
população mundial. Por quais motivos, então, existe o flagelo da fome? Em 2014,
o papa Francisco lamentou, diante da 2.ª Conferência Internacional sobre
Nutrição: “É doloroso constatar que a luta contra a fome e a subnutrição seja
dificultada pelas prioridades do mercado e a primazia do lucro, que reduziram
os alimentos a uma mercadoria qualquer, sujeita a especulações, até
financeiras”.
A ONU reconhece que a alimentação adequada
é um direito humano fundamental, a ser assegurado a todas as pessoas, uma vez
que é indispensável à sobrevivência. No Brasil, esse direito também foi posto
na Constituição e está garantido pela Emenda Constitucional n.º 64, de 4 de
fevereiro de 2010. O problema está na efetivação desse direito humano
fundamental. Nosso país voltou a figurar no mapa da fome, e isso não deveria
deixar ninguém indiferente. Estamos muito longe de alcançar a meta da
eliminação da fome no mundo até 2030, um dos objetivos do milênio.
Neste ano, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) escolheu novamente o tema da fome para a Campanha da
Fraternidade. É pela terceira vez que o faz nos 60 anos da campanha: 1975, 1985
e 2023.
A fome de nossos semelhantes interpela
nossa consciência e a qualidade de nossas relações sociais e fraternas. Na
comemoração dos 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), o papa Francisco observou em seu discurso: “Para a
humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha” (16 de
outubro de 2020).
O lema escolhido para a campanha –
“dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16) – traz as palavras de Jesus aos
apóstolos no final de uma jornada. Ele está cercado de muita gente cansada e
faminta e os apóstolos pedem que ele despeça a multidão, para que as pessoas
vão para casa e se alimentem. Mas Jesus surpreende os discípulos com esta
ordem: “Não precisam ir. Dai-lhes vós mesmos de comer”. Alguém, então, lhe
apresenta cinco pães e dois peixes, mas o que seria isso para tanta gente?
Jesus manda distribuir o pão e o peixe à multidão. Todos se fartam e, no fim,
sobra muito mais do que havia no início (cf Mt 14,13-21).
Milagres assim acabariam logo com a fome no
mundo! Mas, para fazê-los, só mesmo Jesus. Com seu exemplo, no entanto, ele nos
deixou preciosas indicações, capazes de ajudar a resolver o problema. Antes de
tudo, não ficou indiferente diante da fome do povo nem o despediu para que se
arranjasse sozinho, mas assumiu como próprios a preocupação e o sofrimento da
multidão faminta. A indiferença diante do sofrimento alheio mata, antes mesmo
que a fome. Ensinou, também, que a urgência da fome se resolve mediante a
partilha. Sozinhos, não conseguiremos. E a partilha precisa ser promovida
mediante políticas públicas e iniciativas generosas de cada cidadão, para
proporcionar trabalho, geração de renda, produção de alimentos, acesso a eles e
o socorro a quem padece de fome.
No final da narração da multiplicação dos
pães e dos peixes, há um detalhe que poderia passar despercebido, mas é
importante para o nosso tema: quando todos ficaram saciados, Jesus mandou
recolher os restos que sobraram, para que nada se perdesse. E foram recolhidos
bem 12 cestos cheios do precioso alimento (cf Mt 14,20). Com a eliminação do
desperdício de alimentos, daria para saciar quase todos os que passam fome no
Brasil. Quase uma terça parte do alimento produzido é desperdiçada. Que fazer
para diminuir esse desperdício e, assim, também a multidão faminta?
*Cardeal-Arcebispo de São Paulo
Espero que suas orações estejam centradas nos bravos Ucranianos . Mortos por um ex chofer de táxi com pretensões de imperador, mas que de verdade, não passa de um ladrão vulgar.
ResponderExcluirSe tivesse escolhido a guerra covarde da Rússia contra a Ucrânia como finalidade, não só teria sido a fome como também também, o direito humano, a agressão de guerras, o extermínio e a decência.
ResponderExcluirIgual Deus falou através de seu filho Jesus.