domingo, 5 de fevereiro de 2023

Dorrit Harazim - Haja paciência!

O Globo

A sanha da extrema direita em brecar o governo Lula 3 já deu sinais suficientes de que rondará Brasília enquanto não for cortada sua raiz

 ‘Nossa época é essencialmente trágica, por isso recusamo-nos a ver nela a tragédia. Mas o cataclismo já aconteceu; estamos entre ruínas, começamos a reconstruir pequenas casas, refazer pequenas esperanças. O trabalho é árduo: o caminho para o futuro não será tranquilo. Apesar de tudo, damos a volta, arrastamo-nos sobre as pedras. Só nos resta viver, não importa quantos céus tenham caído.’ Assim começa o primeiro parágrafo do clássico de D. H. Lawrence “O amante de Lady Chatterley”, lançado em 1928 e proibido até 1960. A obra tratava de sexo e traição de modo explícito demais para a época, mas poderia servir para retratar o estado atual da nação brasileira. São muitos os céus que caíram e não param de cair sobre o país.

Nesta semana, o recém-empossado governo Lula teve de lidar com nova vertente do infame 8 de Janeiro golpista destinado a desestabilizar a normalização do país. Haja paciência! Vencedor do primeiro e segundo tempos do pleito eleitoral, Lula festejara sua diplomação no 12 de dezembro com bolsonaristas já vandalizando Brasília num ensaio de terceiro turno. Não obtiveram a adesão esperada nem a atenção investigativa que mereciam. Na véspera do Natal, houve novo repique, quando dois terroristas bolsonaristas tentaram explodir um caminhão-tanque no abarrotado aeroporto da capital. Por frustrado, o plano não embaçou a posse presidencial na virada do ano — aquela, alegre e colorida, desarmada e plural, com a rampa do poder transformada em passarela das gentes brasileiras.

O 8 de Janeiro pegou a nação e o novo governo despreparados. Para a massa bolsonarista intoxicada pela derrota civil (nas urnas) e militar (as Forças Armadas se mantinham na caserna), só interessava o golpismo. Os atos destrutivos daquele dia tiveram uma dinâmica que o Monde Diplomatique qualificou, com propriedade, de fascista — “uma subjetivação delirante, que mobiliza as massas lutando por autoritarismo como se lutassem por sua libertação”. Abortada na 25ª hora — mais por sorte do que por prontidão do governo Lula —, essa mistura de tentativa de putsch, intentona ou golpe está longe de ser erradicada. Apenas hiberna. Ou ressurge em roupagem farsesca, à altura da imaginação de um Alfred Jarry, autor do maravilhoso “Ubu rei”.

Nesta semana, autoridades alternavam um estado de alarme com descaso diante da “denúncia” de que Jair Bolsonaro, enquanto ainda no poder, participara de uma trama para grampear e tirar do caminho ninguém menos que o ministro-xerife Alexandre de Moraes, do Supremo. O denunciante dado a mil e uma versões não era crível. Mas, depois do 8 de Janeiro, ninguém mais no governo pode descartar qualquer trama golpista, por mais fantasiosa que seja. A sanha da extrema direita em brecar o governo Lula 3 já deu sinais suficientes de que rondará Brasília enquanto não for cortada sua raiz.

Quatro anos atrás, em meio à perplexidade nacional diante da eleição de Bolsonaro para presidente da República, a Academia Brasileira de Letras (ABL) promoveu um ciclo de conferências que buscava respostas para o fato de o Brasil nunca chegar a lugar algum. Entre os palestrantes de vivências e saberes variados, estava o jurista, diplomata e acadêmico Rubens Ricupero. Recomenda-se aqui a leitura da íntegra de sua fala, disponível no site da ABL. O texto culto e denso cobre um amplo arco de nossa história. Em determinado momento, ele cita o filósofo franco-lituano Emmanuel Lévinas, que, indagado se o colapso do comunismo significara uma vitória decisiva da democracia, respondeu:

— Não, penso que as democracias perderam e muito. Apesar de todos seus horrores, seus excessos, o comunismo havia sempre representado a esperança [... ] de uma ordem social mais equitativa. Não é que os comunistas tivessem uma solução ou estivessem preparando uma, ao contrário. Existia, no entanto, a ideia de que a História possuía um sentido, uma direção e que viver não era insensato, absurdo. [...]. Não creio que haver perdido essa ideia para sempre seja uma grande conquista espiritual.[...]. Acreditávamos saber para onde ia a História e que valor dar ao tempo. Agora, caminhamos sem rumo, perguntando-nos a cada instante: “Que horas são?”. De maneira fatalista, um pouco como se faz o tempo todo na Rússia: “Que horas são?”. Ninguém sabe a resposta.

Para Ricupero, naquele início da era bolsonarista, era preciso dar um sentido à História, recuperar o sentimento de que a vida humana no Brasil não é absurda nem insensata. Devolver ao país não uma esperança qualquer, mas a definida por Walter Benjamin:

— É apenas por causa dos que não têm esperança que a esperança nos foi dada.

Vamos nessa, mas sem deixar de olhar por sobre o ombro.

8 comentários:

  1. Anônimo5/2/23 14:36

    Rubens "Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde" Ricupero?
    Creda!

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  2. O Emmanuel Lévinas estava enganado. O fim do socialismo realmente existente não significou que essa ideia tenha se perdido para sempre. A China por exemplo anda matutando a sinicização do marxismo. Não obstante, o fim do comunismo vermelho, da foice e do martelo teve um lado bom. Enquanto ele existia a bandeira da democracia pertencia à burguesia. E hoje a tendencia é de a democracia cair nas mãos do povo como um todo (as mulheres, os negros, os índios, os viados e as viadas). A burguesia não tem nada a ver com a democracia. O capitalismo nasceu sugando o sangue dos escravos negros africanos no início do século XVI. E agora no século XXI se agarra com unhas e dentes ao fascismo (vide a moçoila primeira ministra italiana) e ao nazismo (vide Trump e o boçal). E a vitória da frente ampla lulo-alckmista é uma prova da vitória desse novo tempo em direção ao futuro. Importante é esmagar o ovo da serpente bolsonarista. Ou a cabeça da cobra porque parece que ela está viva e preparando outro bote.

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  3. Anônimo5/2/23 19:10

    Russia construiu seu império nuclear através de seus escravos brancos que passam fome até hoje

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  4. Anônimo5/2/23 19:22

    Gulags e ext.. e tal. A China começando a mostrar suas garrinhas, balão para monitorar o clima. Colômbia deveria ter feito tal qual USA. Logo chegará a vez do Brasil, um território bem maior que Taiwan. O Brasil tem que ficar atento, principalmente depois de toda propaganda negativa contra nossa Army. Quero ver na hora do “vamos ver” quem vai nos socorrer. Não se iludam já estamos numa terceira guerra que não demorará chegar aqui. Rússia cedeu terreno para China, enquanto luta para tomar o país Ucraniano. Tem coisas sintomáticas acontecendo só não vê os cegos que não querem ver. Enquanto isso China vai destabdo as @possibilidades

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  5. Anônimo5/2/23 21:47

    Custa Rica a última vítima do “china” perdendo prestígio e atiçado pela Rússia, ou então, porque a Rússia devolveu parte da Siberia a China?

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  6. Anônimo5/2/23 22:17

    Aí, coitada….

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  7. Muito bom o artigo da colunista.

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